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Gente de Opinião

Antônio Cândido

Cidade e Município de Porto Velho - Novas provas e velhas teimosias



O dia 2 de outubro de 2008, dia do aniversário do "Município" de Porto Velho, não aconteceu nada de novo. A mesma indiferença das autoridades, o mesmo desconhecimento de grande parte do povo que não sabe a razão do feriado e os meios de comunicação recheados de informações, copiadas ou colhidas em entrevistas, repetindo os mesmos erros históricos.

O município de Porto Velho comemorou 94 anos de existência, mas ficou na cabeça do povo, a informação de que "a cidade de Porto Velho" teria completado no dia 4 de julho deste ano o seu 101º aniversário.

Vamos deixar claro que eu concordo que o "município" de Porto Velho completou 94 (noventa e quatro) anos de criação e a data de "2 de outubro de 1914", está inserida na Bandeira e no Brasão do município de Porto Velho, que eu me orgulho de os ter criado.

O responsável pela coluna "Nossa Opinião" do jornal O Estadão do Norte, edição do dia 02.10.2008, tentando explicar que a data de aniversário do município não era a data de criação da cidade, afirma, seguindo o entender de alguns jornalistas e uns poucos historiadores que a "cidade de Porto Velho" completou 101 anos no dia 4 de julho próximo passado, informação repetida nos demais jornais e canais de TV da nossa cidade.

Como sou comprovadamente contrário a mais essa aberração que querem inserir na história da nossa terra, quero dizer, mais uma vez, que depois de palestras e publicações onde apresentei documentos e argumentos comprovando que no dia "4 de julho de 1907" nada aconteceu no local onde hoje se encontra instalada a cidade de Porto Velho, ainda existem pessoas que não se dão ao trabalho de investigar aquilo afirmo, preferindo repetir uma informação surgida pela primeira vez em "Reminiscências da Madmarly e Outras mais", de Hugo Ferreira, publicado em 1969.

Não consigo entender porque querem dar credibilidade histórica ao livro de Hugo Ferreira, se o próprio Hugo, cidadão sério e honesto fez questão de intitular o seu livro de "Reminiscências".

Vale lembrar que todos os historiadores, professores e jornalistas que apóiam essa idéia têm como ponto de apoio essa informação que promete provar e não prova que no dia 4 de julho de 1907, foi pregado um prego de prata onde hoje tem início a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Por que aqueles que concordam com a afirmação de Hugo Ferreira, não cortam o mal pela raiz analisando o que ele escreveu?

Por que antes de 1969, não há registro deste fato e todas as publicações, relatórios e diários de viagem, dão conta de que a área para instalação do parque ferroviário começou a ser desmatada em janeiro de 1908, coincidindo com a autorização para mudança do local onde se devia iniciar a ferrovia, dada pelo Governo Federal através do Aviso n. 2, de 16 de janeiro de 1908?

Porque Charles A. Gauld em Farquhar O Último Titã, pág. 194, faz questão de declarar que após eloqüentes discursos os três empreiteiros assistiram à mulher do empreiteiro Jekyll cravar o "Grampo Dourado" enviado por Farquhar perpetuando uma tradição americana... cerimônia assistida e relatada pelo amigo de Hugo Ferreira, e nem Farquhar e nem Antônio Borges falam desse "Prego de Prata"?

Com o intuito de desacreditar o meu trabalho, chegaram a publicar no jornal Alto Madeira, edição de 30.09.2007, um grande reportagem, inclusive com fotografias, para provar que, em 1907, Porto Velho já existia, pelo menos como início de cidade.

Mas, esqueceram que as fotos são de Dana Merrill e que o famoso fotografo somente chegou a essa região no ano de 1910, contratado por um período de dois anos, conforme afirmação do próprio Farquhar, em "Farquhar – o Último Titã", livro de Charles A. Gauld. Logo, se Merrill fotografou a inauguração da ferrovia em 1912, é claro, ele aqui chegou em 1910. Por conseguinte, não poderia ter fotografado Porto Velho no ano de 1907.

Pois bem. Para aqueles que ainda teimam em dizer que Porto Velho teve início no dia "4 DE JULHO DE 1907", apesar de todas as provas que já apresentei e podem ser vistas no site Gente de Opinião, eu tenho o prazer de lhes dizer que no relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, apresentado no ano de 1908, por conseguinte, relativo a atuação daquele Ministério no ano de 1907, vamos encontrar mais uma comprovação daquilo que venho afirmando.

Organização e execução dos trabalhos – Os estudos do primeiro trecho, que, em virtude da clusula XV (sic) do contracto, deviam ser submettidos à approvação do Governo até 14 de maio do anno findo, não poderam ficar concluídos dentro desse prazo, pelo que solicitou o contractante prorogação por mais 90 dias, o que lhe foi concedido, em vista dos motivos apresentados. (1) 

        O relatório em questão prossegue falando da escolha do local pretendido para iniciar a linha férrea, do seguinte modo:

 

Reconhecido, entretanto, pelo engenheiro-chefe da commissão fiscal, por estudos a que procedeu, ser preferível Porto Velho para o ponto de partida da linha, trouxe ao conhecimento deste Ministério, em ofício de 14 de novembro, as razões justificativas dessa escolha, deixando de aceitar os estudos apresentados, correspondentes aos primeiros 10.400 metros, até que fosse resolvida a questão de preferência do local inicial da estrada. Acceito o ponto de partida proposto pelo engenheiro fiscal, cujas informações concordam com as referencias feitas nos relatórios dos irmãos Collins e engenheiros Morsing e Pinkas sobre a necessidade de prolongar a linha em busca de melhor porto abaixo de Santo Antonio, não se demorou o Governo em expedir o decreto approvando os primeiros 16.566 metros de exploração e projeto, de accôrdo com as plantas remettidas a este Ministério. (2)  

        Agora raciocinemos:

        Como Porto Velho poderia ter seu início em "4       de julho de 1907", se somente em 14 de novembro daquele ano foi encaminhado ao Ministério o ofício que justificava a preferência pela mudança do ponto inicial da ferrovia?

       

        Para quem leu o Relatório da Comissão Morsing / Pinkas e A revolta da Chibata, de Edmar Morel, entre outros, vai verificar que uma viagem do Rio de Janeiro a Santo Antônio demorava, em média, trinta dias. Esse é o tempo que levou o ofício datado de 14 de novembro de 1907, para chegar ao Ministério. Por isso, quando o Ministro diz que não se demorou o Governo em expedir o decreto approvando os primeiros 16.566 metros de exploração e projeto, tudo fica claro e cristalino que realmente a mudança do local se deu a partir do aviso nº 2 de 16 de janeiro de 1908.

 

        Para corroborar essa afirmação o relatório do Ministério nos diz que:

 

Não obstante as difficuldades oppostas pelas fortes chuvas que cahiram no mez de dezembro, atingiu a 57 kilometros e desenvolvimento total das linhas de exploração e a 171.000 metros a extensão total das linhas de levantamento, inclusive as secções transversaes.

Já estão dadas pelo chefe da commissão fiscal as necessárias providencias para o levantamento topographico da área destinada as edificações e as varias dependências da estrada e do futuro porto, a dois kilometros abaixo do actual ancoradouro de Porto Velho.  (3)

        Assim, o relatório deixa claro que até o mês de dezembro de 1907, não havia sido pregado nenhum trilho e os trabalhos se resumiam, ainda, à "exploração" e "levantamento".

       

        Podemos observar, também, que somente no mês de dezembro, foi dada autorização para o levantamento topográfico da área onde seriam construídas as instalações, o porto e o ponto inicial da ferrovia, que dariam inicio a cidade de Porto Velho. O relatório, como podemos observar, não fala sequer no desmatamento da área naquele final de ano de 1907.

 

        Prosseguindo, o relatório encerra a parte da construção da ferrovia com as seguintes informações:

 

No logar denominado Candelária, estabeleceu-se, provisoriamente, o hospital para tratamento do pessoal.

Os serviços de prophylaxia e hygiene acham-se convenientemente organizados, de accôrdo com instrucções solicitadas à Direção Geral de Saude Publica.

Para facilitar o serviço de hygiene e permitir o estabelecimento de abarracamentos em Porto Velho, foi, por ordem do engenheiro chefe da comissão fiscal, roçada uma área conveniente, onde será construído novo hospital, cujo projecto já se acha elaborado. (4)

Essas são as últimas informações relacionadas à construção da ferrovia, a partir daí, o relatório faz um estudo sobre o clima, produção e meios de transporte da região.

        Chamo a atenção daqueles que discordam das minhas colocações e defendem que Porto Velho SURGIU NO DIA 4 DE JULHO DE 1907, (sem apresentar documentos ou citarem as suas fontes de pesquisas) para que leiam, releiam e analisem o último parágrafo do relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, acima citado, quando diz: Para facilitar o serviço de hygiene e permitir o estabelecimento de abarracamentos em Porto Velho...

 

        Segundo o dicionário Aurélio, abarracamento não confundir com (abarrancamento) significa ato de abarracar; instalação em barracas; conjunto de barracas; acampamento.

 

        Que me desculpem os jornalistas. A culpa é de quem (publica) e passa aos senhores e ao povo desta terra as informações que eles "julgam" corretas. Mas, a "cidade," repito, a "cidade de Porto Velho" está completando "100 ANOS DE HISTÒRIA", neste ano de 2008.


Antônio Cândido da Silva.


(1) Relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas  P.565
(2) Idem, idem. P. 566
(3) Relatório citado P. 567
(4) Idem,idem. P. 567

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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