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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXXVII - A Cólera do Império (Machado de Assis)


Terceira Margem – Parte DCXXVII - A Cólera do Império (Machado de Assis) - Gente de Opinião

Bagé, 21.08.2023

 

DE PÉ! – Quando o inimigo o solo invade

Ergue-se o povo inteiro; e a espada em punho

É como um raio vingador dos livres!

*   *   *

Que espetáculo é este! – Um grito apenas

Bastou para acordar do sono o império!

Era o grito das vítimas. No leito,

Em que a pusera Deus, o vasto corpo

Ergue a imensa nação. Fulmíneos ([1]) olhos

Lança em torno de si: – lúgubre aspecto

A terra patenteia; o sangue puro,

O sangue de seus filhos corre em ondas

Que dos rios gigantes da floresta

Tingem as turvas, assustadas águas.

Talam seus campos legiões de ingratos.

Como um cortejo fúnebre, a desonra

E a morte as vão seguindo, e as vão guiando,

Ante a espada dos bárbaros, não vale

A coroa dos velhos; a inocência

Debalde aperta ao seio as vestes brancas...

É preciso cair. Pudor, velhice,

Não nos conhecem eles. Nos altares

Daquele gente, imola-se a virtude!

*   *   *

O Império estremeceu. A liberdade

Passou-lhe às mãos o gládio sacrossanto,

O gládio de Camilo. O novo Breno

Já pisa o chão da Pátria. Avante! avante!

Leva de um golpe aquela turba infrene!

É preciso vencer! Manda a justiça,

Manda a honra lavar com sangue as culpas

De um punhado de escravos. Ai daquele

Que a face maculou da terra livre!

Cada palmo do chão vomita um homem!

E do Norte, e do Sul, como esses rios

Que vão, sulcando a terra, encher os mares,

À falange comum os bravos correm!

*   *   *

Então [nobre espetáculo, só próprio

De almas livres!] então rompem-se os elos

De homens a homens. Coração, família,

Abafam-se, aniquilam-se: perdura

Uma ideia, a da Pátria. As mães sorrindo

Armam os filhos, beijam-nos; outrora

Não faziam melhor as mães de Esparta.

Deixa o tálamo o esposo; a própria esposa

É quem lhe cinge a espada vingadora.

Tu, brioso mancebo, às aras foges,

Onde himeneu te espera; a noiva aguarda

Cingir mais tarde na virgínea fronte

Rosas de esposa ou crepe de viúva.

*   *   *

E vão todos, não pérfidos soldados

Como esses que a traição lançou nos campos;

Vão como homens. A flama que os alenta

É o ideal esplêndido da Pátria.

Não os move um senhor; a veneranda

Imagem do dever é que os domina.

Esta bandeira é símbolo; não cobre,

Como a deles, um túmulo de vivos.

Hão de vencer! Atônito, confuso,

O covarde inimigo há de abater-se;

E da opressa Assunção transpondo os muros

Terá por prêmio a sorte dos vencidos.

*   *   *

Basta isso? Ainda não. Se o império é fogo,

Também é luz: abrasa, mas aclara.

Onde levar a flama da justiça,

Deixa um raio de nova liberdade.

Não lhe basta escrever uma vitória,

Lá, onde a tirania oprime um povo;

Outra, tão grande, lhe desperta os brios;

Vença uma vez no campo, outra nas almas;

Quebre as duras algemas que roxeiam

Pulsos de escravos. Faça-os homens.

*   *   *

Treme, opressor, da cólera do Império!

Longo há que às tuas mãos a liberdade

Sufocada soluça. A escura noite

Cobre de há muito o teu domínio estreito;

Tu mesmo abriste as portas do Oriente;

Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos

Os soluços ouviu dos teus escravos,

E os olhos te cegou para perder-te!

*   *   *

O povo um dia cobrirá de flores,

A imagem do Brasil. A liberdade

Unirá como um elo estes duos povos.

A mão, que a audácia castigou de ingratos,

Apertará somente a mão de amigos.

E a túnica farpada do tirano,

Que inda os quebrados ânimos assusta,

Será, aos olhos da nação remida,

A severa lição de extintos tempos! 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].



[1]    Fulmíneos: brilhantes como o próprio raio. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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