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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DC - Jornada Pantaneira - Mulheres Guerreiras – Parte III


Forte de Curupaití - Gente de Opinião
Forte de Curupaití

Bagé, 16.06.2023

Maria de Souza Florisbela

[...] com os lábios enegrecidos pela ação de morder o cartucho ([1]) [...] Essa mulher se tivesse nascido na França ou na Alemanha, talvez figurasse em estátua na melhor praça de suas grandes cidades, mas no Brasil, nem de leve se tomou consideração o ato de seu espontâneo e magnífico desprendimento e bravura. (PIMENTEL, 1887)


Florisbela do Paraguai

(Antonio Augusto Fagundes)

(À Memória de Florisbela Boca-Negra, uma Heroína Esquecida)

Florisbela ‒ boca negra de morder tantos cartuchos.

Espingarda e baioneta são agora os teus luxos.

Ninguém “cantou flor” mais bela no meio desses gaúchos!

“Su nombre, no era Floduarda, Ni tampouco Florentina,

Su nombre era Florisbela... y ahijuna! ([2])

Que Flor de china!".

Um clarim toca “a degüello” ([3]) cacarejando um alarde.

Florisbela troca as saias pelas armas de um covarde.

Nos olhos de Florisbela há um fogo verde que arde

‒ O céu de Curupaití tem estrelas nessa tarde!

Florisbela perde o irmão. Florisbela perde o pai.

Florisbela fecha os olhos do quarto amante que cai.

Recebe três ferimentos de uma lança de nhanduvai ([4])

Mas segue sempre adiante, só o sangue é que se esvai

Misturando-se no barro dos chacos do Paraguai.

Os heróis que regressaram honrando nossa bandeira Ganharam tanta medalha, que esqueceram a parceira.

Esqueceram Florisbela do outro lado da fronteira,

A Florisbela-soldado, a mulher, a companheira,

Que no calor do combate sempre queimou de primeira,

A primeira nos ataques para pular a trincheira,

Que foi bruxa no entrevero e na cama feiticeira!

(FAGUNDES, 1981)

Jogando Truco

(Jayme Caetano Braun)

[...] "Su nombre, no era Floduarda,

Ni tampouco Florentina,

Su nombre era Florisbela

E ahijuna! Que FLOR de china!" [...]

O Gen Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel, no seu livro “Episódios Militares (1887)” conta-nos:

Vamos falar de uma heroína.

Quem no exército não conheceu a intrépida soldada que no 29° Corpo de Voluntários da Pátria armava-se com a carabina do primeiro homem que era ferido, e entrava em seu lugar na fileira, sustentando o com­bate até o fim da luta, largando então a arma agres­siva, para tomar as da caridade, e dirigir-se aos hospitais de sangue? Quem não se recorda dos atos de heroísmo dessa dedicada mulher que, devendo fugir a uma morte certa, ao contrário, chegou certo dia a dizer a um homem que ‒ tomasse suas saias e lhe entregasse as armas ‒ e isto no mais encar­niçado do ataque malogrado de Curupaití, a 22 de setembro de 1866?

E, no entanto... quem hoje fala em Florisbela, igno­rada, desconhecida, quando merecia uma epopeia? Sempre nos hospitais de sangue marcava seu lugar à cabeceira dos doentes. Ela adotou o uniforme de “vivandeira militar”; único, com que a vimos durante todo o nosso tirocínio de cinco anos de guerra. E... com mágoa o diremos: outras passaram por heroí­nas, cantadas em romances e poesias variadas. E ela... nem numa simples menção viu figurar seu nome!

Todo o 2° Corpo de Exército, às ordens do Conde de Porto Alegre, viu-a, admirou-a, invejou-a. A Pátria esqueceu-a. Florisbela tinha a desventura de ser uma transviada ([5]), sem nome, nem família; mas se alguma mereceu o nome de heroína, ela deveria de figurar também no 1° plano ‒ “cum laude” ([6]).

Era o valor, a temeridade, o heroísmo personificado, a abnegação, a virtude marcial, a imagem da Pátria em suma, desgrenhada no calor da luta!

Quanto desalento não confundiu, quanta bravura não inspirou! Disse um filósofo:

  Tirai da sociedade a mulher, e aquela será um vácuo!

Florisbela ali representava o amor da Pátria. Vê-la com os lábios enegrecidos pela ação de morder o cartucho, era o mesmo que ter diante de si o anjo da vitória. Ela entusiasmava-nos! A essa heroína do Paraguai também cabe a honra de figurar na história.

D. Ana Neri, em cenário diferente, exercia a nobre missão de seu sexo. Era a caridade e a paz. Era a viúva honrada que espargia pelos necessitados tudo quanto a bondade de um coração maternal é capaz de fazer por um filho. Muitas vidas salvou com seus desvelos e carinhos. Estava envelhecida no serviço da Pátria.

A Pátria, porém, cobriu-a com o manto de sua gratidão. Pagou a dívida, e ela, sem nada exigir, sempre heroica, manteve-se na altura de seu caráter. Sempre bondosa e digna, como brasileira ilustre que era.

Não tinha a virtude de Ana Neri, é verdade, nem os recursos de sua valente educação; mas sobrava-lhe o valor varonil, e disputou-o, braço a braço, com os inimigos da Pátria, a cuja glória fê-los sucumbir, sempre que se mediram com ela! Como a Madalena da Bíblia, merecia achar um Cristo que penhorado por tamanha dedicação a amasse e venerasse!

Coube a honra e a glória de ver nascer tão grande filha à heroica Província do Rio Grande do Sul. O País inteiro há de dizer, com as vozes do coração:

  O Brasil vos admira e se orgulha de ter-vos por sua muito devotada filha!

Rubens Mário Jobim, no seu livro “Sargento Fortuna e Outros Contos” romanceia:

Florisbela traz os lábios enegrecidos de tanto morder o cartucho. Com seu porte, febrilmente guia os sol­dados. É olhada como heroína. Todos lhe ignoravam o passado. Junto, um companheiro começou a fra­quejar. Ela lhe estende a mão, num gesto animador:

  Vamos, Tonico! A pátria muito espera de ti. [...] (JOBIM, 1950)

Segundo a “Nação Armada: Revista Civil-Militar Consagrada à Segurança Nacional”, n° 36, de 1942:

Maria de Souza Florisbela foi uma gaúcha, mulher do povo ([7]), que acompanhou os batalhões brasileiros, nessa guerra. Se caía um soldado, tomava-lhe a arma e entrava em combate. De uma vez chegou a dizer a um homem que tomasse suas saias e lhe entregasse a espada. Máscula na guerra, era, entre­tanto, de grande delicadeza no trato dos feridos e doentes. (PIMENTEL, 1887)

Rosa Maria Paulina da Fonseca - Gente de Opinião
Rosa Maria Paulina da Fonseca

Rosa Maria Paulina da Fonseca

Prefiro não ver mais meus filhos! Que fiquem antes todos sepultados no Paraguai, com a morte gloriosa no campo de batalha, do que enlameados por uma paz vergonhosa para a nossa Pátria!

O Noticiário do Exército publicou em 17.09.2019:

Dia da Família Militar – 18 de Setembro

A Portaria do Comandante do Exército n° 650, de 10.06.2016, aprovou a entronização de D. Rosa Maria Paulina da Fonseca [1802 a 1873] como Patrona da Família Militar e estabeleceu o dia 18 de setembro, seu nascimento, como o Dia da Família Militar, consagrando e incentivando o sentimento de família no seio da Força.

Diante dos desafios de uma época na qual valores se perdem, referências faltam e princípios e convicções são relativizados, a instituição de D. Rosa da Fonseca como a Patrona da Família Militar foi muito oportuna, pois resgata os exemplos de união familiar, de patriotismo e de devoção ao Brasil, bem como enaltece a história de devoção familiar dos Fonseca, destacando o sacrifício supremo dos três irmãos pela Pátria, o sucesso profissional dos demais militares e a abnegação dos familiares, em especial da matriarca.

A nossa Patrona da Família Militar nasceu em 18.09.1802, na antiga capital de Alagoas, atual município de Marechal Deodoro, e casou-se no ano de 1824 com Manuel Mendes da Fonseca, militar do Exército, dando início à formação de uma das mais importantes linhagens militares do Brasil. Dessa união nasceram dez filhos: oito homens e duas mu­lheres.

Dos filhos homens, sete deles se devotaram ao serviço da Pátria, incorporando às fileiras do Exér­cito.

Durante a Guerra da Tríplice Aliança, conflito que se estendeu de maio de 1865 a março de 1870, por decisão conjunta dos irmãos Fonseca, uma vez que o patriarca da família, então Tenente-coronel, havia falecido no ano de 1859, apenas um de seus filhos militares permaneceu no seio familiar com a finalidade de garantir a segurança da matriarca e das outras mulheres e crianças da família. Seis dos irmãos militares seguiram para as frentes de batalha.

Fruto da educação recebida, faz-se necessário assinalar alguns aspectos da vida de seus filhos:

– o mais jovem, o Alferes do 34° Batalhão dos Voluntários da Pátria Afonso Aurélio da Fonseca morreu heroicamente em Curuzú;

– o Capitão de Infantaria Hipólito Mendes da Fonseca foi morto na Batalha de Curupaití;

– o Major de Infantaria Eduardo Emiliano da Fonseca foi ferido mortalmente no combate da ponte de Itororó;

– o General de Brigada João Severiano da Fonseca foi médico, professor, escritor, historiador e, como militar, participou da campanha do Paraguai, sendo o primeiro médico a ascender ao generalato e, hoje, figura como Patrono do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro;

– o Marechal Severiano Martins da Fonseca recebeu o título nobiliárquico de Barão de Alagoas e foi Diretor da Escola Militar de Porto Alegre; e

– o Marechal de Exército Manuel Deodoro da Fonseca foi o Proclamador da República e o primeiro Presidente do Brasil. Era o valor em pessoa, a coragem, a decisão e a firmeza.

A par disso, ainda, o primogênito, Hermes Ernesto da Fonseca, foi pai de outro importante ícone da família, o Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, oitavo Presidente da República do Brasil.

Os grandes feitos realizados pelos seus filhos e neto sem dúvida foram frutos do esforço de D. Rosa da Fonseca a serviço da Pátria e da educação recebida com ênfase nas virtudes morais e intelectuais, tão necessárias aos que se sacrificam por ideais de liberdade e de bem comum.

O Exército Brasileiro, cujas bases se firmam solidamente em pressupostos de ética, honra e caráter, ao lado da hierarquia, da disciplina e da camaradagem, entende que uma concreta base familiar é condição “sine qua non” na consolidação de traços positivos de comportamento.

Desta forma, a presença indireta dessa valorosa mulher nos campos de batalha da Guerra do Paraguai foi percebida na atuação heroica de seus filhos em combate.

Consta dos relatos históricos que, nas comemorações da vitória de Itororó, D. Rosa recebeu o boletim com a notícia da morte do filho caçula (Afonso Aurélio) e dos graves ferimentos de Manuel Deodoro, mas nem por isso deixou de homenagear as tropas, estampan­do a Bandeira Nacional em uma das janelas de sua casa. E quando pessoas amigas chegaram para dar-lhe os pêsames, D. Rosa teria afirmado:

– Sei o que houve, talvez até Deodoro mesmo esteja morto. Mas hoje é dia de gala pela vitória; amanhã chorarei a morte deles.

Sua firmeza, equilíbrio e força foram mais uma vez evidenciados quando, em um dos momentos de tristeza e angústia pela vida dos seus filhos, recebeu a visita de um representante da Corte em nome do Imperador para apresentar-lhe os pêsames, e com muita calma e impassividade disse ao mesmo:

– A vitória que a pátria alcançava, e que todos tinham ido defender, valia muito mais que a vida de seus filhos.

Após esse verdadeiro ato de altruísmo, o referido oficial curvou-se ante aquele caráter forte e diaman­tino e, visivelmente comovido, beijou a mão daquela admirável dama, que lhe parecia a encarnação da própria Pátria. [...]

Verdadeiro modelo de desprendimento, amor, cari­dade, renúncia e, principalmente, resignação pela maneira como se portou nos momentos difíceis da vida.

Será sempre um exemplo de mãe, símbolo maior da família, que todos nós emulamos e que indica os valores norteadores da ética para a família militar do Exército Brasileiro.

Ao instituir o dia 18 de setembro, data natalícia de D. Rosa da Fonseca, a matriarca exemplar, como o Dia da Família Militar, o Exército Brasileiro presta a devida homenagem à família na figura dessa res­peitada e admirada esposa e mãe de militares, reco­nhecendo a importância do espírito de sacrifício e de luta, que possibilita aos integrantes da Força Terres­tre alcançarem o sucesso pessoal e profissional, com o sentimento de dever cumprido, seja qual for a missão.
(https://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-exercito/...)

Os Sete Macabeus (Antonio Ciseri, 1863) - Gente de Opinião
Os Sete Macabeus (Antonio Ciseri, 1863)

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