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Gente de Opinião

Abnael Machado

As vigarisses de um vigário


 
Nos vales dos rios Purus, Acre, Juruá e seus afluentes, no final do século XIX, a assistência espiritual era ministrada pelo pároco de Lábrea, município da província do Amazonas, padre Francisco Leite Barbosa, o qual além das funções da paróquia, desempenhadas ao seu modo, alheias as diretrizes canônicas e aos dogmas da Santa Madre Igreja Católica Romana, exercia as de agente de uma companhia de Seguros de Vida, e mais ainda as de proprietário de uma orquestra contratada para animar os eventos sociais: bailes comemorativos de batizados, casamentos, aniversários natalícios e datas cívicas. Assim com os fúnebres, acompanhamento de enterros e outros.

Os valores monetários dos contratos da orquestra, variavam de 200$000 (Duzentos mil reis) a 600$000 (Seiscentos mil reis), cobrados de acordo com as condições financeiras dos contratantes.

Anualmente visitava os seringais do Rio Acre, em desobriga, para ministrar os sacramentos, ocasião em que aproveitava para cobrar exorbitantes preços pelos serviços religiosos prestados e para receber esmolas para construção de capelas por ele projetadas.

Interpretando segundo sua óptica os evangelhos, e explorando de todas as formas imagináveis, a ingenuidade e o fanatismo religioso dos seringueiros, estabelecia o preço de suas espórtulas, assim tabelados:

1. Fixação de cruzes e orações especiais para proteger a barraca e o terreno do seringueiro da inundações pelas águas da enchente do rio. – 300$000 (Trezentos mil reis);

2. Celebração de Missa, variando de 100$000 (Cem mil reis) a 300$000 (Trezentos mil reis);

3. Batizado variando de 100$000(Cem mil reis) a 200$000 (Duzentos mil reis);

4. Casamento 500$000 (Quinhentos mil reis);

5. Contrato da orquestra 10$000 (Dez mil reis), por cada 10 (dez) minutos de execução. No caso de festa dançante, este valor pago por cada para de dançarinos.

No caso do item 1, se ocorresse inundação e desabamento do terreno, o padre justificava o corrido, em conseqüência de falta de fé do seringueiro. Com as afirmativas: “É preciso ter fé em Deus.” “O senhor não tem fé, é por isso que o rio “levou suas terras.” Agora é preciso comprar e fixar mais cruzes.” Caso as águas da enchente não atingisse o terreno do seringueiro, e este fosse agradecer ao padre, ele lhe dizia: “Você tem fé, é um bom cristão.” Mas precisa fincar mais uma cruz para o terreno ficar mais firme”.

No caso do item 3, aos filhos dos casados em regime civil, expedia o batistério com a ressalva, “Filho Natural”. Visto não reconhecer como legal, este ato civil. Mantendo aguerrida oposição e campanha oral nos sermões das missas e escrita nos jornais de Manaus e de Belém, contra a deliberação Cônsul Carneiro de Mendonço, em exercício na Aduana de Puerto Alonso, no Acre, em realizar casamentos civis no consulado, lhe reduzindo significativa fonte de renda financeira. Pois por cada casamento cobrava 500$000 (Quinhentos reis). Caso o noivo não dispusesse de tão elevada quantia adiava o casamento para o ano seguinte. Também se a noiva não tinha condições para comparecer, mediante a efetuação do pagamento, solicitava ao noivo que lhe indicasse a direção certa da barraca da noiva e, virando-se na direção da mesma, pronunciando o “conjugo vobis”, declarando-os casados pelo rumo, expedindo a devida certidão, assinada por ele e pelas testemunhas.

Para a realização dessa peregrinação, no começo da enchente do Rio Purus, tomava um navio em Lábrea, com destino à Vila de Xapuri, levando a reboque deste, três batelões de sua propriedade, carregados com cruzes de madeira, o altar portátil, os instrumentos de sua orquestra (Orquestra do Padre Leite), os respectivos músicos e outros empregados. Ao chegar a citada localidade, transferia-se para os batelões, descendo o rio fazendo escala em todos os seringais e visitas as barracas (colocações de seringueiros, em ambas margens dos rios Acre e Purus.

Após essa anual viagem de desobriga, o padre Leite retornava à Lábre com sacos recheados de dinheiro, e os três batelões lotados de donativos de todas natureza, para enriquecer à Igreja, consolidar a fé cristã e a glorificação de Deus, segundo o entendimento do Pároco, , para o qual os fins justificavam os meios empregados.

Glórias ao Padre Leite Barbosa, que certamente esta no gozo das benesses do Paraíso Celestial.


ABNAEL MACHADO DE LIMA
Ex-professor de História da Amazônia na Universidade Federal do Pará
Membro da Academia de Letras de Rondônia

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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