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MPF pede que gestão da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, passe para a União

Após cessão do território para o Estado de Rondônia, a área degradada na unidade de conservação mais que duplicou


Imagem: InfoAmazônia - Mapas da Reserva Extrativista em 2000 e em 2020, lado a lado, revelando o desmatamento - Gente de Opinião
Imagem: InfoAmazônia - Mapas da Reserva Extrativista em 2000 e em 2020, lado a lado, revelando o desmatamento

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública pedindo que a Justiça Federal determine, com urgência, que a posse da Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, em Rondônia, passe para a União e que a gestão da área seja feita pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Com isso, o poder de polícia administrativa deverá ser da autarquia federal, que poderá autuar, multar e apreender gado no interior da Resex.

A Resex Jaci-Paraná foi criada em 1996 (
Decreto 7.335/1996 e Lei Estadual 692/96) nas áreas de Porto Velho, Campo Novo de Rondônia e Nova Mamoré. A finalidade era proteger o meio ambiente e assegurar a preservação da população extrativista então residente no local, formada por seringueiros, coletores de castanhas e de cipós, com pequenas culturas de subsistência. 

A União cedeu a Resex Jaci-Paraná gratuitamente ao Estado de Rondônia para ser uma unidade de conservação estadual. Pela legislação, a cessão de uso gratuito pode ter “reversão automática à União, independentemente de qualquer indenização” se a utilização for diferente da estabelecida – no caso, outros usos que não a preservação ambiental.

Segundo o MPF, o dever de proteção ambiental tem sido sistematicamente descumprido pelo estado. A Resex sofre há anos com invasões por desmatadores, grileiros, pecuaristas e caçadores. Por isso, a ação pede que a posse da área passe à União Federal, com a manutenção de seu status de unidade de conservação. A gestão deverá sair da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e ir para o ICMBio.

Para o MPF, a medida não deve ser “um prêmio ao Estado de Rondônia, reconhecidamente omisso e prejudicial ao meio ambiente, e uma punição ao ICMBio”. Por isso, a ação pede que o Estado de Rondônia seja condenado a repassar ao ICMBio, anualmente, dinheiro para garantir a manutenção da unidade, a retirada de possíveis invasores (desintrusão) e a recuperação integral de danos ambientais causados por ação e omissão.

Ações e omissões - O MPF afirma que há negligência reiterada e falta de compromisso com a proteção por parte do Estado de Rondônia. Omissões na fiscalização, insuficiência de recursos destinados à gestão das unidades e até mesmo ações intencionais fragilizam a proteção ambiental.

Várias unidades de conservação estaduais foram criadas pelo governo do Estado em terras públicas da União matriculadas como devolutas ou de propriedade ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Após a criação, o estado solicitava a regularização fundiária e implantação das unidades de conservação.

Em 2014, o governo federal cedeu ao Estado de Rondônia o uso gratuito de áreas para várias unidades de conservação, incluindo a Resex Jaci-Paraná. Em paralelo a esse trâmite, o governo de Rondônia e a Assembleia Legislativa agiam para extinguir ou diminuir as unidades de conservação estaduais já existentes, sendo uma delas a própria Resex Jaci-Paraná. As tentativas foram barradas pela Justiça, que declarou inconstitucionais os decretos estaduais de redução de áreas.

Sete anos depois, em 2021, o governo do Estado e a Assembleia Legislativa tentaram diminuir a área da Resex de 191 mil hectares para 22 mil hectares (uma redução de mais de 88%), com a justificativa de que haveria “dificuldade do Poder Público em implementar Políticas de Proteção Ambiental” e que existiriam “cerca de 120 mil cabeças de gado no interior da Reserva, impossibilitando a regeneração natural”. A desafetação (redução da área protegida) e a pretensão de regularização das invasões (
Lei Complementar 1.089) foram, no entanto, declaradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Estado. 

Em abril deste ano, a Assembleia Legislativa promulgou a 
Lei Complementar 1.274 para “legalizar” as fazendas de gado que se estabeleceram dentro da Resex Jaci-Paraná e perdoar crimes ambientais. O governador de Rondônia barrou a lei, mas a Assembleia rejeitou o veto e promulgou a norma. Isso levou o MP/RO a ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça de Rondônia, ainda sem decisão. 

Atividades irregulares - Ao longo dos anos, a atividade agropecuária na Resex saltou de 43.104 hectares (21% da área total) em 2012 para 145.973 hectares (74%) em 2022. O aumento foi de 239%, ou seja, mais do que duplicou em 10 anos, exatamente no período da cessão de uso para o Estado. Já área de floresta caiu de 77% para 25% no mesmo período.

A Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia (Idaron) informou que há 898 estabelecimentos rurais dentro da Resex e a presença de 216 mil cabeças de gado. De 2015 a 2023, o número de bois na Resex triplicou.

Ao apresentar essas informações, o MPF defende na ação que o governo de Rondônia e a Assembleia Legislativa não apenas se omitiram no dever de fiscalizar, mas agiram ativamente para degradar a Resex Jaci-Paraná, por meio de leis inconstitucionais.

Desde 2004, o MPF e o Ministério Público de Rondônia (MP/RO) já ajuizaram mais de 50 ações judiciais contra invasores na Resex Jaci-Paraná. Os resultados foram algumas reintegrações de posse com retirada dos animais e invasores, mas muitas ações não surtiram efeito.

Pedidos urgentes à Justiça:
    • Posse imediata e gestão ao ICMBio, que poderá fazer as autuações administrativas, aplicações de multas e apreensões de gado;
    • Determinação ao ICMBio para que elabore, em 90 dias, plano de retirada de invasores da Resex, com previsão de apreensão administrativa e venda de todas as cabeças de gado, com valor a ser revertido para restauração ambiental da unidade;
    • Início da retirada de invasores em 30 dias após apresentação do plano à Justiça;
    • Obrigação ao Estado de Rondônia para fornecer servidores, equipamentos e a verba para retirada de invasores;
    • Proibição do Estado de Rondônia de regularizar criação de gado na Resex ou perdoar infratores ambientais, com base na Lei Complementar Estadual n. 1.274/2023, com multa de R$ 50 mil por descumprimento;
    • Prazo de 12 meses para completa retirada de invasores, após decisão judicial liminar, sob pena de multa de R$ 100 mil ao ICMBioe de R$ 500 mil ao Estado de Rondônia.


Pedidos definitivos à Justiça:
    • Confirmação de todos os pedidos urgentes deferidos, especialmente a retirada de invasores;
    • Arrecadação da posse pela União, por meio da Superintendência de Patrimônio da União (SPU);
    • Determinação da gestão da Reserva ao ICMBio por tempo indeterminado;
    • Condenação do Estado de Rondônia a 1) pagar ao ICMBio, anualmente e em valores corrigidos pela inflação, a verba necessária para gestão da Resex até que os danos causados sejam integralmente reparados; 2) recuperar a vegetação nativa com plano de recuperação de área degradada a ser apresentado em 90 dias da sentença e execução após 45 dias; e 3) pagar R$ 10 milhões como compensação por danos morais coletivos, revertidos a projetos de reflorestamento e recuperação ambiental de outras áreas públicas em Rondônia.
    • Federalização de todos os processos judiciais em trâmite na justiça estadual que tratem de áreas na Reserva Extrativista Jaci-Paraná.

A ação civil pública tramita na Justiça Federal com o nº 1013928-78.2025.4.01.4100. 

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