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Gente de Opinião

Dante Fonseca

A oeste de Tordesilhas: Belém do Pará e São Paulo de Piratininga


 

Excerto do Capítulo I: A História e a cultura na fronteira rondoniense Brasil/Bolívia, da obra “Estudos de História da Amazônia, volume II”, a ser lançada brevemente.
 

Por Dante Ribeiro da Fonseca.

Ao estudar o avanço da ocupação portuguesa a oeste de Tordesilhas devemos observá-la sob uma perspectiva mais abrangente, do ponto de vista de seus vetores, do que aquela predominante na historiografia. Por outro lado, é necessário que atentemos para determinados detalhes conceituais, os quais passaram quase despercebidos ou foram mesmo totalmente ignorados. Dentro dessa perspectiva de análise mais minuciosa é necessário adotar uma conceituação mais precisa dos elementos da ampliação da fronteira. O termo fronteira pode assimilar múltiplos conceitos, assim é necessário deixar claro aqui que falamos apenas em fronteira política. Além disso, é necessário absorver nesses estudos dados empíricos que estão há muito à disposição dos historiadores, embora desprezados ou subestimados em razão de uma historiografia que, até há pouco, estava quase que exclusivamente centrada nos fenômenos ocorridos na região Sudeste e no litoral entre Pernambuco e São Paulo.

Tais fenômenos dizem respeito à expansão e posterior ocupação das fronteiras que resultou do rompimento da linha de Tordesilhas a partir da instalação dos portugueses em Belém em 1616. Coube a esses elementos a primazia dessa ocupação. A constituição dos primeiros núcleos coloniais em território espanhol em uma área que corresponde hoje a aproximadamente 49% do território nacional, produziu o espaço que hoje denominamos a região Amazônica brasileira.

A diferença fundamental está em distinguir expansão de ocupação. Antes do Ciclo do Ouro os bandeirantes de São Paulo promoveram um movimento de expansão para oeste de Tordesilhas, mas não de ocupação. Expandiram suas atividades da economia de preação. Conceitualmente falando, além da distinção entre entradas e bandeiras há uma distinção mais importante a ser feita. Trata-se daquela entre as bandeiras de apresamento e de pesquisa e exploração mineral. As entradas eram expedições de caráter oficial, organizadas pelo Estado para conhecer o território, os sertões, ou para dar combate aos grupos indígenas que recalcitravam contra o elemento colonizador. A expedição de Francisco de Melo Palheta que partiu de Belém em 1722 e viajou até o rio Mamoré, retornando no ano seguinte é claramente uma entrada, dado o seu caráter oficial de reconhecimento. Contudo, a maior parte das expedições em direção ao interior do continente pode ser classificada como bandeiras, pois possuíam objetivos particulares. Dentre esses objetivos temos a preação de índios para a escravização e a pesquisa mineral.  Em geral, pouquíssimas bandeiras foram organizadas com a finalidade exclusiva de pesquisa mineral. Mas, quando encontradas pedras ou metais preciosos, a função de ocupação territorial produzida pela bandeira conduzia a resultados qualitativamente diferentes daqueles das entradas ou das bandeiras de preação. Dentre as bandeiras de pesquisa mineral podemos citar, de pronto, a mais famosa, de Fernão dias que em 1674 partiu de Guaratinguetá (SP) em busca das minas de esmeralda de Sabarabuçu. Contudo, de fato, a maior parte das bandeiras partia em busca de escravizar indígenas, atividade que eventualmente combinava com a pesquisa e exploração mineral.

Nessas atividades os bandeirantes (paulistas) seriam os detentores do mérito da expansão e ocupação de nossas fronteiras? Antes de responder temos que fazer outras considerações, agora de ordem empírica. Desde antes da primeira metade do século XVII os bandeirantes paulistas ultrapassaram a linha de Tordesilhas. A mais famosa dessas expedições foi a de Raposo Tavares, que partindo de São Paulo em 1648 terminou em Belém do Pará em 1651. Em que pese a posição de Jaime Cortesão de que esta foi uma bandeira de limites, quase uma entrada, não é cabalmente provada essa finalidade da expedição. Incontestável é que Raposo Tavares partiu para saquear as missões religiosas dos espanhóis e capturar escravos indígenas.

É possível admitir, contudo, que as entradas foram responsáveis pelo reconhecimento desse território, fator importantíssimo para as renegociações de fronteiras. Também é admissível que todas as bandeiras de preação, assim também a bandeira de Raposo Tavares, não foram responsáveis diretas pelo povoamento da fronteira lusitana a oeste de Tordesilhas.  Isto porque depois de atacar as aldeias indígenas ou as missões religiosas, ou ambas, os bandeirantes retornavam para leste daquela linha. Eram apenas expedições de saque, que não consolidavam população de súditos portugueses em território espanhol, incluindo nessa categoria de súditos os índios e tapuios aos portugueses subjugados.

Em sua importante obra “História das Bandeiras Paulistas” o historiador paulista Afonso D’Escragnolle Taunay (2012, p. 208) declara:

Foi o ouro o verdadeiro causador da tomada de posse definitiva das terras centrais. Não existissem o arraial do Bom Jesus do Cuiabá e o arraial guaporeano, futura Vila Bela, e Alexandre de Gusmão disporia de débil base de argumentação para invocar o uti possidetis em favor da fixação da fronteira do Brasil a dois mil quilômetros a oeste da linha tordesilhana.

Devemos ir um pouco mais adiante para que não haja dúbia interpretação. A exploração mineral foi responsável não apenas pela tomada de posse, mas pela a ocupação efetiva do território a oeste de Tordesilhas pelos bandeirantes paulistas. Porém, o fenômeno apenas poderá ser constatado a partir do chamado Ciclo do Ouro. A razão disso é exatamente porque promoverá a fixação da população em território espanhol. Não nos esqueçamos de que a legitimação dessa fronteira se dará com o Tratado de Madri, de 1750, cujo principio basilar foi o uti possidetis, ou seja, a terra pertence ao rei cujos súditos a ocuparem. Mas Taunay fala da ocupação com os olhos fixos em São Paulo, vê a árvore, mas não a floresta. Não se refere a Belém, um dos tripés dessa ocupação. Na Amazônia não houve o Ciclo do Ouro e, no entanto, a região participou de forma primordial, importante e decisiva nesse processo em período mesmo anterior a esse ciclo. Aduzimos ainda que esta ocupação ocorreu mais em função da defesa do território que em razão do Ciclo das Drogas do Sertão, também um ciclo ambulante e não fixador de população.

Em outras palavras, sem a constituição de núcleos de colonização portuguesa a oeste de Tordesilhas não haveria consolidação da expansão da fronteira que seria legitimada pelos tratados de limites. A historiografia nacional firmou a convicção de que o rompimento da linha de Tordesilhas e a consolidação territorial portuguesa no Brasil foi obra dos bandeirantes de Piratininga. Essa vinculação é tão forte que a palavra bandeirante passou mesmo a ser sinônimo de paulista. Normalmente a Gente de Opiniãopalavra é vinculada automaticamente ao movimento de expansão e ocupação das fronteiras a partir do planalto de São Paulo. O atribuir ao elemento paulista mérito exclusivo de ter expandido nossa fronteira oeste, é fruto de verdade apenas parcial. Como vimos, resulta de uma confusão quanto à natureza das bandeiras e suas consequências. Somente podemos entender sua aceitação predominante pelos estudiosos do assunto se compreendermos que hoje ainda não possuímos uma História do Brasil que considere harmonicamente os processos históricos ocorridos no território nacional. Aquilo que chamamos de História do Brasil é, de fato, a História regional do litoral brasileiro e de algumas áreas anexas: como as Minas Gerais e o planalto de São Paulo. A primeira foi incorporada à História do Brasil pela importância da produção aurífera no período colonial; a segunda pela preeminência econômica que passa a exercer sobre o Brasil com a decolagem da produção cafeeira em meados do século XIX e com a industrialização, iniciada no final daquele século.

Então a historiografia predominante, litorânea e em grande parte sudestina, classificou a si própria como História do Brasil. As demais ficaram circunscritas ao âmbito das Histórias Regionais. A Teoria dos Ciclos Econômicos, criada por um paulista (Roberto Simonsen) nos anos 30 do século passado, veio reforçar essa percepção. Os principais ciclos ocorreram nessas regiões: o açúcar, o ouro, o café. Os ciclos menores e secundários em outras regiões: o gado e as drogas do sertão. Nem o Ciclo da Borracha, com o enorme impacto sobre a região Amazônica veio a desfazer esse entendimento. A Amazônia e o Centro Oeste seriam partícipes de uma história secundária, uma História Regional, em contraposição à História do Brasil, da qual participariam apenas marginalmente. Assim, os compêndios de História do Brasil tratam superficialmente o processo histórico nessas regiões, mesmo quando incorporam fases de importantes produções como o ouro no Centro Oeste e a borracha na Amazônia. Segundo essa História predominante foram os bandeirantes paulistas que conquistaram nossas fronteiras para oeste da linha de Tordesilhas, tanto para prear indígenas e escraviza-los como para explorar as riquezas minerais ali descobertas.

Somente para citar dois autores de peso, de resto essa é a História contada na maioria dos livros didáticos, temos o embaixador Álvaro Teixeira Soares (1975), que atribui aos bandeirantes o feito de fazer avançar as fronteiras do Brasil colonial para oeste de Tordesilhas e afirma: “[...] caberá aos bandeirantes de São Paulo a função histórica de triplicar a área do Brasil estabelecida pelo tratado de Tordesilhas”. Na mesma obra Teixeira Soares apresenta o mapa acima.

Da observação desse mapa depreende-se que mesmo a fronteira dos rios Madeira e Amazonas foi anexada ao território nacional pela ação dos bandeirantes paulistas, pois que o vetor do avanço sai de São Paulo, seguindo depois para o Amazonas. Taunay (2012, p. 185) também imprime essa percepção ao declarar que:

A solução de continuidade existente entre as áreas hoje mato-grossenses da bacia amazônica e as que se distribuem pelo Pará e o Amazonas começou a ser apagada em 1742 com a famosa viagem de Manuel Félix de Lima e Joaquim Ferreira Chaves, de Vila Bela a Belém do Pará.

Novamente o vetor de incorporação desse território parte de São Paulo. De fato, a afirmação de Taunay desconsidera todo o movimento anterior que, partindo de Belém, já havia ocupado a região do baixo Madeira. Além do que a expedição de Félix de Lima (1742) foi antecedida por aquela outra de Melo Palheta (1722). Uma tinha finalidade de estabelecimento de circuito comercial entre o centro minerador guaporeano e Belém e a outra de reconhecimento das missões espanholas da região guaporeana. Enfim, nenhuma das duas fixou populações na nova fronteira, coisa que os jesuítas já haviam feito na segunda metade do século anterior no rio Madeira. E, de todo modo, a solução de continuidade entre a região guaporeana e os rios Madeira e Amazonas, seu trânsito por súditos portugueses, será superada sim. Mas, isso ocorrerá apenas com a obrigatoriedade da navegação do rio Madeira no circuito comercial Belém/Vila Bela. Essa obrigatoriedade foi imposta pelo governo português em meados do século XVIII, pois até aquela época vigorava a proibição de abertura de novos caminhos para as minas, datada de 1733.

Também Darcy Ribeiro declara que a expansão e ocupação territorial são obras dos brasilíndios ou mamelucos gestados principalmente pelos portugueses de São Paulo (RIBEIRO, 1995, p. 106). Caminhando pelos dilatados sertões esses pioneiros pedestres chegariam às nossas fronteiras nos rios Paraná, Paraguai e Guaporé. Quedou também no olvido desse intelectual o papel dos nossos bandeirantes fluviais do norte do Brasil, do Grão Pará. Enquanto que aqueles de Piratininga substituíram, no dizer de Cortesão, o mar pela terra, se transformaram de navegadores em pedestres, andarilhos, os nossos sertanejos nortistas teriam substituído o mar pelos rios? Não, em ambos os casos os caminhos da expansão foram mistos: terrestres e fluviais ocorre, porém que no Grão Pará predominou os caminhos fluviais. Por esses caminhos pioneiramente, antes mesmo dos paulistas, os nossos bandeirantes nortistas ampliaram um espaço do território nacional maior, que hoje denominamos Amazônia.

É importante notar uma manifestação anterior mesmo ao fenômeno do bandeirismo no Brasil. Trata-se da iniciativa do náufrago português Aleixo Garcia. Tendo encontrado abrigo entre os nativos da ilha de Santa Catarina organizou, em ano próximo a 1523, uma expedição composta por quatro ou cinco dos seus amigos de infortúnio e algo em torno de dois mil índios guaranis. Essa expedição partiu do atual estado do Paraná e atingiu comunidades incaicas na região de Potosí e Sucre, as quais saqueou. Seu líder ordenou depois a retirada da expedição para o Paraguai onde foi assassinado pelos índios que o acompanhavam. Essa expedição permitiu o conhecimento da ligação entre o rio da Prata e a Região Andina.

Décadas depois da fixação nortista em terras a oeste de Tordesilhas é que inicia a ocupação dos bandeirantes paulistas. Em 1693 a bandeira de Antônio Rodrigues Arzão descobriu o ouro no Caité. No ano seguinte (1694) Bartolomeu Bueno de Siqueira descobriu jazidas do mesmo minério próximas a Itaverava, ambas em Minas Gerais. Descobrimentos sucessivos fizeram avançar de fato a fronteira portuguesa na América a partir desse polo. Cinco anos depois da descoberta de Itaverava, em 1699, Portugal recebia 725 quilogramas de ouro extraído no Brasil.

Em contrapartida a União Ibérica (1580 a 1640), período em que a coroa de Portugal esteve em mãos dos monarcas espanhóis, facilitara a ocupação portuguesa na Amazônia. Durante esse período foram criadas as capitanias portuguesas a oeste da linha de Tordesilhas dispostas no quadro abaixo.

Ano

Capitania

Donatário

1621

Grão-Pará

Capitania Real

1627

Caeté

Feliciano Coelho de Carvalho

1634

Caeté

Revogada em favor de Álvaro de Sousa

1637

Camutá ou Cametá

Feliciano Coelho de Carvalho

1637

Cabo Norte

Bento Maciel Parente

Vemos então que, ao norte da colônia brasileira, a linha de Tordesilhas já havia sido rompida durante o período denominado União Ibérica (1580-1640) com a criação de capitanias portuguesas a oeste daquela linha. È no Grão-Pará onde além de devassar os sertões as entradas propiciarão primeiramente ao elemento português a fixação em território espanhol. A dificuldade do monarca de Espanha expulsar com suas tropas elementos de outras nacionalidades que se instalavam em territórios da Amazônia, considerados de sua posse, fez com que atribuísse essa função ao elemento português. Pela Carta Régia de 1621 (13 de junho) o monarca espanhol Felipe IV estabeleceu o Estado do Maranhão e Grão-Pará. Separado do Estado do Brasil, foi constituído pelas capitanias gerais do Grão-Pará e Maranhão, com capital em São Luiz. A capitania do Grão-Pará situava-se em grande parte a oeste da linha de Tordesilhas e seus administradores, assim como aqueles da capitania do Maranhão, eram escolhidos no seio do aparelho burocrático e militar português. Em 4 de novembro de 1621 foi emitido aviso em que o monarca comunicava as providências para povoar e fortificar a costa do Brasil e os:

“[…] demais rios e os que forem tão largos que não alcance artilharia de uma parte a outra se fortifiquem e ainda que esta conquista seja da Coroa de Castela se pode encomendar a de Portugal por ser mais em conta, e que pela notícia de que na outra costa há povoados de ingleses e holandeses se poderia enviar em reconhecimento e conforme que houvesse tomar resolução e fazer o necessário para expulsá-los. (CALÓGERAS, 1998, p. 90; SILVA, 1854, p. 57).

Nos anos posteriores inúmeras entradas foram autorizadas pelo rei de Espanha e dirigidas por bandeirantes. A bandeira fluvial comandada por Pedro Teixeira em 1639 tomou posse do rio Amazonas para Portugal em nome do rei da Espanha. Dela participou Bento Maciel Parente, futuro capitão-general do Grão-Pará e capitão-donatário da capitania do Cabo Norte (atual Amapá). Em geral essas bandeiras fluviais agiam, como aquelas de São Paulo, para sondar ou conquistar o território e escravizar os nativos. No caso dessas expedições na Amazônia era muito comum a finalidade de expulsar nacionais de outros países europeus. Os governantes portugueses da capitania do Grão-Pará quase que imediatamente puseram-se a incentivar a instalação de novas capitanias para garantir o controle desses territórios. Enquanto isso as missões religiosas iam se espalhando pelo Amazonas e seus afluentes.

Dois anos após a criação da Capitania Real do Grão-Pará, foi criada a capitania de Gurupá (1623). Posteriormente mais três capitanias foram entregues ao governo de particulares. Em 1627 foi criada a capitania de Caeté, entregue a Feliciano Coelho de Carvalho, filho do então capitão-general do Grão-Pará, que em 1634 a perdeu em favor de Álvaro de Sousa. Naquele mesmo ano de 1634 foi criada a capitania do Cabo Norte e entregue ao governo de Bento Maciel Parente. Em 1637 foi criada a capitania de Cametá e entregue ao mesmo Feliciano Coelho de Carvalho em compensação pela perda de Caeté. Assim, cinco capitanias conquistadas, possuídas e dirigidas pelos portugueses existiam a oeste de Tordesilhas antes do final da União Ibérica (1640) e mais de um século antes do Tratado de Madri (1750). Instaurou-se desse modo uma complicada estrutura onde a autoridade dos dirigentes das Capitanias Reais, administradas por elementos nomeados pelo rei, contrapunha-se à autoridade dos capitães donatários. Ainda assim, esses internamentos e posses garantiram aos portugueses aquelas terras.

Ao permitir a criação da primeira dessas capitanias já no primeiro ano do seu governo (1621), o monarca espanhol Felipe IV (1605-1665), abriu um sério precedente às pretensões territoriais portuguesas. Com o fim da União Ibérica os portugueses mantiveram as terras em território espanhol na América do Sul. É importante dizer aqui que a Capitania do Grão-Pará no final da União Ibérica não possuía a extensão territorial que abrangeu a capitania do Grão-Pará em 1750 (Tratado de Madri).

Desde a instalação dos portugueses no Forte do Presépio, ou Forte do Castelo, em 1616, passaram eles a desalojar de suas posições e fortificações indivíduos de várias nacionalidades instalados na Amazônia. Assim foram surgindo as fortificações portuguesas como marco da sua ocupação territorial. Em 1661 a Fortaleza do Tapajós (Santarém), em 1669 a Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro (Manaus), em 1685-1690 o Forte de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Paru e o Forte da Vila de Almeirim, em 1697 o Forte de Santo Antônio dos Pauxis de Óbidos, são alguns deles (COSTA, 2014).

Finalizando, devemos ressaltar que o caráter expansionista atribuído às bandeiras foi mais praticado nas áreas periféricas aos centros políticos e econômicos coloniais. São Paulo e Belém do Pará foram os núcleos irradiadores das ações que vieram a romper com os limites de Tordesilhas e configurar as fronteiras de 1750. No norte da colônia, é a partir de Belém que cabe a primazia do avanço e ocupação territorial além de Tordesilhas. Apesar da participação do norte da colônia brasileira na consolidação territorial ibérica na América do Sul ser conhecida e registrada por vários historiadores desde o século passado quedou esse feito em segundo plano.

A propósito de pioneirismo, cabe dizer ainda que foi o Grão Pará, também em relação a São Paulo, pioneiro na cultura do café no Brasil. Contrabandeado da Guiana Francesa por Francisco de Melo Palheta já era em meados do século XVIII mercadoria transportada nas canoas de comércio que partindo de Belém iam dar em Vila Bela da Santíssima Trindade, então capital do Mato Grosso.

Dentre aqueles poucos autores que registraram a participação nortista no processo de ocupação das fronteiras, citamos aqui o paulista Paulo Prado que em sua obra “Retrato do Brasil” declarou corretamente que as: [...] bandeiras amazônicas, que pelo Madeira se ligaram às de São Paulo; alcançaram os limites do Javarí e ocuparam a Guiana. (2012, p. 56).  A quase correta observação de Paulo Prado, visto que não registrou o pioneirismo do bandeirismo nortista, apreendeu-a de um escrito de Capistrano de Abreu, conforme ele mesmo declara. Podemos resumir então que as fronteiras portuguesas na América do Sul foram expandidas a partir de duas frentes de colonização: pioneiramente a frente amazônica e após o início do Ciclo do Ouro a frente paulista, que se encontraram no rio Madeira, fechando o périplo da ocupação da fronteira oeste.

Fontes consultadas

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