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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CXCVII - Navegando o Tapajós ‒ Parte XI - Os Tapajó I


Ana Curtenius Rooselvet - Gente de Opinião
Ana Curtenius Rooselvet

Bagé, 19.04.2021

 

Navegando o Tapajós ‒ Parte XI

 

Os Tapajó I

 

De qualquer forma, o que se descobriu até agora é extremamente importante. Não só para a história do Brasil, como para a história da humanidade: estamos entendendo que o homem não é tão limitado como se pensa. (Arqueóloga Christiane Lopes Machado)

 

Paleoíndios

 

Os sítios arqueológicos de Monte Alegre foram visitados por diversos pesquisadores. Dentre eles ressaltamos Charles Frederick Hartt que realizou, em 1871, estudos sobre as inscrições rupestres da “Serra da Lua” e Alfred Russel Wallace, em 1889, que publicou um trabalho descrevendo as Serras e Grutas da região, no qual faz referência às inscrições rupestres.

 

Recentemente, a arqueóloga norte-americana Dr. Anna Curtenius Roosevelt, bisneta do Presidente norte-americano Theodore Roosevelt, professora da Universidade de Illinois e curadora do Museu Field de Chicago, visitando as instalações do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, ficou impressionada com a qualidade e a beleza da Cerâmica Santarena. Roosevelt realizou pesquisas no Município de Monte Alegre, no Pará, e suas escavações revelaram, nas camadas mais profundas da Caverna da Pedra Pintada, ossos, dentes, pontas de flecha, fragmentos de Cerâmica, restos de cuias e vasos, pigmentos e pinturas rupestres.

 

Para se chegar ao local, partindo de Monte Alegre, é necessário percorrer cinquenta quilômetros de trilhas no interior da selva até a cordilheira do Ererê, onde fica a Serra da Lua; lá se encontraram pinturas rupestres representando o Sol, a Lua e, provavelmente, outras figuras do cosmos.

 

Logo mais adiante, na Serra Paytuma, Roosevelt pesquisou, de 1990 a 1992, a Caverna do Pilão (ou Caverna da Pedra Pintada) e, segundo ela, existem vestígios suficientes para afirmar que grupos humanos habitaram a Caverna no período compreendido entre 11.200 a.C. e 9.800 a.C.

 

No final da Era do Gelo, quando a temperatura começou a elevar-se, as cavernas deixaram de ser a opção ideal de moradia e os paleoíndios foram obrigados a abandoná-la e partir para os cerrados do Planalto Central buscando novas alternativas de sobrevivência.

 

A floresta, na Amazônia, por sua vez, foi, lentamente, se tornando mais densa, e para lá retornaram estes grupos, cerca de 2.000 anos depois, para viver às margens dos Rios. Essas migrações, certamente, não foram pontuais e se processaram em toda extensão da Amazônia.

 

Tupuiu ou Tupaiu

 

O escritor e pesquisador Felisberto Sussuarana comenta que a principal Aldeia dessa tribo era a “Tupuiu”, também era chamada por alguns cronistas de “Tupaiu” que, embora parônimas no idioma português, na linguagem indígena, tinham significados bastante distintos:

 

O vocábulo “tupuiú” é composto do termo “ypy” que significa “primeiro, princípio, começo, fundamento, cabeça de povoação, principal” e do substantivo, simplificado do verbo, “”, que significa “estada”. Mas “morada, pousada, morar” quando prefixado com “t” do caso absoluto, que, na unidade semântica de “ypyyú”, significa “povoar em primeiro lugar”, absolutiza a forma “typyyu”, morada dos primeiros povoadores. (SUSSUARANA)

 

E continua,

 

A “tupuiú” era uma Aldeia ampla, com cerca de 500 famílias. Observava a forma tupi do aldeamento, com ocas ou casas em torno duma “ocaraçu”, largo rossio ([1]), que era a muiraciçaua ocara. Suas casas eram retangulares, com paredes de madeira lavrada, justaposta uma peça à outra, internamente forradas com mantas de algodão de cores vivas e cobertas com palha de pindoba, tendo duas compridas águas e duas curtas quase a pique sobre as que seriam empenas ([2]). (SUSSUARANA)

 

Tupuiu” se referia, portanto, à Aldeia ou povoação e o termo “tupaiu” designava a enseada de águas escuras e límpidas de Santarém.

 

Relatos Pretéritos

 

A região do Rio Tapajós foi, sem dúvida, um dos berços mais importantes destas ondas migratórias que retornaram dos cerrados em busca da fartura que a selva luxuriante propiciava.

 

Encontramos inúmeros relatos a respeito dos Tapajó que se iniciaram a partir do século XVI (1542) e que, depois de dois séculos, foram diminuindo, quase desaparecendo juntamente com os Tapajó que se tornaram uma tribo extinta. Podemos apresentar diversos fatores que concorreram para isso; como a morte provocada pelas “novas” doenças trazidas pelos europeus, a ação das tropas de “resgate”. Estas operações militares provocaram um grande êxodo, intermitente, para locais distintos e de difícil acesso, onde seu valor numérico já não era mais predominante. Gradualmente, isto gerou um colapso cultural provocada pela associação com outras etnias. O outro elemento que provocou a decadência dos Tapajó foi a grande miscigenação provocada pelos aldeamentos ([3]) em que diversas etnias conviviam entre si e com os brancos, gerando uma grande confusão de elementos culturais indígenas, além da imposição dos valores europeus que alteraram, significativamente, sua organização social.

 

Frei Gaspar de Carvajal (1542)

 

A primeira referência sobre os indígenas que povoaram a Foz do Tapajós foi feita pelo Frei Gaspar de Carvajal, em julho de 1542, no seu “Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana”, onde relata:

 

Navegamos rapidamente, desviando-nos dos lugares povoados e uma tarde fomos dormir em uma floresta de carvalhos localizada na boca de um Rio que entrava pela mão direita no de nossa navegação, com uma légua de largura. (CARVAJAL)

 

Ali permaneceram um dia e meio aproveitando para descansar e colocar proteções laterais nos barcos. Carvajal narra que, nas proximidades deste Rio, foram atacados pelos Índios:

 

No final das contas, escapamos quase sem problemas, ainda que tenha sido morto outro companheiro nosso chamado Garcia Soria, natural de Logronho. Na verdade não lhe entrou a flecha meio dedo, mas como estava já com peçonha, não suportou nem vinte e quatro horas e rendeu a alma ao Nosso Senhor. (CARVAJAL)

 

Carvajal não nomina os Índios e nem o Rio, porém, uma análise do percurso sugere que se tratava realmente do Rio Tapajós. Vários pesquisadores concordam com esta tese.

 

A pesquisadora norte-americana Helen Constance Palmatary, que iniciou os estudos descritivos de coleções arqueológicas da Amazônia, em 1939, afirmou que:

 

O fato de o Rio Tapajós entrar no Amazonas pelo lado direito; o fato de o fluxo de água no cruzamento dos Rios levar em direção ao Tapajós, os vestígios da área sugerem que a região era densamente povoada como de fato os portugueses a encontraram anos mais tarde; e o fato de os grupos indígenas do Rio Tapajós e os do lado oposto do Rio Amazonas usarem flechas envenenadas. (PALMATARY)

 

Frei Alonso de Rojas e Laureano (1637)

 

Em 1637, chegaram, à Vila de Nossa Senhora de Belém, seis soldados e dois leigos franciscanos embarcados em uma frágil canoa. Os franciscanos Andrés de Toledo e Domingos de Brieva haviam fugido da Missão sediada às margens do Rio Napo, dirigida pelo Frei Laureano de la Cruz. Os Índios haviam se rebelado e, enquanto um grupo chefiado pelo Frei Laureano fugia para Quito, os Freis Andrés de Toledo e Domingos de Brieva preferiram, juntamente com seis soldados, descer o Rio até Belém. Um destes soldados, o português Francisco Fernandes, já havia residido no Pará e conhecia relativamente bem a área. A viagem não foi documentada, na época, mas sua história gerou uma crônica cuja autoria foi atribuída ao Frei jesuíta Alonso de Rojas que, em Quito, teve acesso às informações sobre a Expedição, e escreveu, em 1639, a crônica:

 

Relación del Descubrimiento del Río de las Amazonas y sus dilatadas Provincias y ..., hoy San Francisco de Quito, y declaración del mapa onde está pintado ... [1640].

 

Nela Rojas afirma que os religiosos e soldados foram bem recebidos, abrigados e alimentados:

 

Esses mesmos soldados e os dois religiosos, quando desceram o Rio, chegaram a umas mui dilatadas províncias cujos habitantes são chamados pelos portugueses Extrapajozes. Estes agasalharam os religiosos e os soldados e, por sinais lhes disseram que fossem com eles por um Rio acima, em cuja margem encontraram uma grande Aldeia [...] Meteram-nos em uma casa muito grande, com madeiras lavradas, forradas de mantas de algodão, entretecidas de fios de diversas cores, onde puseram uma rede para cada qual dos seus hóspedes, feita de folhas de palmeira e bordada de diversas cores, e lhes deram para comer: caça, aves e peixes. Nessa Aldeia, viram os soldados caveiras de homens, arcabuzes, pistolas e camisas de pano.

 

Disto deram depois a notícia aos portugueses e lhes disseram que aqueles Índios tinham morto alguns holandeses que chegaram até aquelas províncias sendo deles as caveiras e as armas. (ACUÑA & CARVAJAL & ROJAS)

 

Frei Laureano de La Cruz, por sua vez, escreveu sobre a mesma Expedição um relato que chamou de “Nuevo descubrimiento del Río de Marañón, llamado de las Amazonas, hecho por la Religión de San Francisco, año de 1651”. Laureano afirma que, ao chegar à Província dos “Trapajosos”, os expedicionários tiveram suas roupas, víveres e demais pertences roubados.

 

Prosseguindo a viagem, logo adiante fugiram os dois Índios, mas continuaram, apesar disso, em busca do seu descobrimento. Já tinham caminhado os servos de Deus 200 léguas, sem encontrar gente, por estarem os povoados ali afastados do Rio, quando chegaram à Província dos Omáguas, onde foram providos de mantimentos, de que iam muito necessitados [...]

 

Foram continuando a viagem reconhecendo as povoações dos gentios que iam encontrando pelas margens do nosso grande Rio, e passando sem estorvo nem contradição alguma, perto das conquistas de Portugal [sem terem encontrado o “Eldorado” nem a “Casa do Sol”], chegaram a uma Província chamada de Trapajosos, onde os seus moradores, cobiçosos, atrevidos, despiram os pobres tirando o pouco que levavam.

 

Desta maneira continuaram a viagem, até que chegaram a uma praça de portugueses, que se chama Gurupá. (ACUÑA & CARVAJAL & ROJAS)

 

Frei Laureano de La Cruz (1650)

 

Frei Laureano de La Cruz subiu o Rio Tapajós, em 1650, integrando uma Expedição portuguesa com o intuito de resgatar Índios cativos. Eram estes os Índios de outras tribos que os Tapajó aprisionavam em suas guerras. Frei La Cruz comentou que:

 

las razones con que los portugueses quieren paliar su iniquidad, son decir que aquellos indios que ellos iban a rescatar los tienen ya sus años sentenciados a muerte para comérselos, y que les hacen buena obra en librarlos de la muerte y sacarlos a tierra de cristianos a donde lo sean, aunque esclavos. (ACUÑA & CARVAJAL & ROJAS)

 

Bibliografia

 

 

ACUÑA & CARVAJAL & ROJAS – Christóbal de Acuña & Gaspar de Carvajal & Alonso de Rojas. Descobrimentos do Rio das Amazonas (1945) Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1941.

 

CARVAJAL, Gaspar de. Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de OrellanaBrasil – São Paulo, SP – Consejería de Educación – Embajada de España – Editorial Scritta, 1992.

 

PALMATARY, Helen Constance. The Archaeology of the Lower Tapajós Valley: Brazil. Transactions of the American Philosophical Society – Inglaterra – literary Licensing, New Series, Tomo n° 50, Parte III, 06.04.2013.

 

SUSSUARANA, Felisberto. Santarém antes da sua Fundação ‒ Brasil ‒ Santarém, PA ‒ Programa da Festa de Nossa Senhora da Conceição (PFNSC), 1991.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: [email protected].



[1]    Largo rossio: praça larga.

[2]    Empenas: cumeeiras.

[3]    Aldeamento: os aldeamentos jesuíticos tinham a finalidade de impor aos Índios a cultura cristã. A política provocava a destribalização e violentava princípios fundamentais da cultura e costumes indígenas. Os religiosos consideravam que os aldeamentos protegiam os nativos da escravidão, facilitavam sua conversão ao cristianismo e propiciavam que os mesmos fossem utilizados como uma força militar contra tribos hostis ou intrusos estrangeiros. A política dos aldeamentos era tão agressiva que, muitas vezes, os Índios preferiam trabalhar com os colonos, pois estes raramente interferiam com seus costumes e valores culturais.

Galeria de Imagens

  •  Charles Frederick Hartt
    Charles Frederick Hartt

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