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Abnael Machado

Padre João de Sam Payo - Primeiro Missionário do Alto Rio Madeira


O padre João de Sam Payo, o qual os índios denominavam Abarébebé(padre que voa), nasceu em Abrunheira (Coimbra/Portugal)em 1680. Quando estudante o que mais se propalava e se vangloriava, com ufanismo, era sobre a gloriosa expansão do reino português na África, Ásia e Américas, exaltada em versos e prosas.

Decidiu a ser um participante dessa grandiosa  de conquista obra de terras, de propagação da civilização cultural europeia entre povos bárbaros incultos e a salvação de milhões de almas para Deus.

Com este firme propósito, conseguiu ingressar em 1701, na Companhia de Jesus. Ainda noviço solicitou e foi atendido, a vir para o Brasil, Belém do Pará, sendo designado a trabalhar em Salinas de Curuça no baixo Rio Amazonas/PA. Entre os indígenas, aprendeu os seus idiomas, seus hábitos, seus regimes alimentares e suas crenças.

Regressou a Portugal, em 1710 para ser ordenado padre. Retornando ao Brasil em 1712, esteve por pouco tempo no Rio Negro, transferindo-se para a missão de tupinambarana na Foz do Rio Madeira, da qual subiu esse rio até a foz do Rio Canumã, instalando a missão do mesmo nome, ainda em 1712.

O trabalho missionário catequético era dificultado pela estrutura social e o confronto de interesses religiosos, políticos e econômicos.

As ordens religiosas Mercedário, Carmelita e Capuchos se opunham aos Jesuítas, os quais pleiteavam o monopólio sobre os indígenas;

Segmentos da alta cúpula administrativa se opunham aos Jesuítas, acusando-os de desacatarem á ordem social e política do império, a qual dispunha que em qualquer das colônias seus residentes portuguêses e seus descentes de todos segmentos sociais, políticas, administrativas, econômicas e inclusive os degredados, eram súditos do rei, agentes do império obrigados a lhe prestar serviço, para sua grandeza e a sua glória. Porém os padres obedeciam a ordem política da congregação e as do seu superior (O Papa Negro). Secretamente tinham por meta estabelecerem estados teocráticos, independentes.

Os colonos em defesa de seus interesses econômicos, se opunham aos padres por não lhes permitirem capturarem índios e os obrigarem a trabalharem em suas propriedades, enquanto eles assim procediam, inclusive os alugando para lhes prestarem serviços devidamente pagos aos chefes das missões.

Os indígenas resistiam as ações dos padres por os considerar aliados dos invasores de seus territórios e serem dissimuladores, destruidores de suas culturas e facilitadores das agressões dos preadores os transformando em escravos.

Nestas circunstâncias o padre João de Sam Payo teve seu trabalho missionário obstaculizado, sendo vítima de violências, agressões físicas e morais, tais como:

O capitão Manoel Francisco Tavares o interceptor quando conduzia quatrocentos índios para residirem na missão de Abacaxias, os repassando para suas embarcações, levando-os para Belém do Pará, os vendendo como escravos. Este mesmo capitão, se apossou de duzentos índios, tomando-os do missionário. E em sua ausência assaltou a missão arrombando os seus depósitos, levando os víveres e demais artigos neles estocados. Não só essas, mas outras vilezas o vitimaram;

Paulo da Silva Nunes líder dos colonos, tomando por testemunha um tuxaua o denunciaram, acusando-o de práticas ilícitas, ao rei de Portugal. Procedidas as devidas investigações pelas competentes autoridades laicas e pelos superiores da ordem, foi reconhecida a sua integridade, sendo recomendado ao padre José Vidigal superior da missão de Tupinambarana, a restabelecer a sua credibilidade e sua fama de missionário.

O governador do Maranhão, em apoio aos missionários, solicitou ao Rei proibir a particulares a fazerem entradas para aprisionarem indígenas no Rio Madeira, por ser prejudicial ao trabalho catequética dos padres, em especial ao praticado pelo padre João de Sam Payo.

Ao longo do Rio Madeira haviam trinta e duas nações indígenas, cada uma com idiomas próprios, dificultando o estabelecimento de comunicação, por falta de uma língua geral, como existia em outras áreas da Amazônia.

Em 1723 após prestar auxílio a expedição do sargento-mor Francisco de Melo Palheta, subiu o Rio Madeira até em frente a foz do Rio Jamari, instalou na margem esquerda a missão de Santo Antônio do alto Madeira (atual Vila de São Carlos).

A missão era um foco de civilização, de doutrinação e um núcleo econômico produtivo, adaptado ás condições do meio ambiente, habitada por indígenas trazidos do interior da floresta por intermédio das entradas catequéticas.

A canoa era o meio de locomoção impulsionada a remo, conduzida as pelos índios conhecedores da navegação fluvial. Tendo por carga instrumentos musicais, tais como flautas, pandeiros , maracás e buzinas para presentear aos índios, os quais tinham predileção por música. Altar portátil, campainha, relógio de areia, redes de dormir, livros espirituais, arcos e flechas.

O provimento alimentar era a base de peixe, caça, macaxeira, farinha, beiju, tapioca, frutas e mel silvestres.

O regulamento comunitário constitui-se de missa a seis horas da manhã, primeira refeição, execução dos trabalhos de rotinas por cada grupo, almoço, continuação das atividades, banho, jantar, reza das ladainhas, descanso geral.

Considerando a grande distância da missão de Santo Antônio do Alto Madeira, da missão de Tupinambarana sede geral das missões do Rio Madeira, ficando exposta aos ataques dos índios adversários, o superior da Ordem no Pará em 1726, determinou ao padre São João de Sam Payo a retornar para baixo Rio Madeira. Em seguida ele foi á Belém, conseguido o seu retorno para a sua missão acompanhada pelo padre Manoel Fernandes, em fins de 1727.

Em março de 1728, transferiram a missão da margem do rio, a interiorizando assentando-a em Araretama próxima ao lago Cuniã, a fim de a resguardar do assédio dos Mura, Tora e dos preadores. Instalando o aldeamento, passaram a sua administração para um irmão leigo, organizaram uma expedição composta por eles e uns trinta índios, subiram o Rio Madeira estacionando em sua primeira cachoeira, a de Aroaya nome indígena e São João  lhe denominado em 1723, por Francisco de Melo Palheta. Instalaram a missão na margem direita do rio, em frente a essa cachoeira, denominando-a Santo Antônio das Cachoeiras. Esta Missão era de relevante interesse da política lusa de assegurar a posse do Rio Madeira e a dos padres visando a pacificação dos indígenas e garantirem para si a exclusividade do rendoso comércio das especiarias com os comerciantes das bandeiras luso-paraenses oriundas de Belém do Pará.

  

Expedição do Padre João de Sam Payo

Ainda em 1728, o padre João de Sam Payo organizou na missão de Santo Antônio das Cachoeiras, uma expedição sob seu comando para explorar o alto Madeira, região das cachoeiras, alcançar suas vertentes e ir além dessas. Partindo desta missão acompanhado por uns quarenta índios distribuídos em três canoas, transpuseram com árduo trabalho as corredeiras, saltos e cachoeiras denominadas: Macacos, Laguerites (atual Teotônio), na qual contatou com os índios da nação Pama; Caldeirão do inferno, jirau, na foz do Rio Jaci-Paraná contatou com os índios da nação Caripuna; Três Irmãos, Paredão, Perdeneira, alcançado a foz do Rio Ferreira margem esquerda do Rio Madeira, nesse navegando até o seu alto curso, fazendo contato com o grupo indígena chefiado pelo Tuxaúa Ferreirús sendo informado na presença de jesuítas espanhóis de missões no Rio Purus. Retornando ao rio Madeira penetrou no rio Abunã seu afluente da margem esquerda, subindo até a cachoeira de fortaleza, retorcendo desta para o rio Madeira, prosseguindo sua subida transpondo as cachoeiras de Araras, Periquitas, Ribeirão, Misericórdia, Chocolatal e Madeira. Passou pela foz do Rio Beni em sua confluência com o Rio Mamoré, subindo por este atravessou as suas cachoeiras de Lages, Pau Grande, Bananeira, Guajará-Mirim e Guajará-açú passou pelas fozes de seus tributários Rio Yata ( margem esquerda), Lage, Pacaás-Novos, Sotérios e Guaporé (margem direita), prosseguindo rio acima chegou na missão dos padres jesuítas espanhóis (após 16 dias de viagem), denominada Exaltação da Santa Cruz, província dos Moxos, Vice-Reino do Peru. Teve caloroso acolhimento. Ao despedir-se solicitou ao padre superior não passar para a margem direita do Rio Mamoré a partir da Foz do Rio Guaporé para baixo, assentando missões e recrutando indígenas, por pertencerem aquelas terras e seus habitantes ao rei de Portugal, nas quais haviam missionários exercendo o trabalho apostólico. Ao regressar a Santo Antônio das Cachoeiras iniciou os contatos com os Mura, objetivando conquistar a sua amizade e convertimento ao cristianismo. As negociações caminhavam para o êxito, visto o chefe Mura haver firmado um acordo pelo qual se comprometia no ano seguinte sair da floresta com o seu povo para habitar na missão. João de Sam Payo comprometia-se a fornecer ferramentas, alimentos e todos os demais meios de manutenção até que eles tivessem suas próprias roças, produzindo para troca de mercadorias com os comerciantes. Um português conhecedor do acordo foi a aldeia dos Mura em grande canoa (batelão), apresentando-se como emissário do Padre Sam Payo para levá-los à missão, pois já se encontrava providenciado tudo conforme o combinado. O chefe Mura refutou tal afirmativa, primeiro porque não havia transcorrido o tempo determinado, segundo por não ser possível ter sido realizado o necessário para recebê-los. O falso emissário apresentou tais argumentos que convenceram o chefe Mura. Este autorizou o embarque de tantos índios quantos comportasse a embarcação, os quais foram levados para Belém-do-Pará e vendidos como escravos. Ao tomarem conhecimento do ocorrido com seus parentes os Mura passaram a odiar os brancos, em especial o padre, que julgava os haver traído. Com ódio iniciaram a vingança assaltando de surpresa as propriedades rurais, os povoados, as feitorias, as embarcações dos comerciantes e de outros navegantes, matando indistintamente brancos e seus escravos, como também os índios seus aliados, arrasando os seus bens materiais e os expulsando. O padre José de Souza, provincial da Companhia de Jesus no Maranhão solicitou em 1738 ao rei de Portugal que fosse declarada “guerra justa” à nação Mura. Enquanto tramitava o processo pelas instâncias burocráticas, a devastação continuava. O assalto à missão de Santo Antônio das cachoeiras no inicio de 1742, resultou na morte de quase 100 pessoas. O padre João de Sam Payo, o seu imediato auxiliar padre Manoel Fernandes e demais missionários decidiram se retirarem de Santo Antônio acompanhados por cem índios convertidos, após quatorze anos de laborioso trabalho (1728 a 1742). Desceram o rio até próximo a foz do rio Jamari, se instalando nas vizinhanças do Rio Baeta em Araretama. João de Sam Payo enfermo prosseguiu viagem. Em face aos contínuos ataques dos Mura e surtos de doenças epidêmicas o padre Fernandes resolveu mudar-se para a foz do rio Jí-Paraná instalando a missão de Camuã, na qual o encontrou o bandeirante Félix de Lima.  Por esses mesmos motivos a abandonaram, obrigando-se na missão de Trocano(atual cidade de Borba/AM). Os Mura continuavam a perseguição, aos remanescentes de Santo Antônio das Cachoeiras, não assaltaram Trocano, visto padre José da Gama possuir dois pequenos canhões para defende-la.

O bandeirante Manoel Félix de Lima e seus companheiros vindos dos arraiais de mineração de ouro de Mato Grosso, descendo os rios Guaporé, Mamoré e Madeira, em 1742 viram os destroços da missão de Santo Antônio das Cachoeiras e de várias propriedades de colonos portugueses, ocasionados pelos ataques dos indígenas. O padre João de Sam Payo retirava-se definitivamente do Alto Madeira, derrotado ao mesmo tempo pelos indígenas, pelos colonos, pelo clima e pela política de governo. Morreu em 1743 (no dia 22 de janeiro, no engenho Ibirajuba, próximo à Belém-do-Grão-Pará), sua morte coincide com o declínio das ações dos jesuítas no Rio Madeira, até se extinguirem com sua expulsão do Brasil colonial em 1759, pelo Marquês de Pombal, Mistro de Dom José I rei de Portugal.

O padre João de Sam Payo foi realizador de grande empresa, sendo um apóstolo verdadeiro, um pioneiro da obra de civilização do Rio Madeira.

ABNAEL MACHADO DE LIMA
Ex-Profº de História da Amazônia,
da universidade Federal do Pará

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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