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Povo Paiter Suruí conclui o processo de validação do Projeto Carbono Florestal


Povo Paiter Suruí conclui o processo de validação do Projeto Carbono Florestal - Gente de Opinião

A realização de um sonho. Esse é o sentimento mais visível na expressão de Almir Suruí, o líder maior do povo indígena Paiter Suruí. Os Suruí acabam de concluir um marco histórico do projeto Carbono Florestal Suruí: a validação CCB e VCS. “As novas tendências de valoração econômica dos recursos naturais, com o intuito de manter a floresta em pé para a produção de serviços ambientais, são alguns dos principais motivos que levaram à criação do Projeto Carbono Suruí.”, explicou o líder maior do povo indígena Paiter Suruí. Mesmo o carbono florestal sendo somente uma das opções de financiamento dentro do Plano de Gestão da Terra Indígena Sete de Setembro, uma das alavancas em direção à economia verde.

Importância da validação

A validação é o processo de avaliação independente, uma espécie de auditoria, com o objetivo de averiguar se o projeto atende à salvaguardas socioambientais e a protocolos internacionais que garantem a qualidade dos cálculos de carbono. O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), através de uma parceria com a Rainforest Alliance, conduziu os processos de validação do Projeto Carbono Suruí seguindo os critérios do sistema Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB) e do Verified Carbon Standard (VCS). O sistema CCB é direcionado para atividades de projetos de carbono baseados no uso da terra e está focado na avaliação dos impactos socioambientais do projeto, podendo ser utilizado independente da localização geográfica, da data de inicio ou do tamanho do mesmo. Este sistema busca avaliar de forma integrada as reduções de emissões ou remoções de Gases de Efeito Estufa (GEE), além dos benefícios para a comunidade e a biodiversidade. “A certificação nos padrões CCB não gera Reduções Verificadas de Emissões (RVE’s), portanto, para a comercialização dos créditos, os padrões CCB devem ser combinados com um padrão de contabilidade de carbono, como por exemplo, o Voluntary Carbon Standard (VCS) ou as metodologias definidas pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)”, explicou Maurício Voivodic do Imaflora.

O Povo Paiter Suruí que vive na Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os municípios de Cacoal e Espigão d’Oeste, em Rondônia, e avança até o vizinho Estado do Mato Grosso no município de Rondolândia. A Terra indígena tem área aproximada de 248 mil hectares e popPovo Paiter Suruí conclui o processo de validação do Projeto Carbono Florestal - Gente de Opiniãoulação de cerca de 1,35 mil habitantes. Há mais de dez anos, o povo Paiter luta pela conservação de seus recursos naturais e trabalha para a implantação de projetos que visem à recuperação e o fortalecimento de seu território ameaçado pela cobiça de madeireiros e garimpeiros.

Histórico do Projeto Carbono Florestal Suruí

Tudo começou com a elaboração do Diagnostico Agroambiental Participativo e do Plano de Gestão de 50 anos que tem como objetivo a valorização da cultura, a conservação, proteção e sustentabilidade de suas terras. O plano foi elaborado pela Associação Metareilá, em parceria com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e apoio do Ministério do Meio Ambiente e da ONG Amigos da Terra da Suécia. A Kanindé na época já era referência no Brasil pela criação da ferramenta conhecida como Diagnóstico Etnoambiental participativo. “O interessante é que o contato com a Kanindé foi iniciativa dos próprios indígenas. Nós já trabalhávamos com os Uru Eu Wau Wau, mas não com os Paiter Suruí”, explica Ivaneide Bandeira gerente de Relacionamento e Captação de Recursos da Kanindé. Ela ressalta ainda que “As lideranças Paiter, encabeçadas por Almir Suruí, estavam insatisfeitas com o processo de desmatamento e a falta de apoio para ações que promovessem a valorização da cultura, a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento de atividades econômicas que promovessem o desenvolvimento sustentável em seu território, resolveram buscar o desenvolvimento de ações que garantissem a valorização da cultura, uma economia sustentável e a manutenção da floresta em pé. O diagnostico foi o primeiro passo”, explica Ivaneide Bandeira. Os Paiter Surui buscaram neste diagnóstico juntar o conhecimento tradicional com a pesquisa cientifica, pois diziam estarem cansados de diagnósticos onde só havia o conhecimento indígena, onde depois eram questionados por pesquisadores que diziam que os índios não tinham comprovação cientifica. Unindo as duas ciências eles estariam tendo maiores garantias de tudo dar certo, completou a historiadora.

Em 2003, com o diagnóstico pronto, os indígenas buscaram mais parceiros para colocá-lo em prática. Além da Kanindé vieram o Consórcio Amazoniar, Associação Aquaverde da Suíça e a USAID para dar início ao reflorestamento na Terra Indígena Sete de setembro. Em 2004 e 2005 a antiga ACT Brasil, hoje ECAM, entrou em cena com o mapeamento cultural. Através do projeto Carbono Florestal a Kanindé juntamente com todos os outros parceiros, têm contribuído com apoio para as capacitações e planejamento estratégico das ações. Um dos trabalhos mais interessantes desenvolvidos pela Kanindé foi o Etnozoneamento da Terra Indígena Sete de Setembro, onde os Paiter Surui definiram como será feita a gestão do seu território pelos próximos 50 anos.
O sistema ODK - open data kit. A tecnologia android usa o sistema operacional criado pela Google para a coleta de dados. O android reúne em um só aparelho o formulário de coleta, o GPS e a máquina fotográfica.

Em 2007, o líder Almir Suruí fechou uma parceria inédita com o Google e levou tecnologia às tribos. “Os índios passaram a valorizar a história dos anciãos e a guardar, em vídeos e fotos on-line, as tradições da aldeia. Ainda se valeram de smartphones e GPS para identificar os desmatamentos ilegais”, ressaltou Vasco Rossmalen, da ECAM. A partir daí, o projeto ganhou projeção internacional e passou a fazer parte da incubadora de projetos Katoomba Group, através do Forest Trends que ofereceu apoio técnico na formulação do projeto Carbono Florestal, assessoria jurídica, capacitação em pagamento por serviços ambientais e contato com investidores.


O consentimento livre, prévio e informado

Em 2008 foram feitas várias visitas à comunidade em virtude do processo de formação do consentimento livre, prévio e informado do Projeto Carbono Surui que foi dividido em três etapas, coordenado pelo líder maior do Povo Paiter, Almir Suruí e pelo antropólogo Tiago Àvila (in memoriam). Num primeiro momento os Surui realizaram as discussões e reuniões entre si, para chegarem aos consensos mínimos referentes à possibilidade de desenvolvimento e implementação do Projeto Carbono Surui. A segunda contou com reuniões entre as lideranças indígenas, representantes das associações locais e chefes dos clãs com as demais instituições participantes do projeto, tais como a Forest Trends, o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM, a Equipe de Conservação da Amazônia, ECAM, a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a Fundação Brasileira para a Biodiversidade – FUNBIO e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI. A terceira e última etapa foi finalmente o trabalho de campo, através das visitas e reuniões comunitárias nas aldeias Paiter Surui. Depois de seis meses o documento ficou pronto e acessível a todos. “A Incubadora dá prioridade a comunidades locais como os povos indígenas que, apesar de exercerem um papel fundamental na geração de serviços ecossistêmicos, enfrentam grandes barreiras e desafios para obtenção de financiamento. Ao apoiar esses projetos com know-how técnico, a Incubadora assessora comunidades locais no processo de interface com os mecanismos de mercado de maneira informada e equitativa, buscando reduzir os riscos e aumentar os benefícios para todos os participantes. Para tratar do componente REDD no projeto Suruí, a Associação Metareilá e a Forest Trends identificaram uma série de organizações parceiras para contribuir com temas específicos relativos à estrutura do projeto”, frisa Jose Roberto Borges - Diretor de comunidades do Forest Trends.

Povo Paiter Suruí conclui o processo de validação do Projeto Carbono Florestal - Gente de Opinião
O sistema ODK - open data kit. A tecnologia android usa o sistema operacional criado pela Google para a coleta de dados. O android reúne em um só aparelho o formulário de coleta, o GPS e a máquina fotográfica.


Iniciativa pioneira

Depois disso foram vários estudos, levantamentos antropológicos e biológicos durante as dezenas de visitas a Terra Indígena Sete de Setembro até a elaboração do projeto Carbono Florestal Suruí (PCFS). “Esta é a primeira iniciativa brasileira de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) feita por indígenas dentro de uma terra indígena, realizada de maneira cientifica e com todos os cuidados para garantir à comunidade seus direitos. Os conhecimentos e aprendizados gerados pelo projeto contribuem fortemente para a construção e regulamentação política do REDD+ no Brasil. O PCFS é hoje reconhecido como uma referência nacional e internacional e seus conceitos e construção metodológica são utilizados por órgãos do Governo Federal como a FUNAI e o MMA e por outros desenvolvedores de projetos no Brasil e no mundo”, afirma Mariano Cenamo, Pesquisador Sênior do Idesam – instituição responsável pela coordenação técnica do projeto de REDD+. "O povo Suruí, quando foi procurado para celebrar um contrato de crédito de carbono imediatamente fez o certo; procurou a FUNAI para que pudesse orientá-los primeiro sobre o que é REDD, o que é crédito de carbono e como que isso pode ser feito. Tivemos uma série de reuniões com eles e estamos orientando-os para que, quando no futuro, eventualmente seja regulamentado, eles possam assinar um contrato legal”, destacou Márcio Meira, presidente da FUNAI.

Um termo de acordo foi firmado entre as seis associações do Povo Paiter, liderado pela Associação Metareilá, que tem o apoio dos clãs divididos nas 25 aldeias dentro da Terra Indígena. Os Paiter Suruí já entenderam que quando se preserva a floresta é possível gerar créditos de carbono. Isso porque evitar o desmatamento reduz a emissão de carbono na atmosfera, a principal causa das mudanças climáticas. O projeto carbono Suruí contribui, de forma voluntária, com os esforços mundiais de equilíbrio climático. Com esse trabalho foi possível dar início ao processo de validação junto aos padrões CCB e VCS. Tanto o povo Paiter Suruí como as organizações parceiras do projeto reconhecem que as empresas poluidoras precisam buscar ao máximo medidas de redução de emissões, antes de compensar sua poluição. A compensação via mecanismo REDD deve ser aplicada para mitigar a poluição residual.

O futuro do projeto Carbono Florestal Suruí

Agora com o carbono validado é possível oferecer aos clientes créditos de Carbono Suruí ligados à conservação de seu território e sua prática de gestão tradicional. Levantamentos feitos pelos técnicos do IDESAM mostraram que entre 2009 e 2011 cerca de 360.000 toneladas de dióxido de carbono deixaram de ser jogada na atmosfera, só na área onde vive o povo indígena Paiter. “Empresas sérias estão procurando os Paiter Suruí para investir em créditos de carbono Suruí. Ainda não podemos divulgar o nome das companhias, mas são cinco interessados entre empresas e governos. O que falta, no nosso entender, é consenso político. Os países que vão para as negociações do acordo do clima estão lá defendendo interesses próprios.”, ressalta Almir Suruí. “As análises jurídicas coordenadas pela Forest Trends junto a Baker & McKenzie, as quais estabeleceram que os Surui, assim como outros povos indígenas no Brasil que já tem seus territórios demarcados, são quem têm o direito aos créditos de carbono de seus territórios é outra contribuição histórica do projeto, a qual já foi reconhecida inclusive pela própria FUNAI.”, completa José Roberto Borges, da Forest Trends. O resumo da análise jurídica da Baker & McKenzie, publicada pelo Instituto Socioambiental no livro, “Desmatamento Evitado (REDD) e Povos Indígenas” pode ser visto através do link: http://www.forest-trends.org/publication_details.php?publicationID=2692.

A partir da validação e da certificação todo o recurso gerado pelo Projeto carbono Florestal vai fazer parte do Fundo Paiter Suruí, lançado durante a COP 16 em Cancun no México. “O Fundo é o mecanismo financeiro do Plano de Gestão da Terra Indígena Sete de Setembro. Este fundo é responsável pela gestão e pela repartição de benefícios de todo o Projeto Suruí. O Fundo é a moldura da boa governança do sistema e está desenhado para operar com recursos de diferentes origens, sendo que os créditos de carbono compõe uma carteira específica. Os recursos obtidos por meio da venda dos créditos de carbono serão gerenciados em benefício de toda a comunidade. Este é o primeiro fundo mundial que contempla operações de REDD+ para os povos indígenas” esclarece Ângelo Santos, do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – o FUNBIO, responsável pela criação e gerenciamento do fundo nos primeiros seis anos. O Povo Suruí está sendo capacitado para assumir a gestão do Fundo posteriormente a esta data. O FUNBIO criou um Manual Operacional que define as regras para gestão do Fundo. Cada associação indígena, ou organização implementadora não indígena terá acesso ao fundo seguindo um planejamento anual. Caberá ao Conselho Deliberativo (Labiway-Ey) supervisionar a atuação do gestor financeiro. O Fundo segue princípios de boa governança e transparência, onde os conselhos representativos indígenas exercem papel decisório. O Povo Paiter Suruí continua trabalhando com reflorestamento e no plano de negócios para vender produtos florestais, como castanha-do-brasil e copaíba. Tudo isso faz parte do Plano de Gestão de 50 anos da Terra Indígena Sete de Setembro. “O desenvolvimento só é alcançado por quem tem uma visão de médio e longo prazo. As futuras gerações também têm direito de viver, direito de ter floresta. A floresta não precisa ser intocada, mas tem de ser usada com responsabilidade.”, Almir Suruí.

 
Fonte: Kanindé

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