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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXXVII - O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte VIII


Terceira Margem – Parte DCCXXVII - O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte VIII - Gente de Opinião

Bagé, 12.04.2024

 

 

O Imbróglio chamado “Prince of Wales

 

Diário de Pernambuco, n° 13

Pernambuco – Sábado, 17.01.1863

Ministério dos Negócios Estrangeiros

Notas Trocadas Entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro Plenipotenciário de S.M.B.

Primeira

 

Petrópolis, 05.12.1862.

 

Sr. Marquês,

 

O governo de Sua Majestade deu-me ordem de dirigir a V. Exª a seguinte comunicação relativa aos nefastos acontecimentos que se seguiram ao naufrágio do navio inglês “Prince of Wales”.

 

Este naufrágio, que ocorreu provavelmente no dia 7 ou 8 de junho do ano próximo passado ([1]), chegou primeiro ao conhecimento do Cônsul de Sua Majestade no Rio Grande do Sul no dia 13 daquele mês, por intermédio do Sr. Bento Venâncio Soares, magistrado do Distrito de Albardão, que declarou que alguns corpos haviam sido lançados à praia na proximidade de sua residência, mas assegurou não ter notícia do naufrágio.

 

Ulteriores pesquisas, entretanto, induziram o cônsul de Sua Majestade a suspeitar que um navio britânico tinha naufragado, e em consequência disso partiu, no dia seguinte, para a Costa do Albardão com o juiz municipal e um pequeno número de guardas da alfândega, e chegaram à casa do Sr. Bento Soares, onde foram recebidos com evidente relutância por sua filha, na ausência de seu pai.

 

Na seguinte manhã, cedo, visitaram eles o lugar do naufrágio e acharam a praia juncada dos destroços do navio e de parte de sua carga, tais como barris, caixas de marinheiros etc.; alguns desses objetos tinham sido evidentemente despedaçados sobre a praia, porém outros haviam sido evidentemente abertos há pouco, e roubado o seu conteúdo. O envoltório de alguns volumes estavam complemente secos, como se tivessem sido trazidos a salvo para a praia em botes.

 

Verificou-se que tinham sido descobertos dez corpos, alguns dos quais muito longe da praia; não apareceu, porém, nem dinheiro, nem relógios. Os objetos, sem avaria, pertencentes ao carregamento do navio naufragado, foram encontrados na casa do Sr. Bento Soares.

 

Não tendo o subdelegado do distrito procedido a exame nos cadáveres, Mr. Vereker exigiu vê-los, o que foi energicamente recusado, de maneira muito suspeita, pelo Inspetor do Distrito; que fora encontrado na praia acompanhado de uma força armada. Então o Sr. Vereker voltou para o Rio Grande e solicitou auxílio para que fossem os dez cadáveres conduzidos para ali, a fim de serem examinados e sepultados. Foi-lhe o auxílio prestado, posto que nessa ocasião o Sr. Vereker fosse obrigado a fazer todas as despesas; porém só quatro cadáveres chegaram ao Rio Grande.

 

Subsequentemente fizeram-se no Rio Grande exames sobre os cadáveres, bem como sobre aqueles no Albardão, neste último lugar pelo subdelegado Gonçalves, hoje demitido, ajudado pelo cunhado do sr. Soares, o sr. Pereira de Sousa, que se diz ter capitaneado um bando de dilapidadores dos salvados.

 

Apenas um dos cadáveres foi desenterrado, os outros foram achados insepultos e em estado adiantado de putrefação. Em todos os exames se declarou efetivamente que eram cadáveres de pessoas – afogadas – apesar de haverem circunstâncias muito suspeitas, visto serem encontrados alguns deles despojados de suas roupas e longe do lugar onde chega a maré nas águas altas.

 

Depois de repetidas e enérgicas solicitações do Sr. Vereker para que se fizesse uma minuciosa pesquisa, ouviu ele dizer por fim, no dia 18 de setembro, que um homem tinha sido convicto de ter em seu poder objetos roubados dos salvados. O Presidente da Província declarou ao mesmo tempo em que os principais culpados haviam fugido, e fez ver a grande dificuldade de induzir os habitantes a fazer qualquer declaração sobre o caso. Mais tarde, em dezembro, as mesmas razões foram apresentadas como justificação do infrutífero resultado de uma ulterior pesquisa, e conquanto fosse admitido, desde o princípio, que os salvados haviam sido roubados, foi somente em agosto deste ano – quatorze meses depois de ter tido lugar o naufrágio, – que V. Exª informou que, em consequência de novos inquéritos, haviam sido demitidos dois empregados e acusados onze pessoas de roubo de salvados. Mas declara-se que o Sr. Bento Soares está livre de toda a acusação e não foi processado. O Governo de Sua Majestade julga impossível que Soares não tivesse conhecimento do que ocorrera: em verdade é forte a presunção de que ele participou do roubo.

 

V. Exª teve a bondade de dizer que o Governo Imperial se convencera de que pessoa alguma da tripulação do navio fora assassinada. O Governo de Sua Majestade não está de modo algum convencido disso. É forte a presunção de que as pessoas, cujos corpos se diz que foram enterrados, mas cujas sepulturas ninguém pode mostrar, foram assassinadas. Mas esta questão de assassinato é uma daquelas que poderia ter sido inteiramente liquidada por um exame imediato sobre todos os corpos das pessoas da tripulação, e por uma pronta e diligente investigação no lugar.

 

O Governo de Sua Majestade considera inteiramente inadmissível as alegações que V. Exª, no intuito de declinar a responsabilidade, exibiu a respeito de ser deserta e inóspita a costa, onde estes ultrajes foram praticados por súditos brasileiros sobre estrangeiros inermes, bem como não julga procedente a alegação das causas, porque depois de muitas delongas não pôde o Governo Imperial descobrir os culpados.

 

É chegada a época de reclamar o Governo de Sua Majestade uma indenização pela dilapidação dos salvados e dos corpos; e ele deve exigir esta indenização do Governo Brasileiro, como responsável das perdas ocasionadas pelo culpável procedimento das suas autoridades.

 

Em consequência recebi ordem para exigir do Governo Imperial uma indenização pelas perdas que sofreram os donos do “Prince of Wales”, e pelo roubo total dos salvados e dos objetos pertencentes à tripulação. O proprietário reclama:

 

Pelo carregamento e provisões: .......... £ 5.500.00.0

 

Pelo frete: ........................................ £ 1.025.19.0

 

Total ............................................... £ 6.525.19.0

 

O Governo de Sua Majestade não se responsabiliza pela exatidão da quantia reclamada, pertencendo ao dono produzir uma conta em devida forma do valor do carregamento e provisões.

 

Logo, porém, que o Governo Imperial admita o princípio, o Governo de Sua Majestade acha-se preparado para aceitar um arbitramento justo sobre a questão, pelo que diz respeito à importância da indenização que se terá de satisfazer, e deixará igualmente ao árbitro ou árbitros o determinarem a importância da que se deverá dar aos parentes das pessoas de bordo, cujos corpos foram despojados dos objetos que lhes pertenciam.

 

Em conclusão, recebi ordem para declarar que o Governo de Sua Majestade, tendo em atenção a demora e procrastinação extraordinária por parte das autoridades brasileiras neste grave negócio, deve insistir em que se trate sem perda de tempo deste arbitramento, e seja ele decidido com a brevidade possível.

 

Aproveito-me da oportunidade para renovar a V Exª as expressões de minha alta consideração.

 

A S. Exª o Marquês de Abrantes, Ministro dos Negócios Estrangeiros de S. M. o Imperador do Brasil.

 

W. D. Christie (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, N° 13)

 

 

Bibliografia

 

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, N° 13. Ministério dos Negócios Estrangeiros Notas Trocadas Entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro Plenipotenciário de S.M.B. – Brasil – Recife, PE – Diário de Pernambuco n° 13, 17.01.1863. 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: [email protected].

 



[1]   1861.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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