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Emenda à Constituição vai remexer o ordenamento orçamentário nacional

Há por aí, a dar com o pé, pseudointelectuais de toda ordem que se autoproclamam defensores da cultura, militantes disso e daquilo, que até o momento simplesmente não se pronunciaram sobre o tema


Emenda à Constituição vai remexer o ordenamento orçamentário nacional - Gente de Opinião

Enquanto boa (boa no sentido quantitativo, não necessariamente no qualitativo) parte da imprensa concentra suas atenções na manipulação de dados epidemiológicos que determinem se Bolsonaro vai para o céu ou para o inferno, corre despercebida e a passos largos no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que pode imprimir profunda transformação na governança orçamentária nacional, ou seja, nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Trata-se da PEC 187/2019, que, conforme reza sua ementa, “Institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e extingue aqueles que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à promulgação desta Emenda Constitucional, e dá outras providências”.

É interessante observar que não é só a imprensa que se alheia ao tema. Mas também operadores e docentes do direito, mesmo aqueles que posam de jurisconsultos de plantão nas redes sociais, nada dizem, nada comentam a respeito, em que pese, pelo menos em tese, disporem de conhecimentos que lhes permitam adentrar o tema com a devida profundidade e trazer à sociedade informações necessárias à avaliação da atuação dos que a representam no parlamento. E o que é melhor: intervir proativamente nessa atuação, utilizando-se dos devidos recursos tecnológicos hodiernos, em especial as redes sociais.

Pois bem, são autores de tal proposta de emenda à Carta de 1988 senadores de um interessante espectro partidário, que vai do Cidadania, de tradição comunista, ao Partido Progressista, herdeiro necessário da extinta Arena: Fernando Bezerra (MDB/PE), Juíza Selma (Podemos/MT), Alessandro Vieira (Cidadania/SE), Mailza Gomes (PP/AC), Maria do Carmo Alves (DEM/SE), Arolde de Oliveira (PSD/RJ), Simone Tebet (MDB/MS), Carlos Viana (PSD/MG), Chico Rodrigues (DEM/RR), Ciro Nogueira (PP/PI), Confúcio Moura (MDB/RO), Dário Berger (MDB/SC), Eduardo Braga (MDB/AM), Eduardo Girão (Podemos/CE), Eduardo Gomes (MDB/TO), Elmano Férrer (Podemos/PI), Esperidião Amin (PP/SC), Izalci Lucas (PSDB/DF), Jorginho Mello (PL/SC), Lasier Martins (Podemos/RS), Luis Carlos Heinze (PP/RS), Luiz do Carmo (MDB/GO), Major Olimpio (PSL/SP), Marcio Bittar (MDB/AC), Marcos do Val (Podemos/ES), Mecias de Jesus (Republicanos/RR), Nelsinho Trad (PSD/MS), Omar Aziz (PSD/AM), Oriovisto Guimarães (Podemos/PR), Otto Alencar (PSD/BA), Plínio Valério (PSDB/AM), Rodrigo Pacheco (DEM/MG), Tasso Jereissati (PSDB/CE), Telmário Mota (PROS/RR), Vanderlan Cardoso (PP/GO), Wellington Fagundes (PL/MT), Zequinha Marinho (PSC/PA). Como se vê, a diversidade não é apenas de partidos, mas também de unidades da Federação.

Perceba-se agora a gravidade do conteúdo da norma em gestação. Não bastasse tornar mais rara a criação de fundos, uma vez que estabelece a obrigatoriedade de serem criados somente por meio de lei complementar, que tem um rito legislativo mais complexo que as leis ordinárias, inclusive por exigir maioria qualificada para sua aprovação e não a maioria simples, a Emenda ora proposta, uma vez entrando em vigor, implicará a extinção dos fundos hoje existentes, se não forem eles objeto de ratificação legislativa, conforme o artigo 3º, caput: “Art. 3° Os fundos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícípios existentes na data da promulgação desta Emenda ConstitucionaI serão extintos, se não forem ratificados pelos respectivos Poderes Legislativos, por meio de Lei Complementar específica para cada um dos fundos públicos, até o final do segundo exercício financeiro subsequente à data da promulgação desta Emenda Constitucional.”

Mas, como todo bom artigo de lei tem seus parágrafos, onde são contempladas as ressalvas, as exceções, os tratamentos especiais, é de se registrar o que diz em seguida o texto: “§1º Não se aplica o disposto no caput para os fundos públicos previstos nas Constituições e Leis Orgânicas de cada ente federativo, inclusive no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.” E mais à frente vê-se o destino que será dado ao patrimônio dos fundos que vierem a deixar de existir: “§2° O patrimônio dos fundos públicos extintos em decorrência do disposto neste artigo será transferido para o respectivo Poder de cada ente federado ao qual o fundo se vinculava.”

Os números, tanto a quantidade de fundos que serão extintos como a quantidade de dinheiro que movimentam, conforme a eles se referem os autores da proposta em sua justificativa, são, sem dúvida, tentadores: “Para a União, a Proposta de Emenda Constitucional, possibilitará num primeiro momento a extinção de cerca de 248 fundos, sendo a que a maioria desses (165) foram instituídos antes da Constituição de 1988, em um ordenamento jurídico, onde esses fundos possuíam uma função que não é mais compatível com o ordenamento constitucional vigente após a Constituição de 1988. Essa proposta de Emenda Constitucional, no âmbito da União, permite a desvinculação imediata de um volume apurado como superávit financeiro da ordem de R$ 219 bilhões, que poderão ser utilizados na amortização da dívida pública da União.”

Há por aí, a dar com o pé, pseudointelectuais de toda ordem que se autoproclamam defensores da cultura, militantes disso e daquilo, que até o momento simplesmente não se pronunciaram sobre o tema. E não é só na cultura, outros setores também teus seus militantes de fachada, gente que adora um holofote, mas que simplesmente não profere uma palavra sequer diante do que se tem à frente hoje no Senado Federal e que se derramará por sobre todo o ordenamento orçamentário nacional. Os fundos, mormente aqueles administrados por colegiados em que têm assento representantes da sociedade civil, têm sido uma garantia efetiva para a execução de muitas políticas sociais relacionadas a direitos fundamentais. Portanto, sua extinção geral é tema que não pode passar sem análise por parte de quem se pretenda efetivamente militante do terceiro setor.

Grande parte dos projetos sociais, especialmente os executados em parcerias governamentais com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, têm recursos oriundos de fundos que entrarão no rol da extinção compulsória. A menos que haja uma militância efetiva de quem se disponha a lutar por um ideal verdadeiramente social, é esse o quadro que se desenha. É hora de terem os verdadeiros líderes de organizações do terceiro setor disposição para estudar a matéria, acompanhar sua tramitação e pressionar a classe política, nas três esferas, para que os impactos da nova ordem orçamentária que se pretende estabelecer não anulem o que se conseguiu construir até o momento. Há pelo menos 15 anos é nessa linha ação que atua o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça, instituição na qual tive participação ativa nessa década e meia, integrando seu quadro de associados fundadores, de gestores e também de pesquisadores. No terceiro setor, faço o que compete ao terceiro setor. Nunca me servi dele para ganhar vitrine que favorecesse qualquer espécie de benefício no setor público.

Neste momento que o país atravessa, é de fundamental importância que as organizações da sociedade civil enxerguem a dimensão legal-orçamentária dos recursos públicos e não limitem seu olhar à dimensão. A questão se resume a “onde está o dinheiro” ou “quando estará disponível o dinheiro”. É preciso ir além: saber por que o dinheiro está aqui ou ali e como fazer para que esteja lá ou acolá. É preciso se livrar de mentiras, como essa de que a Lei 13.019 é o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, porque nunca foi nem nunca será. O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil é o Código Civil, que estabelece as regras genéricas para a constituição de pessoas jurídicas e, mas especificamente, as regras para a constituição de associação, natureza jurídica mais frequente no terceiro setor. A Lei 13.019 é meramente marco regulatório das parcerias que eventualmente venham ser firmadas entre o setor público e organizações da sociedade civil. E quem cria uma associação já pensando em tais parcerias pode ter certeza que o registro de seus estatutos equivale não a uma certidão de nascimento, mas um atestado de óbito.

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