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Hiram Reis e Silva

Demarcadores, Heróis Olvidados – Parte III


Demarcadores, Heróis Olvidados – Parte III - Gente de Opinião

Bagé, RS, 06.03.2020

 

 

O Cruzeiro, n° 10

Rio de Janeiro, RJ – 16.12.1961

 

Brasil Cresce na fronteira

 

 

Graças ao perfil e orientação do talvegue do Rio Oiapoque, resultante dos condições do leito do seu formador ocidental, rio Kiriniutu, uma área de 400 km2 foi incorporado ao nosso território.

 

Pretendia a França que a fronteira brasileira com a sua Guiana corresse desde o Cabo Orange pelo Oiapoque e continuasse pelo rio Uaissipein [formador Oriental], seguindo pela serra Tumucumaque até o marco de divisa com a Guiana Holandesa.

 

Aceitaram, porém, os seus geógrafos, os estudos e pesquisas dos demarcadores de fronteira do Itamarati, os quais provaram ser o Kiriniutu o Rio de primazia e o Uaissipein o ramal secundário.

 

Há dias regressaram daquelas lonjuras setentrionais os homens da CBDL- 1ª Divisão, chefiados pelo Gen Bandeira Coelho. Plantaram eles, na serrania de Tumucumaque, os marcos da soberania brasileira. Sem agressão e sem geofagia o Brasil cresce. Se qualquer mapa da América do Sul estiver à sua mão neste momento, ponha-o diante dos olhos e observe bem o contorno físico do Brasil. Assinale os seus pontos extremos de limites: o mais Oriental, debruçado no Atlântico, fica na Ponta do Seixas, no Cabo Branco, litoral da Paraíba, à Longitude de 34°47’38”; o Ocidental situa-se no divisor das águas dos Rios Ucayali e Juruá, representado pela serra de Contamana, sobre a linha divisória com o Peru, na definida coordenada geográfica de 73°59’32” de Longitude; o extremo limite Meridional está lá embaixo, na “curva do Sul” ([1]) do Arroio Chuí, à Latitude sul de 33°45”10”; e o mais longínquo ponto Setentrional repousa na cumeada da serra Caburaí, fronteira com a Guiana Inglesa, Latitude Norte de 05°16’19”.

 

Veja, agora, as linhas que ligam esses pontos extremos e completam o nosso contorno territorial: tem-se a impressão de que todas as fronteiras estão definitivamente marcadas e que o Brasil não tem problemas de limites. Pois tem, e muitos, politicamente complicados até. Uma parte complicada, aliás, foi vencida no dia 30 de outubro último, quando a Comissão Mista de Limites Brasil-Bolívia encerrou, no Território do Acre, o programa de demarcação fixado na XV Conferência de Limites [22.07.1961], e o Major Salval Pinheiro, pelo Brasil, e o Cel Rafael Sainz Céspedes, pela Bolívia, assinaram a planta dos trabalhos realizados desde a Foz do Igarapé Bahia, no Rio Acre, até Porto Real, no rio Chipamano, formador do Abunã, por onde corre a fronteira fluvial.

 

Desde 1928, em decorrência do Tratado de Natal, Brasil e Bolívia comprometeram-se a demarcar aquele trecho, só há pouco executado. Com uma fronteira de cerca de 3 mil quilômetros com a Bolívia, o Brasil falta completar todo o limite fluvial e mais o limite seco do setor Quatro Irmãos ‒ Rio Verde. O assunto, porém, é complexo. Somente com a solução do “caso Roboré”, que implica, também, em limites, a Comissão Brasileira Demarcadora de Limites ‒ 2ª Divisão poderá realizar campanhas naquelas inóspitas regiões de Noroeste.

 

FRONTEIRAS DEMARCADAS

 

Como assunto encerrado de limites temos as Guianas, Colômbia, Peru, Argentina e Uruguai. Podemos considerar, também, como demarcada a nossa fronteira com o Paraguai, pois com este pais só falta a colocação de marcos no trecho que vai da serra do Maracaju à cachoeira de Sete Quedas, numa pequena extensão de 20 km, e ainda o levantamento hidrográfico e a distribuição das Ilhas do Rio Paraguai, no trecho entre a Foz do Rio Apa e o desaguadouro da Baía Negra. A Comissão Mista de Limites Brasil-Paraguai tratou do problema na semana passada, no Itamarati, tendo o Embaixador Guimarães Rosa, chefe da Divisão de Fronteiras, conduzido a questão com sabedoria e habilidade diplomática.

 

BANDEIRANTES SEM GLÓRIA

 

É na extensa fronteira com a Venezuela que os demarcadores brasileiros revelam-se autênticos bandeirantes, mas sem glórias e anônimos. Ano a ano, porém, marcos são plantados nas brutas cumeadas das serras que separam as bacias do Amazonas e do Orenoco, desde o Meridiano de 61° à pedra de Cucuí, na Longitude de 67°O de Greenwich, por cima de Pacaraima, Parima e Tapirapecó.

 

Cada campanha exige, dos homens da CBDL ‒ 1ª Divisão, arrojo, audácia e extrema temeridade, pois só tem eles duas vias de acesso à fronteira ‒ Rio e selva; quase sempre Rio nunca antes navegado e sempre mato fechado e úmido, habitat de silvícolas hostis. Muitos acampamentos já foram destroçados por indígenas e muitas vidas perderam-se entre cipós atingidas por flechas. Nada, contudo, impede o trabalho de demarcação; nada, nem selvagens, nem penhascos íngremes, nem medonhas cachoeiras que atemorizariam qualquer sujeito de bom senso. Pois não obstante as vicissitudes, o Gen Bandeira Coelho leva a sua tropa aos confins em canoas, ubás, jangadas, e a pé, selva adentro, com jamachi às costas. Dos 1.838 km de fronteira com a Venezuela, os demarcadores já conseguiram demarcar mais de mil.

 

No ano passado ‒ a cuja campanha nos incorporamos ‒ a penetração fez-se pelos Rios Negro, Padauiri e Marari por onde, pelo Igarapé Madona, se alcançaram os sopés da cordilheira Tapirapecó. Lá em cima, vencendo despenhadeiros, muitas posições astronômicas foram tomadas para a demarcação dos limites. Dentro em breve outra campanha será empreendida naquela região, no rumo de Oeste, visando a caracterização da linha até Cucuí.

 

E depois de completado todo esse trecho de mais de 200 km, restará a desafiante e incógnita cordilheira Parima, secular objeto de sonho de aventureiros do fantástico “El Dorado”.

 

Sabem os demarcadores que fatalmente encontrarão nos seus roteiros os ferozes índios Waiká, senhores da imensa região dos Rios Urariquera, Mucajaí, Catrimani e Demeni, e que o acesso aos topos da Parima será uma sequência de provas de sobrevivência. Mas nenhum deles se recusará à luta; ao contrário, naseiam pelos 600 km de desafio.

 

HISTÓRIA DAS FRONTEIRAS

 

Começa muito antes de Cabral fundear caravelas em Porto Seguro. Remonta às últimas décadas do século XV, e seus primeiros delineamentos tiveram traços mais acentuados, em 1749, quando Portugal e Espanha celebraram, em Alcaçovas, o Tratado de Descobrimentos e Explorações de Terras ao Ocidente.

 

Depois, o Meridiano de Tordesilhas fixou aos portugueses uma faixa de terra litorânea, do Maranhão à foz do Rio da Prata. Desde então, a terra brasileira cresceu para o Norte e para Oeste, ganhando imensas áreas com os Tratados de Madrid e de Santo Ildefonso.

 

E ganhou mais nos Tratados, convenções e laudos arbitrais em que tomaram parte a França, Inglaterra, Colômbia, Peru, Bolívia, Argentina e Paraguai. No capítulo das demarcações, a história ganha dimensões de epopeia e coloridos épicos. E até que todo o nosso contorno físico seja demarcado, muitas penas e sacrifícios sofrerão esses arrolados herdeiros do bandeirantismo. (O CRUZEIRO, N° 10)

 

Bibliografia:

 

O CRUZEIRO, N° 10. Brasil Cresce na Fronteira – Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ O Cruzeiro, n° 10, 16.12.1961.

 

 

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].

 



[1]    Curva da Baleia.

Demarcadores, Heróis Olvidados – Parte III - Gente de Opinião

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