Segunda-feira, 10 de novembro de 2025 - 14h25

“Se me enganas uma vez, a culpa é tua.
Se me enganas duas vezes, a culpa é minha”
Anaxágoras (filósofo grego)
Um dos clichês dos romances policiais do século XX
é que o mordomo é sempre o principal suspeito, ou mesmo culpado pelo crime ou
delito cometido no enredo da história. O que não deixa de ser uma saída fácil
demais para o mistério engendrado pelo autor.
No caso do setor elétrico, cuja privatização é o
enredo principal desta triste história vivida pelo povo brasileiro, tudo
começou com os argumentos de que o setor público não tinha os recursos
financeiros necessários para investir na expansão, na inovação e modernização ,
para as exigências do desenvolvimento do país. Igualmente era questionada a
capacidade gerencial do poder público, alguns afirmavam que o setor privado é
mais eficiente, competitivo, e assim poderia oferecer a tão desejada modicidade
tarifária, e excelência nos serviços prestados ao consumidor.
A implementação do modelo mercantil fazia parte da
transição econômica proposta pelo governo de plantão, de um modelo de
crescimento impulsionado pelo Estado, para o crescimento impulsionado pelo
mercado. O que se verificou, ao longo dos últimos 30 anos, desde a primeira
privatização de uma distribuidora no governo do neoliberal FHC, é que os
argumentos utilizados para justificar a privatização caíram por terra.
A
privatização desestruturou o setor elétrico brasileiro, e não funcionou para os
consumidores. Mas para os agentes do mercado, o Brasil tornou-se o paraíso, o
país do capitalismo sem risco. A falta de planejamento, os problemas na
regulação e fiscalização pelo conflito de interesses gerados, os reajustes
acima da inflação baseados em contratos de privatização com cláusulas
draconianas, e o precário e comprometido dos serviços prestados aos
consumidores, afetou drasticamente a qualidade dos serviços, devido à falta de
investimentos e a redução do número de funcionários qualificados, tudo para
aumentar os lucros das empresas privadas.
A gota
d'água para a desestruturação completa do setor elétrico foi a privatização da
Eletrobrás. A partir de então perdemos a gestão dos reservatórios das usinas
hidroelétricas para o setor privado, abrimos mão do planejamento e das
políticas públicas para o setor.
No contexto pós privatização, surgiram um
emaranhado de órgãos públicos e privados, que fragmentaram a lógica do sistema
elétrico brasileiro, até então baseado em uma operação colaborativa,
cooperativa, flexível, cuja base era a geração hidrelétrica. Que ainda continua
contribuindo com pouco mais de 50% na matriz elétrica nacional.
Uma das
consequências, a principal deste desarranjo estrutural do setor, foi o aumento
estratosférico das tarifas, tornando inacessível para grande parte da população
o acesso a este bem essencial à vida. Para resolver os problemas criados com a
privatização, nunca mencionada pelos que defendem este “crime de lesa-pátria”,
mudanças, reestruturações, reformas, modernização foram realizadas ao longo dos
últimos trinta anos sem que os problemas crônicos fossem solucionados. A mais
recente “reforma estruturante” foi a proposta contida na Medida Provisória
1304/2025, conhecida como “MP do setor elétrico”, encaminhada pelo Ministério
de Minas e Energia para o Congresso Nacional.
Em tempo
recorde, bastou menos de 5 minutos para a MP ser aprovada por ambas casas
legislativas. Entre tantas medidas pontuais aprovadas, nada estruturantes, e
sem alteração direta nas tarifas. O agora Projeto de Lei de Conversão no
10, aguarda a sanção presidencial. Foi aprovado que todas as fontes de energia
(renováveis e não renováveis), serão utilizadas para a geração elétrica.
Inclusive a nucleoeletricidade, que inviabiliza o discurso que a MP vai
baratear a conta de luz. O custo da eletricidade nuclear pode chegar a quatro
vezes maior que a energia gerada pelas fontes renováveis. Além de prorrogar até
2040, o prazo para a contratação de usinas termelétricas a carvão mineral,
combustível fóssil mais poluente e danoso, para o aquecimento global.
Entrevistado sobre a aprovação da MP, o ministro de
Minas e Energia Alexandre Silveira, reconheceu que “os lobbies venceram o
interesse público”, sem dúvida se referindo aos diversos lobbies que atuam
junto ao setor, como o “lobby das baterias”, do “curtailment” (cortes na
geração renovável) que briga pelo ressarcimento financeiro, o da “geração
distribuída”, do “carvão”, o “lobby das hidroelétricas” que querem reduzir as
exigências ambientais, da “abertura do mercado”, o “lobby do nuclear”, entre
outros. Por sua vez o ex-ministro de Minas e Energia, e atual senador Eduardo
Braga (PMDB/PA), relator da MP no Senado, ao ser perguntado sobre a aprovação,
com mudanças em relação à proposta original do governo, disse que “foi
discutido e aprovado o que foi possível, na democracia cada um defende seus
interesses, e foi isso que aconteceu”. Declarações que evidenciam a ausência do
Estado na definição das regras, normas, procedimentos. Não é mais o governo
federal, através do Ministério de Minas e Energia, quem define as políticas do
setor elétrico, quem planeja, coordena e implementa, são os interesses
privados.
Com relação a geração distribuída
com fontes renováveis é inegável os avanços na matriz elétrica brasileira com
mais de 5 milhões de sistemas instalados com a micro (até 75 kW) e minigeração
(de 75 kW até 5 MW), beneficiando em torno de 20 milhões de brasileiros,
todavia uma parcela modesta em relação aos 93 milhões de unidades consumidoras
cativas existentes.
A velocidade de introdução das
fontes renováveis, principalmente pela geração centralizada, sem dúvida tem
colaborado para criar uma instabilidade no setor elétrico. Devemos repensar e
reconhecer que a intermitência gera instabilidade na rede elétrica. Várias
alternativas existem para amenizar a instabilidade, implicando em inovação e
altos investimentos, como por exemplo: reforço da rede de transmissão,
armazenamento, uso de compensadores síncronos, sistemas híbridos com integração
de mais de uma fonte, além da gestão inteligente da demanda com eficiência
elétrica. A questão é quem irá pagar a conta.
Estes empreendimentos de geração
centralizada necessitam de grandes áreas, e gera impactos tanto nas pessoas que
vivem no entorno das instalações, como na natureza, com o desmatamento da
Caatinga. É neste bioma, no Nordeste brasileiro, que está localizado mais de
85%, das centrais eólicas do país, e 60% da capacidade instalada de usinas
solares de grande porte.
Não se pode minar as
vantagens comparativas das fontes renováveis pela captura do mercado destes
empreendimentos, que pelo frenesi de novas oportunidades de negócios agem com
irresponsabilidade, leviandade, e em alguns casos, criminosamente.
No momento atual da completa
falta de planejamento, de coordenação existente no setor elétrico, a limitação
da participação da mini geração solar, das usinas solares e das centrais
eólicas na matriz elétrica, seria uma ação a ser discutida para conter a sobre
oferta, paralelamente a outras medidas. Em relação ao “curtailment” foi
aprovado na MP, o ressarcimento parcial e retroativo para as empresas
geradoras, não sendo considerado que o corte das renováveis é um risco inerente
ao próprio negócio.
O que se
tem verificado historicamente, é que as políticas públicas no Brasil
priorizaram a expansão da oferta de energia para atender ao crescimento da
demanda, em detrimento de medidas robustas de eficiência energética. O que
resulta em um modelo que busca primariamente aumentar a capacidade de geração,
o que tem acontecido com o crescimento vertiginoso da geração centralizada com
fontes renováveis, e com propostas insanas de expandir o parque nuclear. Tal
abordagem leva ao aumento de custos da energia, ao desperdício e aos impactos
socioambientais.
Embora a
oferta de energia tenha sido historicamente dominante, a mudança de paradigma é
uma necessidade diante dos desafios provocados pela crise ecológica. E a
transformação ecológica tem chances de acontecer se a sociedade consciente
deixar de ser meros espectadores e se tornarem protagonistas.
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