Segunda-feira, 10 de novembro de 2008 - 20h03
Bruno Peron Loureiro
Fulano inicia uma aposta na Mega-Sena. Se ganhar, já sabe o que vai fazer com o dinheiro: comprar o carro que lhe seduziu nos comerciais, casa própria, televisor de plasma; pensa em mudar radicalmente de vida. Se sobrar, comprará presente para a sogra. Hoje fulano almeja tudo isso; amanhã quem sabe o que. As vontades sofrem influência. As apostas exercem um fascínio diante das instabilidades que nosso país atravessa. Dão a possibilidade de mandar tudo pelos ares. Talvez este seja seu atrativo.
Um é ludibriado a pagar mais caro por alimentos básicos e consumir por meio de obtenção de créditos infindáveis (pagando anos por um carro ou uma moto), enquanto o outro, a sonhar com produtos que nenhuma poupança poderá comprar nos próximos quinze anos porque o salário tem que ser gasto quase integralmente em necessidades básicas, como aluguel, alimentação e energia elétrica. O primeiro compra endividando-se, enquanto o segundo tem visões.
O Brasil, num sentido, experimenta um momento de crescimento elevado do consumo com pouca sustentação no setor produtivo, pois o aumento da área de plantação canavieira não tem implicado preço mais baixo do álcool nas bombas de combustível, nem o costume brasileiro de comer arroz, feijão e bife tem-se mantido sem que o feijão se substitua por lentilhas ou se comprem fatias de carne mais finas. Isso sem falar da quantidade de empresas transnacionais que se establecem aqui dando-nos a ilusão de que o país se industrializou.
Em outro sentido, a oferta de alguns segmentos do mercado não alcança concretamente todos os consumidores enfeitiçados pela propaganda do carro do ano que sai na televisão ou do apartamento no condomínio recém-inaugurado, que supostamente dariam mais conforto e segurança à família. Por maiores que sejam as prestações, elas ainda estão fora de muitos orçamentos familiares.
É nesta brecha que entra a cultura de loteria, em que se tenta a sorte para faturar milhares ou milhões de reais. Alguns brasileiros tentam uma combinação específica de números há mais de dez anos, enquanto outros lhe confiam ajuda aos seus protetores celestiais para que a sequência seja sorteada. Aliás fortuna é confundida com dinheiro. A sorte é o jogo do acaso, que enriquece subitamente ou alonga a esperança.
Pressagio que o caminho para a realização pessoal no Brasil traça-se pela dedicação, inovação e ousadia. E outros elementos que exorcizam a sorte. Há inúmeros exemplos dos que subitamente mudam de vida em nossa sociedade por forças lotéricas, porém esta não é uma regra de oportunidade. Ademais, bens de luxo não deixam qualquer um realizado; menos ainda que todo produto publicitado faz bem ou é necessário. Este presságio pretende evitar a loterização, que implica entregar-se ao acaso.
Aposta está abaixo de oportunidade. Não vivemos para apostar senão para estender os ventos oportunos do derramamento de suor que leva a um objetivo. Não quis fazer disto um texto motivacional, mas um alerta a favor da mudança cultural de abandono da loterização na sociedade brasileira. Vejo que, no Brasil, ainda há uma confiança excessiva no que os outros ou as instituições poderão fazer por nós. É a loterização do Brasil.
Falo de uma cultura lotérica e da loterização como um processo que leva àquela. O maior valor acumulado na história brasileira, porém, é a eliminação dessa cultura lotérica.
Bruno Peron Loureiro é bacharel em Relações Internacionais pela UNESP (Universidade Estadual Paulista).
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