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Frei Betto

PT só se lembrou dos movimentos sociais na hora de apagar incêndios, diz Frei Betto



Frei Betto foi um dos primeiros nomes de destaque dos governos do PT. Escolhido para coordenar a Mobilização Social do programa Fome Zero, um dos pilares sociais do partido desde 2003, o escritor ocupou o cargo de assessor especial do ex-presidente Lula entre 2003 e 2004.

O religioso, porém, durou pouco no governo. Já em 2004, insatisfeito com as alianças feitas entre partido e mercado financeiro, afastou-se. Desde então, tornou-se um crítico das Presidências de Lula e Dilma, cobrando uma maior pauta social nos governos petistas.

Em entrevista por e-mail ao UOL, Frei Betto diz que o PT precisa "fazer uma séria autocrítica" e "tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos": a classe trabalhadora, a ética e as reformas estruturais.

Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais, que lhe deram origem, na hora de apagar incêndios

Para Frei Betto, é fundamental que as manifestações populares que eclodem pelo Brasil desde 2013 apresentem também propostas. Segundo ele, o volume de críticas sem uma contrapartida política pode criar um perigoso vácuo de poder.

"Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o risco de passar do Estado de Direito para o 'Estado da direita'", avalia.

Mesmo diante das críticas que faz ao segundo governo de Dilma Rousseff, Frei Betto é contrário à renúncia da presidente ou à proposta de novas eleições – para ele, "se [o PT] aceitar antecipar novas eleições estará, de fato, renunciando".

"Qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe branco, como já ocorreu em Honduras e Paraguai. E, se o governo não completar seu mandato até 2018, abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos futuros, permanente instabilidade política", afirmou.

UOL - O ex-presidente Lula pode assumir a vaga de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma. Como o senhor vê este fato? Acha que ele funciona como uma espécie de "salvador da pátria", podendo reverter o quadro pró-impeachment?
Frei Betto - Não penso que Lula foi chamado em função da possibilidade de impeachment. O governo Dilma está sem rumo e Lula, devido ao êxito de seus dois mandatos, foi convocado para tentar salvá-lo. Por outro lado, como tem muita habilidade política e de negociação - o que falta a Dilma - sem dúvida ele já contribui para evitar o impeachment. Ainda que não lhe permitam virar ministro, ele passa a ser, de fato, o primeiro-ministro...

Diante das opções cogitadas pela oposição ao governo Dilma, como impeachment, renúncia e novas eleições, o que o senhor avalia como o mais provável? Qual o impacto disso na situação política do Brasil até 2018?
Entre as vozes das ruas e as das urnas, fico com as últimas. Embora crítico do governo Dilma, sobretudo pelo excessivo ônus do ajuste fiscal sobre o segmento mais pobre da população, julgo que qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe branco, como já ocorreu em Honduras [com Manuel Zelaya, em 2009] e Paraguai [Fernando Lugo, em 2012]. E, se o governo não completar seu mandato até 2018, abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos futuros, permanente instabilidade política.

O senador Aécio Neves considerou "utópica" essa ideia de novas eleições. Dilma chegou a dizer que precisaria primeiro convencer o Congresso. O senhor acha a proposta factível?
Dilma diz e repete que não renuncia. Ora, se aceitar antecipar novas eleições estará, de fato, renunciando. E isso significará um reconhecimento público, por parte do PT, de que ele fracassou na condução deste país. O governo tem ainda dois anos e oito meses pela frente. Se o PT fizesse autocrítica e redefinisse os rumos do governo, implementando reformas estruturais que sempre prometeu e nunca realizou, o mandato da Dilma e a credibilidade do partido ainda teriam esperança de recuperação.

O senador Cristovam Buarque defende que seria bom para o PT voltar a ser oposição. O senhor também acredita nesta avaliação?
Desde que Caim matou Abel, ninguém quer largar o osso do poder. Vide o PMDB: consegue a proeza de manter um pé no governo e o outro na oposição... Assim, tenta garantir o presente e o futuro. O PT só voltará à oposição se assim exigirem as urnas.

A imagem do PT com o eleitorado sofreu um considerável desgaste diante dos escândalos mais recentes. O senhor imagina a possibilidade de uma recuperação do partido?
Às vezes tenho a impressão de que a ficha do estrago até agora não caiu para o PT. Seus dirigentes presos, são culpados ou inocentes na opinião do partido? A política econômica do governo é de Dilma ou do partido? Como sugerem Tarso Genro e Olívio Dutra, o PT precisa, urgentemente, fazer uma séria autocrítica. E tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos: ser o partido de organização da classe trabalhadora, ser o partido da ética e ser o partido das reformas estruturais do Brasil. Fora disso, o PT estará condenado a integrar a geleia geral da estrutura partidária brasileira.

O PMDB apoiou oficialmente o governo federal por 13 anos, antes de anunciar seu rompimento neste ano. Como o senhor vê o futuro do partido?
O PMDB é o único partido com futuro garantido nessa institucionalidade política viciada por fisiologismo, nepotismo e corrupção. Se ficar, o bicho toma posse; se correr, assume o poder... Enquanto não houver uma séria reforma política, o PMDB será o grande fiel da balança desse circo chamado Congresso Nacional brasileiro.

Eduardo Knapp/Folhapress

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Frei Betto e Lula, em missa celebrada por Dom Claudio Hummes na cidade de São Bernardo do Campo (2004)

A esperada 'guinada à esquerda' do PT ainda é alcançável? Ainda é possível uma conciliação do partido com uma pauta mais ligada a movimentos sociais?
Julgo que é muito difícil. Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais - que lhe deram origem - na hora de apagar incêndios. Não valorizou os movimentos sociais como valorizou os empresários; pouquíssimo fez em defesa da reforma agrária, dos povos indígenas e dos quilombolas; mantém uma carga tributária altamente prejudicial ao consumidor pobre; constrói Belo Monte e outras hidrelétricas sem respeitar as populações locais, sobretudo indígenas e ribeirinhos; aprovou um Código Florestal vergonhoso para um país que fala em preservação ambiental etc. Enfim, o PT no governo agarrou o violino com a esquerda e tocou com a direita... Embora eu considere os dois primeiros mandatos de Lula e o primeiro de Dilma os melhores de nossa história republicana.

Diante de um processo de impeachment e tantos escândalos de corrupção, qual o caminho para a esquerda brasileira se viabilizar numa próxima eleição?
Que esquerda? Cadê o trabalho de base, a formação de novos militantes, o projeto histórico? Milhões de brasileiros, desde 2013, ocupam as ruas para fazer protestos, e não para trazer propostas! Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o risco de passar do Estado de Direito para o Estado da direita.

Se Dilma conseguir evitar o impeachment, como governar com uma base tão fragilizada?
Vejo apenas uma saída: fazer o que fez Evo Morales na Bolívia, que hoje conta com o apoio do Congresso, da população e do mercado; apoiar-se em seus pilares de origem, os movimentos sociais. Fora disso, temo que queira recompor sua base política à base da receita tradicional do "toma lá, dá cá" - e não faltarão deputados federais e senadores que, no dia seguinte à reprovação da proposta de impeachment, estarão na fila do beija-mão na porta do Planalto.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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