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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCXVI - Jornada Pantaneira - Ensandecido López – Parte III


Hiram Reis e Silva - Gente de Opinião
Hiram Reis e Silva

Bagé, 24.07.2023

XXX

A Conquista de um Canhão

Ainda uma vez voltamos ao combate de 3 de novembro de 1867, para nós fonte perene de onde dimanou a jorros a audácia, o valor e o heroísmo do Exército Nacional.

Aquele arrojado assalto, que se tornou imediata­mente Batalha, porque nele intervieram todas as armas, todas as Forças de cada campo e todos os utensílios e acessórios bélicos, é também fonte inesgotável de episódios gloriosos e sem número, porque nele existiu e tomou parte, desde o Tenente-General Comandante, até a paupérrima, humilde e fraca mulher do soldado.

Naquela arena encontrou-se muito cadáver feminino entre os despojos mortais da vitória. Semelhante luta deixou muito homem viúvo, ao contrário do que ordinariamente se observa nas guerras em que a viuvez e sempre partilha do lado feminil. [...] (PIMENTEL)

XLV

Uma Abordagem

Houve e há ainda quem empreste a Francisco Solano López qualidades militares que o elevam a General, na legítima acepção desta palavra.

Estes inventores de reputações, porém, eram aqueles que mais longe estavam de compreendê-las, não só por lhes faltarem qualidades para juízes, como porque nunca viram um acampamento senão pelas descrições dos livros e jornais.

A estes guerreiros platônicos, a que pitorescamente chamávamos “generais de botequins”, a estes “discursadores de boulevards”, que como certos navegadores só aprendem a conhecer a Barra depois de perdido o navio, opomos, não só a opinião de todos os chefes da Aliança, como a daqueles que de perto lhe apreciaram os atos, até que um houve um Ministro Americano – que o declarou fora da lei da humanidade, e também a narração seguinte que co­piamos fielmente da Ordem do Dia n° 231, do General brasileiro Duque de Caxias.

Verá por aí, o leitor, a vesânia ([1]), a preocupação constante de nunca modificar sequer plano algum que houvesse concebido em sua exaltada pretensão a General quando dava uma ordem de combate, qualquer que ela fosse.

Uma vez preconcebido seu Plano de Batalha, não ha­via poder humano que o modificasse mais. Inútil se­ria, pois, a mais salutar ponderação que lhe sugeris­se o chefe encarregado dela, disto resultava que dispondo de Forças obedientes e bravas, de chefes de notória e, digamos mesmo, de audaciosa bravura.

Em nenhuma conta tinha essas excelentes qualida­des de seu valoroso exército, e por isso nunca conse­guiu, apesar desses bons elementos, obter a mais insignificante vitória, a não ser a da repulsa de Curupaiti, devido só e unicamente à enérgica direção do seu General Diaz.

Eis o trecho da Ordem do Dia:

O Marechal Comandante-Chefe manda fazer público às Forças de seu comando que uma brilhante vitória foi alcançada pelo encouraçado “Barroso” e monitor “Rio Grande” ancorados em Taí, pertencente à va­lente divisão avançada. Sua denodada Guarnição repeliu e destroçou completamente uma Força Para­guaia, que pelas 11 horas e meia da noite de 9 do corrente [julho de 1868] ousara abordar aqueles navios. Por um paraguaio, prisioneiro no combate, foi revelado a S. Exª o Sr. Marquês ([2]) que em S. Fernando, onde López tem seu acampamento, havia-se organizado um Corpo de 260 praças, de gente escolhida de terra e mar, fazendo instruí-los nos exercícios de abordagem, com o propósito inabalável de apossar-se dos nossos encouraçados e que, tendo esse corpo atingido a exigida instrução, fora mandado passar para o Chaco no dia 9, conduzindo em carretas 20 canoas, a fim de dar um golpe-de-mão sobre o monitor “Rio Grande”, que López presumia ser o único fundeado na foz do rio Vermelho.

O comandante dessa expedição, porém, reconhecendo que em vez de um existiam dois encouraçados fundeados não no lugar indicado, mas sim nas proximidades de nossas baterias de Taí, participou a López, ponderando-lhe que julgava impossível a empresa da abordagem, mas que teve em contestação que cumprisse a ordem, investisse contra os dois navios e os aprisionasse! ([3])

Efetivamente, pelas onze e meia da noite de 9, vinte canoas carregadas de gente cercaram de improviso o “Barroso”. Com o brado de – Inimigo! A postos! – dado pelo oficial de quarto ([4]), seu intrépido comandante, o Sr. Capitão-de-Fragata Arthur Silveira da Motta, dispondo a Guarnição de modo a rechaçar o inimigo, mandou romper o fogo de fuzilaria das portinholas das baterias e da parte superior da casamata, e metralhá-lo depois que ele teve a audácia de pisar o convés de seu navio, produzindo grande estrago e desordem entre eles, de modo que nenhum efeito resultou das granadas de mão, foguetes à Congrève ([5]) , materiais asfi­xiantes e inflamáveis, com que vinham armados, e lançavam pelas escotilhas. Quando saía o coman­dante da casamata para a tolda, acompanhado do bravo Capitão-Tenente Etchebarne, alguns oficiais e marinheiros acabavam de destroçar os últimos para­guaios, que se agarravam às canoas emborcadas; alguns outros, desprendendo-se do costado do navio em uma chalana e na canoa do comandante, vogaram para o monitor “Rio Grande”, que então já seguia avante, aproximando-se do “Barroso”.

Foi neste momento que se travou uma desesperada luta entre um grupo de paraguaios, que chegou a abordar o monitor, e o seu bravo comandante, o Capitão-Tenente Antônio Joaquim, que impruden­temente saíra ao convés com algumas praças, a fim de repelir a abordagem, do que resultou ser morto, sendo inúteis os esforços que fez a Guarnição para encontrar o seu cadáver, tendo sido, entretanto, também aí heroicamente rechaçada a abordagem com grande perda do inimigo.

Quase simultaneamente o Sr. Brigadeiro João Manoel Menna Barreto, deu as suas acertadas providências, mandando estender em linha o 40° Corpo de Voluntários sobre a margem do rio, para, com os seus fogos e os da metralha dos canhões do Forte, auxiliar os vapores atacados e completar a destruição do inimigo, tendo sido prisioneiros quatro Tenentes, um Alferes e dezenove Soldados que escaparam dos navios e procuravam a fuga por terra, asseverando o mesmo senhor Brigadeiro que poucos seriam os que tiveram a sorte de se salvar.

A não se darem a morte do Capitão-Tenente Antônio Joaquim e o ferimento grave do Capitão-Tenente Etche­barne, seria a vitória mais completa que se poderia ambicionar, pois que, excetuando-se estes dois casos, apenas temos fora de combate dez praças feridas. O grande número de mortos, prisioneiros, muitas granadas de mão, foguetes à Congrève, matérias inflamáveis e asfixiantes, espadas, lanças, carabinas, revólveres, remos, croques e doze canoas, porque, das vinte, seis foram destruídas e apenas duas levadas pelo inimigo águas abaixo para o Timbó, são os troféus da vitória conquistados pela Esquadra, que tem sabido sustentar o posto de honra que tão dignamente ocupa.

Segue-se o louvor do Chefe ao Capitão-de-Fragata Silveira da Motta, ao Capitão-Tenente Etchebarne e ao 2° Tenente Simplício Gonçalves de Oliveira, que na luta assumiu a direção do “Rio Grande” por morte de Antônio Joaquim. Tudo isto pareceria fabuloso, se não fora verdadeiro!

O Marechal López mandou atacar dois encouraçados, enviando contra eles apenas 260 homens em 20 canoas, sujeitos, além disso, ao fogo de uma forte bateria situada na barranca de Taí e sustentado por cerca de 4.000 homens de infantaria, que por sua vez garantiam a segurança dos navios. Eis o general que os ignorantes inventaram! (PIMENTEL) (Continua...)

Bibliografia

 

PIMENTEL, Joaquim Silvério de Azevedo. Episódios Militares – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editor Tipografia a Vapor A. dos Santos, 1887.


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].



[1]    Vesânia: loucura. (Hiram Reis)

[2]    Marquês: então Marquês de Caxias, comandante-Chefe. (PIMENTEL)

[3]    Como se dispunha tão facilmente das vidas alheias! É este o caráter de todos os tiranos. (PIMENTEL)

[4]    Quarto: serviço. (Hiram Reis)

[5]    Foguetes à Congrève: foguetes incendiários. (Hiram Reis)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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