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AÇAÍ - Manejo adequado na entressafra mantém fornecimento o ano todo


Falta de açaí na entressafra faz muitos estabelecimentos fecharem no período - Foto: Ronaldo Rosa - Gente de Opinião
Falta de açaí na entressafra faz muitos estabelecimentos fecharem no período - Foto: Ronaldo Rosa


Com irrigação e adubação adequadas é possível reduzir em praticamente 100% a sazonalidade do açaí, fruto cuja safra vai de agosto a dezembro. Ao estabelecer um manejo adequado, pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) conseguiram manter a produção no período de entressafra nos açaizeiros de terra firme no estado do Pará.

“Nos plantios irrigados e adubados de acordo com as recomendações técnicas, a produção anual está distribuída quse igualmente na safra e entressafra, de 46% a 48% em cada”, explica o agrônomo João Tomé de Farias Neto, pesquisador da Embrapa. O cientista frisa que esse resultado é uma mudança drástica comparado à produção dos açaizais nativos de várzea, distribuída entre a safra, responsável por praticamente 90% da produção anual, e a entressafra (de janeiro a julho) que concentra, no máximo, 10% do volume produzido.

Nas áreas estudadas na região nordeste paraense, a irrigação diária por microaspersão deve ser concentrada em quatro meses no ano durante o período de estiagem, agosto a novembro ou setembro a dezembro, a depender da ocorrência de fenômenos climáticos. Para essa região, a pesquisa indica pelo menos 40 litros de água por touceira por dia no primeiro ano. A recomendação no segundo ano, são 60 litros diários de água por touceira. E a partir do terceiro ano, quando a palmeira começa a florescer e produzir frutos, é necessário aumentar substancialmente a oferta de água, para 120 litros por touceira a cada dia.

Produção variável na entressafra

Mas a pesquisa ainda enfrenta desafios, segundo revela o pesquisador Farias Neto. Um deles é a instabilidade de produção na entressafra. “Quando falamos em produção na entressafra não significa dizer que ela se dá ao longo dos seis meses de maneira linear. Em março e abril, por exemplo, há uma queda significativa na produção, chegando a praticamente zero”, relata.

As causas dessa instabilidade, de acordo com o especialista, ainda são desconhecidas. “Não sabemos ainda se é problema fisiológico, se é polinização, umidade relativa do ar. A pesquisa tem que avançar nesse sentido, estudar a fisiologia da planta.” Contudo, ele afirma que o primeiro passo já foi cumprido: plantar açaí em terra firme com irrigação e produzir na entressafra.



Pesquisador João Tomé Farias Neto explica a sazonalidade do açaí

Produção saltou de cinco para 180 toneladas

De acordo com as estatísticas da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará (Sedap), o estado produz aproximadamente 1,2 milhão de toneladas do fruto anualmente, e tem uma área de produção de cerca de 219 mil hectares, entre açaí manejado de várzea e plantado em terra firme. Apesar de não haver ainda uma estatística segura em relação à quantidade de hectares de açaí de terra firme plantados atualmente no Pará e no Brasil, alguns produtores já concentram suas atividades nas regiões nordeste do estado, principalmente no município de Tomé-Açu; além do oeste do Pará, nos municípios de Óbidos e Alenquer; e plantios nos estados da Bahia e do Maranhão. “Alagoas e Goiás já demonstram interessem em plantar acaí”, revela.

É o caso do agricultor Shigueru Hiramizo, no município de Tomé-Açu, a 250 quilômetros de Belém. Ele tem 60 hectares de açaí de terra firme com irrigação em franca produção, com uma média de 12 a 14 toneladas por hectare ao ano.

Mas nem sempre foi assim. Ele planta açaí desde 1996 e no meio do caminho já teve muitas perdas. Nos primeiros anos do plantio, Hiramizo obtinha no máximo cinco toneladas ao ano em 30 hectares no período da entressafra. “Isso é praticamente zero”, conta o produtor. Com o início da irrigação por microaspersão, o salto de produção de um ano para outro foi radical: de cinco passou para 100 toneladas. E continuou crescendo, atingindo 180 toneladas no terceiro ano. “Sem irrigação é impossível produzir”, afirma

Foto: Ronaldo Rosa

Relação custo-benefício atraente

O custo de implantação de um hectare de açaí irrigado gira em torno de R$ 8 mil a R$ 10 mil. “Ainda é alto, mas o salto de produção é impressionante", diz o o pesquisador Farias Neto. Ao definir os parâmetros de irrigação e adubação, a pesquisa mostra com exatidão a relação entre custo e benefício da atividade.

Em área de várzea, a produtividade média de açaí está em torno de quatro toneladas por hectare ao ano, com o manejo de mínimo impacto desenvolvido pela Embrapa. E em área de terra firme com adubação e irrigação, o produtor consegue alcançar 13 toneladas de frutos por hectare distribuídas ao longo do ano.

O pesquisador da Embrapa Alfredo Homma vem orientando estudos para estimar o custo operacional de produção de açaí irrigado de terra firme. O trabalho foi desenvolvido no município de Igarapé-Açu, nordeste paraense, e mostrou que o valor para a produção de uma lata do produto, cerca de 14 quilos do fruto in natura, gira entre R$ 10,00 e R$13,00, sem considerar o custo da extração efetuada pelo comprador. A análise leva em conta a produção em uma área de 30 hectares. Considerando que atualmente o custo da lata no período da entressafra chega a R$ 80,00, o ganho para o produtor é de mais de 400%, sem considerar os custos da implantação do projeto.

 

Entressafra é gargalo da cadeia produtiva

O açaí é um produto genuinamente paraense. Segundo dados de 2017 do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará é o maior produtor de açaí do Brasil, respondendo por 98,3% da produção nacional. Em 2017, segundo a Sedap, foram comercializadas 137 mil toneladas de polpa, mixes e açaí liofilizado, proporcionando um acréscimo de 14,6% no volume em relação ao ano anterior.

Mesmo com tecnologia para o plantio de açaí em terra firme, quase 90% do açaí produzido no estado vem do extrativismo das áreas de várzea. E a sazonalidade tem forte efeito sobre o mercado local, que fica com 60% da produção total do estado. “O ribeirinho que extrai o açaí fica praticamente sem renda na entressafra. Além disso, essa escassez afeta também a segurança alimentar, já que o fruto é a base da alimentação da população das regiões ribeirinhas”, conta Farias Neto.

Outro dado ressaltado pelo agrônomo da Embrapa é que 50% dos processadores artesanais na cidade de Belém fecham suas portas em virtude da escassez e do preço do açaí no mercado no período da entressafra.

O empresário Nazareno Alves trabalha com o processamento de açaí, em Belém, há 14 anos. Atualmente possui uma cadeia de restaurantes onde comercializa o produto e planta açaí irrigado em terra firme no município de Igarapé-Açu, no nordeste do Pará. 

Mesmo com a profissionalização do seu negócio, a entressafra ainda impacta negativamente na qualidade do produto que comercializa. “Para manter a oferta do açaí batido no restaurante, eu compro o fruto de áreas mais distantes que ainda produzem um pouco nesse período. Como ele tem que ser transportado já gelado, a qualidade é muito inferior. Além disso, tem o custo do atravessador que faz esse transporte”, relata o empresário.

Nazareno começou a plantar açaí em 2015 e logo no início teve prejuízo. “Plantei 50 hectares de uma só vez, e eu só não contava com o El Niño. Todas as plantas morreram. Foi um baita prejuízo”, relembra o empresário. Ele afirma ainda que há muitas lacunas de informação para a produção de açaí irrigado de terra firme. “Não é como a soja, o milho, o café, que já temos informação consolidada há muitos anos. Plantar açaí é uma nova agricultura”, reconhece.

Ele diz ainda que o único meio para resolver essa questão é o plantio de açaí em terra firme com irrigação. “A pesquisa agropecuária é fundamental nesse processo. É ela que nos fornece as informações mais seguras. Eu só plantei açaí pelo conhecimento que eu tive da Embrapa”, destaca o empresário.

Diante desse cenário, Nazareno Alves e outros produtores criaram, em junho deste ano, a Associação de Plantadores de Açaí Irrigado de Terra Firme do Brasil. É a primeira associação desse segmento e tem como objetivo trabalhar de forma cooperada para suprir a demanda de açaí na entressafra no Pará, que tem entre os maiores produtores o município de Igarapé-Miri, com cerca de 305,6 mil toneladas produzidas ao ano, respondendo por 28% de toda a produção do Brasil, seguido por Cametá, Abaetetuba, Bujaru e Portel.   

“Nosso objetivo é organizar o setor produtivo e buscar parcerias que nos ajudem a fortalecer a cadeia produtiva do açaí irrigado em terra firme. Somos mais de 30 produtores e estamos empenhados, investindo, nos legalizando, pesquisando as melhores técnicas. Queremos abastecer os consumidores paraenses, o mercado externo no período da safra, mas principalmente da entressafra, quando falta o açaí”, projeta o empresário.

Foto: Ronaldo Rosa

 

Uma cultivar de açaí “paidégua"

Desde 2003, o pesquisador João Tomé de Farias Neto trabalha com o melhoramento genético da cultura do açaí para a produção na entressafra e este ano vai lançar a cultivar (variedade cultivada) de açaizeiro de terra firme BRS Paidégua. O novo material tem alta produtividade o ano todo, frutos menores de acordo com a necessidade do mercado e maior rendimento de polpa.

Para lançar a nova cultivar de açaí de terra firme, o pesquisador mapeou no estado do Pará os municípios que apresentavam boa produtividade de açaí principalmente no primeiro semestre, quando é a entressafra. Desse mapeamento, a pesquisa coletou plantas nos municípios de Afuá, Chaves e Anajás.

As matrizes foram cultivadas no campo experimental da Embrapa em Tomé-Açu, no nordeste paraense, onde a pesquisa avaliou o comportamento delas em terra firme e a quantidade de água necessária ao longo das safras. A partir da seleção das 45 melhores plantas, foi desenvolvida a BRS Paidégua. “É uma cultivar para terra firme que produz na entressafra, com todas as orientações de manejo e irrigação", conta João Tomé Neto. 

Foto: Ronaldo Rosa

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