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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXXXII - A Medicina na Guerra do Paraguai Parte IV


Terceira Margem – Parte DCXXXII - A Medicina na Guerra do Paraguai Parte IV - Gente de Opinião

Bagé, 30.08.2023


A MEDICINA NA GUERRA DO PARAGUAI

(Mato Grosso)

LUIZ DE CASTRO SOUZA

Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Membro titular do Instituto Brasileiro de História da Medicina.

IV

A RETIRADA DE CORUMBÁ

Os bravos e heroicos defensores do Forte de Coimbra desembarcam em Corumbá e encontram a vila domi­nada pelo terror, desde que ali chegara o vaporzinho da flotilha “Jauru”, levando a notícia do ataque inimi­go àquela Praça de Guerra. O Comandante das Armas da província, Cel Carlos Augusto de Oliveira, determina o embarque de todo o contingente nos vapores da flotilha e a partida para Cuiabá, apesar da opinião contrária manifestada pelo chefe da flotilha brasileira, Capitão-Tenente Francisco Cândido de Castro Menezes, e pelo comandante do 29° Batalhão de Artilharia a Pé – Coronel Carlos de Moraes Camisão que desejavam resistir ao invasor.

Essa resolução fez aumentar o pânico já instalado há dias, principalmente junto ao elemento civil da povoação. Em relatório oficial encaminhado ao Presidente da Província, dizia o Cel Carlos Augusto de Oliveira que, após receber a comunicação do ataque inimigo ao Forte de Coimbra, entrara em entendimentos com o chefe da flotilha, enviando, então, um reforço de dois oficiais e cinquenta praças pelos vapores “Jauru” e “Corumbá”. E acrescentava, que deixara de seguir com este contingente, porque os médicos que o assistiam, Tenentes 2os Cirurgiões, Doutores Dormevil José dos Santos Malhado e José Antônio Dourado, o impediram de assim proceder, diante do seu grave estado de saúde. Narrava, ainda, que o Doutor Dourado estava disposto, caso fosse desatendido, protestar até mesmo perante a guarnição (OLIVEIRA, 1926).

O Tenente 2° Cirurgião, Doutor Dormevil José dos Santos Malhado, que se achava com as Forças no Quartel do Comandante das Armas, instalado em Corumbá, era natural da cidade do Salvador [BA], nascido a 04.05.1837, e filho do Tenente Antônio José dos Santos Malhado e de D. Joaquina Rosa dos Santos Malhado. Doutor em medicina pela Faculdade da Bahia, onde defendeu tese, Ingressara no Corpo de Saúde do Exército, pelo Decreto de 20.02.1864. Na retirada de Corumbá, fora designado pelo Cmt das Armas da Província, como encarregado do hospital ambulante (OLIVEIRA, 1926).

O Doutor José Antônio Dourado havia ingressado no Corpo de Saúde, pelo Decreto de 20.04.1864, no posto de Tenente 2° Cirurgião, quando fora designa­do para servir na Província de Mato Grosso. Era doutor em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1848. Natural da cidade do Salvador [BA], nascido aos 19.03.1824, filho de João Antônio Dourado e de D. Romana Maria dos Anjos. Com a precipitação do embarque da guarnição para Cuiabá, a população desesperada utiliza qualquer transporte a fim de acompanhar as Forças. Todos estão dominados pela desolação e pela tristeza. Muitos não conseguem viajar pelos naviozinhos da flotilha já superlotados de soldados, mulheres, crianças. O povo toma de assalto as embarcações particulares e de todo tipo, e da escuna argentina “Jacobina”, de propriedade de um italiano, partem vozes aflitas suplicando a presença do Tenente João de Oliveira Mello, um dos heróis do Forte de Coimbra, para organizar a retirada de paisanos e militares que se encontravam a bordo do precário navio. Este bravo e destemido oficial do Exército Brasileiro, atende ao apelo dos seus compatriotas, os conduz pelos pantanais, após abandonar a escuna diante da proximidade do inimigo.

A travessia dura quatro meses, num percurso de 650 quilômetros, vencendo pântanos, desorientando o invasor, navegando por rios caudalosos, palmilhando lugares jamais transitados e sem guia, porém, possuía aquele oficial do Exército de Caxias, um coração resoluto de salvar aqueles brasileiros que confiaram na sua coragem e predestinação. A 30 de abril, chegava a Cuiabá, onde o povo em delírio recebia seus 479 patrícios e entes queridos, carregando em triunfo o seu herói autêntico: Tenente Mello. Este feito jamais foi igualado como exemplo de solidariedade humana, ficando gravada, eternamente, uma das mais belas páginas de desprendimento, bravura pessoal, resistência física e autoridade moral.

A 03.01.1865, entram os paraguaios em Corumbá, já abandonada e continuam subindo o Rio Paraguai.

O vapor “Anhambhay”, depois de desembarcar, a 05.01.1865, o Cel Oliveira e os demais passageiros no porto do Sará, na margem direita do São Lourenço, retorna águas abaixo para auxiliar as demais embarcações, de pequeno porte, que navegavam vagarosamente porque iam superlotadas de passageiros. Na foz do Rio São Lourenço, a 6 de janeiro, isto é, no dia seguinte, é a “Anhambhay” avistada por dois navios de guerra paraguaios, “Iporá” e “Rio Apa”, que subiam o rio em persegui­ção aos brasileiros. A canhoneira brasileira imedia­tamente atacada pelo inimigo, faz vivo fogo sobre o “Iporá” que havia tomado a dianteira, porém, pela superioridade do invasor, segue o naviozinho brasileiro em retirada que se estendeu por seis léguas.

A “Anhambhay” se encontrava armada com um canhão de 32 que no décimo terceiro tiro desmontou-se, conforme acentua em sua parte, o Capitão-Tenente Castro Menezes. Em uma das voltas mais estreitas do rio, às 14h30 do citado dia, foi a “Anhambhay”, por infelicidade, sobre à barranca, perto do morro do Caracará, quando é abordada pelo “Iporá” que mais de perto a seguia. Após uma resistência impossível, alguns Imperiais Marinheiros e Oficiais saltam em terra e salvam-se; outros, entretanto, permanecem no navio lutando contra o invasor. Em seu posto de honra, lutando bravamen­te, encontrava-se o Segundo Tenente 2° Cirurgião da Armada, Doutor José Cândido de Freitas e Albuquerque. A este médico militar os selvagens paraguaios, depois de o matarem, degolam-no, cortam-lhe as orelhas para enfiá-las em um cordel e levá-las suspensas no mastro grande do “Iporá” para Assunção, como troféu horripilante. Morreu, assim, o 2° Cirurgião Doutor Freitas e Albuquerque, como autêntico herói da Imperial Armada e da Medicina Naval Brasileira, e primeiro médico, mártir da Guerra do Paraguai. O Dr. Freitas e Albuquerque nasceu em Salvador [BA], no ano de 1835, filho do magistrado e Conse­lheiro Dr. Francisco Maria de Freitas e Albuquerque e de D. Constança Clara de Freitas e Albuquerque. Doutor em medicina pela Faculdade da Bahia, em 26.11.1857, após defender tese.

Ingressou no ano seguinte no Serviço de Saúde da Marinha, a 05.06.1858, na graduação de 2° Cirur­gião. Serviu no extremo norte do país, Província do Grão-Pará, e por punição é removido para a flotilha de Mato Grosso, por designação do Cirurgião-Mor da Armada, em 10.02.1864, quando foi ao encontro de sua gloriosa morte (CASTRO SOUZA, 1963).

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O Presidente da Província de Mato Grosso, Brigadeiro Alexandre Manuel Albino de Carvalho, diante da rápida evolução dos acontecimentos, toma as providências que o momento exigia, chamando às armas, a 09.01.1865, os 1°, 2° e 3° Batalhões da Guarda Nacional e cria, sob a denominação de Volun­tários Cuiabanos, um Batalhão de quatro Compa­nhias.

Organiza uma Expedição sob o comando do Tenente-Coronel Porto Carrero que, a 14 de janeiro, partia para fortalecer e guarnecer as colinas do Melgaço, posição considerada estratégica, à margem esquerda do Rio Cuiabá e a 20 léguas à jusante da capital da Província, formando uma linha de resistência para impedir o avanço do inimigo, por via fluvial, contra a sede do Governo. Porém, as Forças dominadas pelo pânico, após um alarma falso, abandonam a posição, depois de dois dias de permanência e voltam para Cuiabá.

O Almirante Augusto Leverger, Chefe de Esquadra reformado, apesar de alquebrado pelas lutas e pela idade, cientificado desse inesperado regresso e sen­tindo a inquietação provocada no espírito do povo, apresenta-se ao Gen Presidente da Província, ofere­cendo sua valiosa colaboração, que é aceita inconti­nenti, sendo nomeado, a 20.01.1865, Comandante Superior de toda a Guarda Nacional da Província, bem como das Forças fluviais e terrestres incumbidas de ocupar e defender o ponto do Melgaço. Este precioso gaulês e valente marinheiro brasileiro, apenas com sua presença, domina e eleva o moral da tropa e consegue, finalmente, estabele­cer, em Melgaço, com as mesmas Forças que antes haviam se retirado, um baluarte contra a malta invasora.

Preparadas as fortificações e assentadas as baterias, dominavam no acampamento a ordem e a disciplina, entre os 1.200 combatentes da Guarda Nacional e do Exército, bem como nos pequenos vapores da flotilha, “Cuiabá”, “Corumbá” e “Jauru”. Todas essas Forças permaneceram em Melgaço até fins do mês de março, quando ficara constatada a impossibi­lidade de uma ação guerreira dos paraguaios.

O Almirante Augusto Leverger, Barão com grandeza de Melgaço, em 07.07.1865, contou desde o início da expedição, com a presença dos médicos militares que colaboraram na melhoria das condições sanitá­rias, que estiveram, em determinado momento, ameaçadoras, provocando preocupações ao co­mandante-em-chefe das Forças. Foram eles: o Segundo Tenente 2° Cirurgião do Corpo de Saúde da Armada, Dr. Augusto Novis e o Tenente 2° Cirurgião reformado do Exército, Dr. João Adolfo Josetti, médico contratado. A botica ([1]) esteve entregue ao Alferes Farmacêutico, Reginaldo José de Miranda.

Apesar do pânico que a invasão provocou, o patrio­tismo do povo cuiabano não se fez por esperar e todos os homens válidos vêm engrossar as fileiras do Exército Provisório para defender o solo pátrio. Os paraguaios procuram se aproximar de Cuiabá por via terrestre e chegam até Coxim, em 25.04.1865, saqueando, matando, destruindo e aprisionando a indefesa população mato-grossense. O Presidente Albino de Carvalho que só contava com os recursos locais e esses bem precários, é cientificado, em 10 de maio, da presença dos paraguaios naquele Distri­to e receando um ataque à capital da Província, or­ganiza uma Divisão de Operações de 2.000 homens e composta de duas Brigadas: uma, formada pela Guarda Nacional e a outra de toda a Força de linha da Província. Estabelece um ponto de resistência, em Aricá, cinco léguas ao Sul de Cuiabá, entregando o comando geral ao Cel Carlos de Moraes Camisão. Para Chefe do Serviço de Saúde da Divisão, o Presidente da Província de Mato Grosso designa o Ten Cel Cirurgião-Mor de Divisão, Dr. José Antônio Murtinho, arbitrando a gratificação mensal em tre­zentos mil réis cuja aprovação para esta despesa solicita ao Governo Imperial. Nesse acampamento de Aricá, o Dr. Murtinho recebeu a colaboração do Dr. João Adolfo Josetti e do Dr. Augusto Novis. O Comandante das Armas, ao dissolver a respectiva Divisão, a 16 de agosto, ressaltou o 2° Cirurgião Dr. Novis, em “Ordem do Dia”,

agradecido pelo zelo, prontidão, pontualidade e hu­manidade com que soube exercer as funções do seu ministério.

E o próprio Presidente da Província, adiante, em referência ao Dr. Novis, atestaria:

que foi o suplicante o primeiro oficial de saúde que empreguei nos pontos militares de Melgaço e Aricá; que o comportamento oficial e humanitário do suplicante tanto em um como em outro ponto foi excelente, e finalmente que, pelas ponderosas razões que ficam exaradas, fiz e faço o melhor conceito possível e o tenho em conta de um digno oficial de saúde da Armada, e assim o declaro. Cuiabá, 19.09.1865 – Alexandre Manoel Albino de Carvalho.

Com a ocupação de Coxim pelos invasores, ficaram cortadas por algum tempo, as comunicações através do correio, entre Cuiabá e a Capital do Império.

O Presidente Albino de Carvalho mandava, em julho de 1865, o Batalhão de Artilharia de Mato Grosso, se juntar às Forças de Goiás, constituída do 20° Batalhão de Caçadores e da 8ª Companhia de Voluntários goianos, que desde o dia 17 de julho, haviam chegado a Coxim, sob o comando do Tenente-Coronel Joaquim Mendes Guimarães. Esse contingente tinha partido da cidade de Goiás, em 15.05.1865. Posteriormente, acampava no ponto de sempre, um Esquadrão de Cavalaria, também da Província de Goiás, sob o comando do Major Eliseu Xavier Leal. Os soldados goianos permanecem em Coxim, durante 17 longos meses, à espera das Forças que vinham de Minas Gerais e de São Paulo, formando a denominada “Coluna Expedicionária de Mato Grosso”. [...] (SOUZA)

 

Bibliografia

 

SOUZA, Luiz de Castro. A Medicina na Guerra do Paraguai (I a V) – Brasil – São Paulo, SP – USP, Revista de História, 1968, 1969 e 1970.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].



[1]    Botica: farmácia. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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