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Gente de Opinião

Abnael Machado

ESTÓRIAS DE SERINGAL É PRA FAZER O SERVIÇO ?


 
Justiniano nasceu e cresceu no sertão do Cariri, no Ceará, trabalhando desde tenra idade na roça sob um sol abrasador, um calor sufocante, muitas vezes com fome e com sede sem nenhuma compensação e proveito próprio. As terras eram do Coronel Honório, a produção da roça quando havia se a seca não estorricava toda a plantação, a metade era entregue ao do das terras e a outra metade era dividida uma parte para alimentação da família de doze pessoas e para a dos animais, outra para vender na feira a fim de pagar as dividas, e a restante destinada à semente para o novo plantio, nada restando que pudesse ser distribuído entre seus produtores. Não havendo como romper com a rotina de plantar, colher boa safra quando os santos e padrinho padre Cícero atendendo ao rogo dos roceiros fazia chover no tempo certo, e entregar a metade do produzido a quem jamais trabalhou.

Justiniano sentado à sombra de um juazeiro próximo à roça, matutava sobre sua vida até então sem serventia, já completará dezenove anos e nada tinha de seu, sabia encontrar-se em um beco sem saída e que a única alternativa de mudança de situação era a de arribar do sertão, o que decidiu fazer. A noite após a janta, comunicou a seus pais, irmãos, irmães, e outros parentes a sua decisão. Seu pai indagou quando partia e para onde pretendia ir? Respondeu que ao amanhecer do dia seguinte, sendo seu destino Fortaleza e daí o Norte, aonde ele ouvira falar que nas matas do Amazonas, terras sem

donos, tem uma árvore que produz borracha a qual colhida e vendida por elevado preço está facilmente enricando o povo nela vivente e aos que vão pra lá. Pela manhã despediu-se da família, seu pai lhe deu uma pequena quantia em dinheiro e sua mãe lhe colocou no pescoço um colar tendo pendurado um saquinho impermeável, lhe recomendado que sempre o mantivesse ali, pois se tratava de uma poderosa oração e uma lasquinha da Cruz de Cristo no Calvário, trazida por padre Cícero, que lhe protegeria da inveja, do mau olhado, das doenças, das cobras, das feras e da morte matada. Justiniano jurou só retornar ao sertão se enricasse. Partiu sem olhar para traz, o coração apertado pelo pesar de deixar os seus familiares nas agruras de uma vida sem esperança de dias melhores e de prosperidade. Após dois dias de caminhada encontrou um grupo de retirantes, o qual se dirigia à Fortaleza, juntou-se a ele.


Após muitas e muitas léguas percorridas passando por várias lugarejos e cidades chegaram ao seu destino.

Justiniano e seus companheiros foram informados sobre o local onde estavam sendo contratados trabalhadores para colher borracha na Amazônia, para o qual se dirigiram tomando conhecimento pelo agenciador das condições do contrato, da forma e regime de trabalho. Explicou-lhes ser fácil a coleta da borracha, bastava entrar na mata e colher da árvore seringueira as grandes bolas de seringa, tal qual como se colhe jaca de uma jaqueira. Quanto as condições contratuais lhes seriam fornecidas as passagens entre Fortaleza e Belém-do-Pará ou Manaus e dessas aos seringais de destino, adiantamento em dinheiro para compra de roupa, calçado, rede de dormir, hospedagem e alimentação. Comprometendo-se o contratado pagar ao contratador, entregando-lhe a borracha produto do seu trabalho. No seringal lhes seriam fornecidos os instrumentos para a coleta, um rifle e munição, suprimento alimentar, querosene, lamparina, barraca de moradia e as estradas de seringa. A produção só poderia ser entregue ao contratador (Patrão) do qual se tornariam empregados sujeitos ao regime do seringal, até quitarem a dívida contraída. A maioria dos seus companheiros aceitaram a forma do contrato, Justiniano o refutou pois havia feito uma jura de jamais trabalhar como empregado de ninguém. Resolveu permanecer em Fortaleza fazendo trabalho avulso que aparecia, morava em um albergue para flagelados da seca e fazia apenas uma refeição por dia, a fim de economizar, juntar o dinheiro suficiente para comprar as passagens no navio da Loid que o levaria à Belém. Quando amealhou o necessário, embarcou rumo à Amazônia ficou deslumbrando com paisagem, jamais imaginou que no mundo tivesse tanta água, a terra firme desapareceu, o que a vista alcançava era água, água, mais água, o sol e a lua surgiam das águas e nestas desapareciam. Após alguns dias chegava à Belém, linda cidade na margem do rio Pará afluente do rio Amazonas. Ficou admirado com tanta abundância de alimentos. Empregou-se como estivador embarcando e desembarcando produtos nativos e mercadorias de todas procedências no porto e mercado do Veropeso. Expondo seus planos aos novos companheiros de trabalho e de albergue, foi aconselhado a se dirigir para Santo Antônio do Alto Rio Madeira, visto o vale desse rio e dos seus afluentes serem abundantes em árvores de seringueiras e haver a possibilidade de encontrar áreas sem proprietários, podendo se apossar dessas, formar seringal e registrar em seu nome. Logo que teve condições financeiras comprou passagem e embarcou num navio gaiola rumo ao alto Rio Madeira. No percurso ao longo do rio Amazonas desfilavam as vilas e cidades intercaladas por densas florestas. A largura do rio e o volume de suas águas barrentas descomunais. As chuvas que diariamente caiam em Belém continuaram durante a viagem, embora espaças, não mais todos os dias. Ficou/ se indagando o porque as águas escuras dos rios Xingu, Tapajós, Trobetas e Negro se misturam com as barrentas do rio Amazonas, do qual são afluentes, assim formando um contraste colorido de rara beleza. Justianiano pensava, se pelo menos um quarto dessas águas e dessas chuvas fossem no sertão, o Nordeste seria um paraíso. O navio deixou o rio Amazonas penetrando no rio Madeira, subindo o seu curso, a partir da cidade de Manicoré começaram a aparecer as sedes dos seringais muitos dos quais de propriedade de cidadãos bolivianos e portugueses. Ao chegar em Santo Antônio do Alto Madeira, pertencente ao Estado de Mato Grosso, verificou uma intensa movimentação de embarcações de todos os tipos e tamanhos, no porto acima da cachoeira em frente a cidade a portavam as de menores portes e movidas a remo vindas dos seringais do alto curso do rio Madeira, região das cachoeiras e do oriente da República da Bolívia, carregadas, com borracha, castanha, óleo vegetais de copaiba, andiroba e outros, pelos e couros de animais silvestres e de gado bovino. No porto abaixo da cachoeira ancoravam as de maiores portes movidas a vapor d'água, vindas de Belém-do-Pará, de Manaus e dos Estados Unidos da América do Norte, carregadas de produtos alimentícios, tecidos, vestuários, combustível, armas, munições, medicamentos, ferramentas, utensílios domésticos, para abastecer os seringais e as últimas com materiais para a ferrovia Madeira-Mamoré em inicio de construção pela empresa norte-americana MAY JEKYLL & RANDOLPH. Os dois portos, o de cima; das canoas e o de baixo; dos navios, eram ligados por trilhos de ferro nos quais eram empurrados por estivadores vagonetes carregados com os produtos nativos de exportação destinados aos navios e destes retornavam com produtos de importação a serem transportados pelas canoas e batelões para os seringais.

Os navios transportavam para Manaus e Belém não só borracha e outros produtos nativos, mas também muitos passageiros a maioria enfermos acometidos de malária, beribere, febre amarela, hidropisia, desentenria e outras doenças endêmicas no Alto Madeira.

Justiniano soube que o pessoal contratado pela empresa construtora da ferrovia era pago com libra esterlina que valia muito mais que a moeda brasileira, vislumbrou um meio de ganhar e juntar dinheiro para por em prática o seu plano. Foi fácil ser contratado devido a necessidade crescentes de mão-de-obra para substituir as baixas em conseqüência de enfermidades e mortes. Foi destacado para trabalhar em Porto Velho, local escolhido para a instalação de um porto e ponto inicial da ferrovia. O contingente de trabalhadores era constituído de gente de todas as nacionalidades, muitas das • quais nunca havia visto, como no caso, Chineses, Indianos, Japonês, Antilhanos, Árabes e Gregos, também eram falados os respectivos idiomas. Juntou-se aos brasileiros, a maioria nordestinos predominando os cearenses. Trabalhou três anos na empresa, teve a sorte de não contrair nenhuma das doenças que inutilizavam e matavam indistintamente braçais, operários, técnicos e administradores. Junto o dinheiro que julgou suficiente para o seu empreendimento, firmou um contrato de financiamento com a poderosa empresa boliviana Suaréz & Hermanos exportadora de borracha com filiais em Santo Antônio, Manaus e Londres, sendo-lhe passado por esta uma quantia em dinheiro para contratação de pessoa, mantimento alimentício para seis meses medicamentos, armas munição, combustível, duas canoas, indicando os remadores, o mateiro, estouqueiro, os piqueiros, os comboeiros, os caxeiro e guarda-livros a serem contratados.

Como garantia do pagamento do empréstimo, ficava obrigado a cada trimestre repassar à empresa toda a produção de borracha e castanha, a permitir ser fiscalizado por esta, lhe penhorar o seringal com todos os bens, tão logo esse tivesse sua escrituração legalizada pelo governo do Estado de Mato Grosso. Sendo extinto o contrato, quando quitado o financiamento. Foi aconselhado a subir o rio Mutuam Paraná em cujo vale do seu alto curso, havia seringueiras em abundância inexploradas, por temor aos indígenas Jarus e Caripunas.


Justiniano aceitando a sugestão, partiu de Santo Antônio subindo o rio Madeira com pessoal acima citado, pois os seringueiros seriam contratados quando o seringal estivesse instalado. O contratado desses, consiste em o proprietário do seringal conceder-lhes por arrendamento, as estradas de seringal, a barraca de moradia, os apetrechos para corte e coleta do leite. Fornecer-lhe arma, munição, combustível e gêneros alimentícios. Ao seringueiro a obrigação de vender a borracha produzida exclusivamente para o arrendatário. No percurso foram encontrados e superados os obstáculos a navegação, tais como, a corredeira dos Macacos, o portentoso salto de Teotônio o qual é transposto por terra, puxando as embarcações sobre roletes de madeira, a corredeira de Morrinhos, a cachoeira Caldeirão do Inferno, o salto do Jirau transposto por terra, a corredeiras Três Irmãos, após a qual chegaram a foz do rio Mutum Paraná, neste adentrando navegando rumo a sua nascente.

Com quase duas semanas que subiam o rio, ao chegarem na foz de um volumoso igarapé;o mateiro Zé Severino, mandou que encostasse as embarcações, dizendo a Justiniano ser aquele local apropriado para instalar a sede do seringal, visto o Igarapé e seus afluentes facilitarem a penetração para o interior da floresta e a área de sua bacia servir de referência para demarcação das terras do seringal.

O Justiniano aceitou, por reconhecer o Zé Severino como um importante conselheiro, conhecedor da selva e de seus segredos. Desde que saíram de Santo Antônio ele naturalmente assumiu a liderança do grupo, sendo o seu guia, o cozinheiro e médico, tratando os que adoeceram com os remédios farmacêuticos e com as ervas, folhas e raízes do meio ambiente. Acamparam, e durante dois dias descansaram das fadigas da viagem, em seguida iniciaram o roço do local uns e outros o corte de árvores para construção do barracão sede do seringal, barracas para armazém, alojamento, cozinha e depósito. A noite à luz da fogueira Zé Severino nas conversas antes de dormir iniciava seus companheiros em especial seu patrão, sobre a sobrevivência na selva, lhes recomendava a manter sempre um punhal ou faca amolada ao alcance da mão, a não permanecer por longo tempo à beira d'água com a sombra se projetando nessa, pois seriam alvo fácil de ser laçado pela sucuri, caso acontecesse dê-lhe uma estocada com sua faca ou punhal, em sentido contrário ao da escama, a bicha afrouxa o laço lhe soltando, fuja o mais depressa possível; não á para beira d'água em noite de luar, a Yara poderá lhe encantar e levar com ela; sempre que for penetrar na floresta peça permissão a mãe da mata, como também a mãe da seringueira quando for cortar seringa; faça oferenda ao curupira e ao caaporã, deixando na orla da mata um pedaço de tabaco e uma caneca de cachaça pronunciando; “isto é presente para você curupira ou caapora;” jamais grite ou responda grito na floresta pode atrair o mapinguari; caso esteja areado caminhando em círculo sem achar rumo certo, é porque passou por baixo de cipó jibóia ou está sendo atraído por essa cobra tire a camisa vire do avesso e vista, o encantamento desaparecerá, ao , encontrar uma manada de queixadas, jamais atire no primeiro porco, seu guia, ele é montado pelo curupira, o qual fará os porcos lhe estraçalhar; caso se perca mantenha-se calmo, verifique nas árvores caídas apodrecidas, qual dos seus lados tem menos e mais orelhas-de-pau, o primeiro está voltado para onde o sol nasce e o segundo para onde o sol se põe, tendo estes pontos de referências poderá se orientar, ou então acompanhe a corrente do curso de água que encontrar, no sentido nascente, foz, certamente encontrará um local habitado; para se alimentar há os palmitos e as frutas de sabor adocicado, assim como, as que os macacos comem, pode comer sem medo, ao ouvir alarido de canto de pássaros misturado com gritos de macacos e de outros animais, se retire do local, de forma normal, são índios testando sua coragem; encontrando no seu caminho cipós ou galhos entrelaçados obstruindo-o, não os cortes e nem os desmanche, contorne-os, deixando terçado, faca, ,machado, panela, outros utensílios e cachaça de presentes, se os índios os levarem estão aceitando como amigo. Ensinava-os a utilizar as plantas medicinais. Enquanto ' a maioria do grupo se ocupava na construção das instalações da sede do seringal, Zé Severino, justiniano, o toqueiro e mais três roçadores, ao amanhecer deixavam o acampamento adrentando na floresta. Zé Severino como mateiro seguia na dianteira, ao encontrar uma árvore de seringueira, gritava orientando o picadeiro, responsável pela abertura da picada a qual ia ligando as seringueiras encontradas entre si, após esse seguiam os roçadores e toqueiro, os primeiros alargando a picada, roçando-a e o segundo retirando os tocos eliminando quaisquer empecilhos ao deslocamento dos seringueiros. Cada estrada contendo de cem à duzentas seringueiras, o conjunto de cinco estradas e a barraca do seringueiro, constituíam a colocação do seringueiro.

Implantado o seringal contendo vinte colocação e com possibilidade de expansão, Zé Severino, tomando por base o igarapé principal, seus afluentes e subafluente, traçou um tosco mapa contendo um área de 23.500 há. Justiniano o designou gerente do seringal, o qual foi denominado Esperança do Mutum Paraná e viajou a Santo Antônio levando o esboço do mapa para a empresa providenciar a sua elaboração e escrituração de propriedade do seringal, bem como negociar o adiamento do pagamento da primeira parcela do financiamento com entrega de borracha, de três para doze meses e aviamento necessário a contratação e manutenção dos seringueiros. Sua proposta foi aceita. Feito o contrato com os seringueiros, estes antes de serem encaminhados para as respectivas colocações, os advertiu ser totalmente proibido quaisquer atos de agressão aos índios, suas provocações deveria ser respondidas com gestos de amizade, a ofertas de presentes depositados nos locais de suas ocorrências, à administração as restituiria ao seringueiro. Essa estratégia de convivência pacífica aconselhada por Zé Severino, rendeu dividendos positivos, os índios nunca atacaram o barracão, nem os seringueiros, como também não inutilizavam as estradas de seringa, derramando o látex recolhido e furando as tijelinhas receptoras. E certa manhã surgiram na orla da floresta que circundava o barracão, os seus moradores entraram em pânico, empunhando seus rifles e carabinas, as poucas mulheres procurando refúgio e próprio Justiniano demonstrava nervosismo. Zé Severino procurou acalmá-lo, lhe dizendo que a presença dos índios se tratava de uma visita cordial, visto estarem acompanhados de crianças. Justiniano determinou que todos guardassem suas armas prendessem os cachorros e evitassem qualquer demonstração de agressividade ou temor. Acompanhado de Zé Severino e do guarda-livros, desarmados, foram ao encontro dos índios e com gestos convidando a se aproximarem e chegarem ao barracão. Lentamente esses com suas mulheres e crianças se deslocaram na direção do terreiro da administração, os seus cocares de penas multicoloridas, ondulantes pelo vento, pareciam refletir os raios de sol da manhã, a vagareza do caminhar e a expectativa da espera, pareceu durar uma eternidade o tempo gasto pelos visitantes até chegarem ao barracão. Houve troca de presentes, aos três que havia ido ao seu encontro, presentearam com cocares e colares de contas e dentes de animais, aos demais homens e mulheres com colares, pulseiras, abanos, cestas e paneiros, sendo retribuídos com terçados, facas machados, panelas, espelhos, colares, pulseiras e tecidos. Foi oferecido almoço regado a cachaça, a noite, o jantar, da mesma forma, e uma festa no terreiro iluminado por uma grande fogueira, havendo ao som da sanfona, do zambumba e das violas, exibição de danças bolivianas, nordestinas e indígenas. Pela manhã o tuxaua ao se despedir convidou o Justiniano e seus comandados, a visitar em sua taba, dando-lhes roteiro, o que foi realizado algumas semanas posteriores com as mesmas demonstrações de apreço e amizade por ambas as partes, ficando estabelecido um pacto de respeito a paz.

Justiniano tinha uma preocupação que lhe tirava o sono, era como promover os meios para aumentar seus lucros, quitar o financiamento o mais breve possível, se libertando da tutela dos bolivianos da empresa Suárez & Hermanos. Uma alternativa seria não pagar o saldo dos seringueiros, porém impraticável, pois seria inevitável a debandada desses é a propagação da notícia ' da medida por todo o vale do Madeira, resultando em não mais conseguir trabalhadores para seu seringal. Uma outra, seria pagar o saldo ao seringueiro, tocaiá-lo e o matar tendo o dinheiro de volta. Decidiu-se por essa, contratando quatro jagunços dizendo ser para a segurança do barracão, porém, exigindo desses o máximo sigilo, de suas reais funções a qual era fazer aquele serviço, o de tocaiar e eliminar o seringueiro de posse do saldo pago.

Justiniano ao fim de cada fabrico, fazia questão de pagar os saldos aos seringueiros, na presença de todos, em uma mesa instalada na frente do barracão, abraçando-os, desejando-lhes sorte e bom proveito do dinheiro ganho com seu trabalho e se quisessem poderia retornar a qualquer tempo ao seringal Esperança, que seriam bem vindos. Os jagunços os aguardava escondidos em uma curva estreita do rio, os matava a tiro, amarravam pedras em seus corpos e esses na canoa, afundando-a com sua carga macabra. A noite no silêncio do escritório do barracão, certificando-se de não terem sido percebidos, sorridentes anunciavam, "patrão o serviço foi feito/ lhe passando o dinheiro recolhido, esse lhes pagava o preço ajustado por cada seringueiro assassinado.

Decorridos uns cinco anos Justiniano havia pago o financiamento à empresa, viajando várias vezes à Manaus, Belém e Rio de Janeiro, com cartas de apresentação dessa, as suas filiais recomendando-as em lhe atender no que necessitasse. No Rio de Janeiro comprou uma patente de coronel da Guarda Nacional, e em Fortaleza casou com uma moça de sua elite social, instalando-a em um palacete que comprou em Manaus para sua residência. Após doze anos de vida na selva trabalhando no seu seringal Esperança e de haver perdido seu dileto companheiro e orientador Zé Severino, de morte morrida causada por uma doença sem cura, resolveu descansar usufruindo do dinheiro que conseguiu amealhar. Ofereceu o seringal, a portentoso empresário do Ceará, padrinho do seu primeiro filho, o coronel Gomercindo Cajazeira, este aceitou a oferta comprando o seringal pelo preço ajustado sendo lavrada a escritura de transferência e posse, tendo Justiniano, proposto ao compadre efetuar o pagamento na sede do seringal perante todos seus moradores, inclusive o Tuxaua da tribo indígena sua aliada. Assim acordado, Justiniano regressou ao seringal, recomendando ao compadre que ao chegar a Santo Antônio do Rio Madeira, mandasse lhe avisar a fim de despachar uma embarcação para transportá-lo ao seringal, assim como ter o tempo disponível para convocar todos os seringueiros à sua sede.

O Coronel Gomercindo chegou ao seringal, com uma das malas recheadas dos contos de reis, foi recebido com festa sendo-lhe oferecido um lauto almoço com a participação de todos os convidados, ao término do qual

Justiniano lhe apresentou o tuxaua da nação dos jarus, o pessoal do seringal, gerente, guarda-livros, caixeiros, comboeiros, mateiros, toqueiros, seringueiros, e, por fins os seus homens de confiança, leais, paus-pra-todo-obra, prontos a servirem o patrão.

O Gomercindo na presença de todos, conforme o combinado, efetuou o pagamento da compra do seringal despejando a dinheirama em cima da mesa. Esta foi recolhida em saco encaixado. Justiniano abraçou o seu compadre, despediu-se de todos com um perto de mãos e um abraço afetuoso no Tuxaua. Sob aplausos embarcou na canoa e iniciou a decida do rio. Um dos jagunços perguntou ao novo patrão, se era para fazer o serviço, esse sem saber do que se tratava, lhe respondeu podem fazer o serviço.

Como de costume, altas horas da noite, sorrateiramente, entraram no barracão foram até o quarto do Coronel Gumercido, que já dormia, com cuidado o acordaram e sorridentes, anunciaram, “coroné o serviço foi feito”, entregando-lhe o saco contendo o dinheiro que havia passado ao seu compadre Justiniano em pagamento do seringal.

Glossário:

1. Trabalhador encarregado de localizar na floresta árvore de
seringueira;
2. Trabalhador encarregado de retirar os tocos da picada aberta
na floresta pelos picadeiros (roçadores), ligando as seringueiras entre si (estrada de seringa);
3. Trabalhador encarregado de abrir e roçar a estrada de seringa;
4. Trabalhador encarregado de transportar os víveres alimentícios
e os equipamentos de manutenção do seringueiro e necessários
ao seu trabalho, em montaria (canoa) ou em lombo de burro e
no retornou as pelas de borracha para a sede do seringal
(barracão);
5. Trabalhador encarregado de receber, estocar e despachar a
mercadoria para as colações (barraca do seringueiro com as
estradas de seringa), receber e armazenar após a pesagem e
devido registro das pelas de borracha, castanha e outros
produtos nativos;
6. Trabalhador responsável por toda a escrituração contábil do
seringal
7. Conjunto de 100 a 200 árvores de seringueiras ligadas entre si
por uma picada aberta na floresta;
8. Curso d'água de menor extensão e volume do que o rio;
9. Cogumelo;
10. Saco impermeabilizado com leite de seringa.


ABNAEL MACHADO DE LIMA, Amazonense, prosador, ex-professor das Universidades Federais do Pará e de Rondônia, membro do conselho Diretor desta última, membro da Academia de Letras, e do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, ex-conselheiro Estadual de Cultural e de Educação. Comendador da Ordem Marechal Rondon, condenação do Governo do Estado de Rondônia. Publicou diversos livros sobre história, geografia, educação, legislação e folclore de Rondônia.

ABNAEL MACHADO DE LIMA
Membro Fundador da Academia de Letras de Rondônia

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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