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Hiram Reis e Silva

Ajuricaba, Herói ou Traidor? – Parte III


Ajuricaba, Herói ou Traidor? – Parte III - Gente de Opinião

Bagé, 17.06.2020

 

O Lendário Ajuricaba

 

O Governador Maia da Gama e o Ouvidor e Intendente-Geral Ribeiro de Sampaio fazem interes­santes relatos desde o cerco à Aldeia de Ajuricaba, Azabary, até o seu martírio:

 

Tinha sido resolvido que primeiramente eles [os soldados] procurariam o bárbaro e infiel Ajuricaba. Nossa gente o localizou em sua Aldeia, mas ele organizou a defesa antes de se completar o cerco. Depois de tiros de uma peça de artilharia que nossos homens para ali tinham levado, ele decidiu abandonar a Aldeia e escapar seguido de alguns outros chefes [...]. Nossos homens o perseguiram e o procuraram nos dias que se seguiram pelas aldeias de seus aliados. O bárbaro e infiel Ajuricaba e mais seis ou sete chefes menores, seus aliados, foram trazidos junto com ele. Quarenta desses serão tomados em pagamento pelas despesas feitas por Vossa Majestade, nesta guerra e trinta para o fundo da taxa real. [...] Quando estava vindo, como prisioneiro, para a cidade de Belém e ainda estava navegando no Rio, ele e outros homens levantaram-se na canoa que estavam sendo conduzidos agrilhoados e tentaram matar os soldados. Estes sacaram de suas armas e feriram alguns deles e mataram outros. Então, Ajuricaba saltou da canoa para a água com um Chefe e jamais apareceu vivo ou morto. Deixando de lado o sentimento pela perdição de sua alma, ele nos fez uma grande gentileza libertando-nos dos temores de sermos obrigados a guardá-lo. (João da Maia da Gama)

 

CCCLXXIV. [...] Concluíram estes dois cabos a mais afortunada guerra, aprisionaram o Ajuricaba com mais de dois mil índios, e sendo remetido o mesmo Ajuricaba para o Pará, teve a intrepidez de causar na canoa uma sublevação unido e conjurado com os mais prisioneiros que nela iam, de sorte que, ainda assim preso mostrou tal ânimo, e esforço, que foi necessário grande fortuna, para se apaziguar o motim: porém o Ajuricaba vendo impossibilitados os meios de se ver livre da prisão, e obrigado a ceder à sua inevitabilidade com incrível resolução e ânimo se lança com os mesmos ferros, que levava ao Rio, aonde achou na sua opinião morte mais heroica, do que a que alcançaria no patíbulo, que o esperava! (SAMPAIO)

 

Relatos Controvertidos

 

A extensa região da Guiana, além dos lavrados de Roraima, foi ocupada em princípios do século XVII, por exploradores holandeses que fundaram a Colônia de Suriname, que compreendia a República Cooperativa da Guiana e o Suriname de hoje. Os holandeses foram marcando seus domínios na esperança, quem sabe, futuramente, de estendê-los à Amazônia onde, prepa­rando a futura posse, iniciaram a construção de Fortins e Postos Comerciais na Foz do Xingu e do Tapajós. Os holandeses mantinham um contato amistoso com todos os nativos procurando ganhar sua confiança.

 

Bernardo Pereira Berredo conta nos seus “Annaes Históricos” que, em perseguição a um comboio flamengo, tomou conhecimento de que os holandeses forneciam armas aos gentios quando os perseguia nas cabeceiras do Rio Branco.

 

O grande historiador Arthur Cezar Ferreira Reis faz uma contundente defesa de Ajuricaba no seu livro “História do Amazonas”.

 

Ouvido no caso, o Conselho Ultramarino decidiu, a 08.07.1719, que a ideia fosse aceita e o pedido de artilharia atendido. Menos de um ano decorrido, D. João V determinava a Berredo precisasse melhor a espécie de negócio dos holandeses, ordenasse ao Comandante do Fortim toda a severidade contra eles e mandasse traçar, por gente competente, o mapa dos Rios onde penetravam. Era, consequentemente, uma verdade essa aproximação, segundo a palavra dos portugueses.

 

Documentos holandeses – dados a público por Joaquim Nabuco, entre eles o relatório de 15.06.1724, dirigido à diretoria central da Companhia Holandesa das índias Ocidentais, que explorava o Suriname – explicam o assunto fazendo luz sobre o que eram essas relações. Os Manaus, denominados Maganonts pelos holandeses, eram aliados dos Badon, cujo Chefe, de nome Arune, se dava ao comércio com os “posthouder” da margem do Corenti. De Badon, os Manaus, em troca de escravos, feitos nos povoados aportuguesados, obtinham as mercadorias holandesas, as tais armas. As relações, com a gente do Suriname, por conseguinte, não existiam. Ajuricaba, diante de tais provas não manteve, absolutamente não manteve aliança com os holandeses. Mas há provas que elucidam mais, convencem definitivamente. Pelos documentos holandeses a que nos referimos, sabe-se que os Manaus eram inimigos figadais dos Caraíbas, aliados da gente de Suriname. Em 1725, os Manaus atacaram-nos violentamente conseguindo vencê-los.

 

A corte de Essequibo, em agosto de 1724, deliberou que fosse morto todo Maganont encontrado em terras da colônia. E em seis de setembro, resolvia premiar mais com dois machados os que provassem ter cumprido aquela deliberação, pagando em escravos pelos aprisio­nados. Todas essas providências, levadas à ciência da diretoria da Companhia, em janeiro do ano seguinte, tinham sido aprovadas. Ajuricaba, que chefiava os Manaus, contra os quais se tomavam em Suriname tamanhas medidas de hostilidades, foi aliado dos holandeses?

 

A acusação, percebe-se, foi arranjada para que em Portugal houvesse fácil aprovação à guerra, pretendida, quase que exigida pelos sertanistas e comerciantes, impedidos de lucros avultados enquanto os Manaus estivessem em armas.

 

Escreveu Joaquim Nabuco:

 

Ajuricaba é um nome inteiramente desconhecido dos holandeses, seus pretensos aliados. O voto do Padre da Companhia de Jesus, Reitor do Colégio, contra a guerra é a melhor prova de que não havia realidade nessa ideia de aliança com os holandeses. A acusação era a melhor que os sequiosos traficantes podiam empregar para obterem autorização régia para as suas guerras de escravização; por isso a levantaram. (REIS, 1989)

 

Embora os holandeses pudessem não ter contato direto com o Chefe dos Manao, a verdade é que todos os indícios apontam para um intenso comércio mantido direta ou indiretamente com os mesmos, seja através de subordinados de Ajuricaba ou através de seus alia­dos os Badon.

 

Bibliografia:

 

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas ‒ Brasil ‒ Belém, PA ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1989.

 

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro Sampaio. Diário de Uma Viagem Que Em Visita, e Correição das Povoações da Capitania de S. José do Rio Negro Fez o Ouvidor, e Intendente Geral da Mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, no Ano de 1774 e 1775 ‒ Portugal ‒ Lisboa ‒ Tipografia da Academia, 1825.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·    E-mail: [email protected].

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