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Montezuma Cruz

Índios Gavião e Suruí usam assobios na comunicação


 

Índios Gavião e Suruí usam assobios na comunicação  - Gente de Opinião
Estudo feito pelo Museu Paraense Emílio Goeldi apresenta formas de comunicação de duas etnias rondonienses /MONTEZUMA CRUZ

 

 

MONTEZUMA CRUZ
 

PORTO VELHO – Índios Gavião e Suruí Paíter possuem um raro fenômeno no linguajar nativo da Amazônia Ocidental: falam com assobios para diálogos a distância e usam canções adaptadas a sons musicais com instrumentos. Numa situação inédita no mundo, o tema motivou estudos do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA). Há 32 anos a antropóloga e economista Betty Mindlin iniciava estudos a respeito dos mitos dessas etnias.

 

A área de lingüística indígena do Museu Goeldi mantém um acervo audiovisual, em DVDs, de línguas ameaçadas de extinção na Amazônia.

 

Na próxima quarta-feira, 29, em Belém, o pesquisador associado Julien Meyer, foneticista, psicolinguista e pós-doutor em documentação de música e línguas ameaçadas dará uma palestra na sala da Coordenação de Ciências Humanas do Goeldi, com o tema “Documentação das formas assobiadas e instrumentais das línguas gavião e suruí de Rondônia: metodologia e amostras”.

 

Meyer explicará a metodologia de documentação utilizada no projeto “Documentação, Análise e Descrição das Formas Assobiadas e Instrumentais das Línguas Gavião e Suruí de Rondônia – Família Mondé”.

 

No dia 1º de outubro ele fará uma palestra complementar no auditório do Instituto de Letras na Universidade Federal do Pará, em Belém, na qual irá destacar as formas assobiadas de línguas e o interesse para lingüística.

 

 

Índios Gavião e Suruí usam assobios na comunicação  - Gente de Opinião
Itabira, que há 32 anos recebeu a antropóloga Betty Mindlin, mostrando-lhe as roças na Aldeia Sete de Setembro, hoje é um dos que defendem a preservação de costumes e tradições /MONTEZUMA CRUZ


 

Antropóloga estudou mitos

Em seu livro “Histórias sem escritas dos índios Suruís”, relançado pela Editora Vozes, a antropóloga Betty Mindlin relata mitos tradicionais dos Suruí, obtidos por meio de gravações feitas durante dois anos. Na época não havia lingüistas estudando esse povo. “Se eu tivesse apoio deles o resultado das pesquisas teria sido muito melhor. Fiz como foi possível”.

 

No início de sua vida profissional, Betty foi levada e apresentada aos Suruí pelo falecido sertanista Apoena Meireles. Ela chegou a Rondônia acompanhada da colega antropóloga Carmen Junqueira, recebendo também o apoio dos sertanistas Aimoré Cunha da Silva e José do Carmo Santana, o Zé Bel. A reedição do livro atendeu a um pedido dos próprios índios, um dos quais, o líder Itabira, na época com 30 anos, que nos primeiros dias da presença dessa visitante levou-a para conhecer cerca de 50 roças dos Suruís.

 

Itabira se lembra do trabalho de Betty e do trio de sertanistas – todos falecidos – que cuidou do Parque Indígena do Aripuanã numa época de invasões e indefinições na demarcação dos limites da Terra Suruí.

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Betty Mindlin escreveu um livro de fácil leitura que transmite a fluência da oralidade /EDITORA RECORD-DIVULGAÇÃO

Itabira se emociona ao ser informado de que, junto com o repórter ali se encontra o farmacêutico e bioquímico Joaquim Cunha da Silva, irmão do sertanista Aimoré Cunha da Silva. Conversaram e recordaram um dos períodos mais importantes na história dos Suruí, ainda no século passado.

 

De pai e mãe para filho, língua e tradições

ALDEIA LAPETANHA, Cacoal – Muitos dos que narraram histórias para Betty Mindlin já não estão mais nas aldeias. Outros morreram. Os jovens foram estudar em Cacoal. O líder Ipatara, 61 anos, um dos guerreiros que defendeu as terras Suruí dos invasores (yaras) nos anos 1970, manifesta o sentimento de resgatar histórias, mitos e tradições. Igualmente, o líder Almir Suruí também está empenhado nisso.

 

Há uma nova geração indígena capaz de dar conta da inadiável missão. Se Betty Mindlin retornar às aldeias nas quais se hospedou entre 1978 e 1980 irá notar total transformação. Os índios mais jovens usam computadores e acessam freqüentemente a internet. Leonice Tupari, por exemplo, conta que arranjou o namorado suruí – hoje seu marido – em bate-papo pela rede. Em seguida se conheceram pessoalmente.

 

“Minha impressão é de que os mitos estão bem vivos para eles, mas é preciso pesquisar  para saber quem tem conhecimento da tradição, e como as histórias são contadas”, comentou Betty.

 

Ela contou que um dos melhores narradores de Vozes da origem, Gakaman, está gravando para seu filho, que é professor indígena, a tradição dos Gamirei. Este é um dos grupos em que se dividem os Suruí.  “Se os mais jovens também contarem os mitos será possível analisar a transmissão oral concomitante com a era da escrita”, observou.

 

A antropóloga está contente com a sobrevivência dos Suruí Paiter, cuja vitalidade faz multiplicar sua população a uma taxa de 5% ao ano. “Eles são assim: inventam, trocam entre si, aprendem o que está ao seu redor, são críticos, analisam, refletem”, diz.

 

O livro de Betty é de fácil leitura, porque transmite a fluência da oralidade. Poderia ser adotado nas escolas, tanto na faixa adolescente, de 12 anos em diante, e entre adultos. Se quiser, o Governo de Rondônia poderá colocá-lo em todas as bibliotecas municipais, adotando-o mesmo em exames vestibulares nas universidades. “Seria um avanço no aprendizado cultural do povo brasileiro e reafirmaria a importância dos narradores indígenas”, assinala a antropóloga.

 

Obviamente, conforme sugere Betty, os autores receberiam direitos autorais, o que valoriza ainda mais a edição. (M.C.)



 

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Mãe suruí é proibida de se casar com branco e se encarrega da transmitir aos filhos história, mitos e costumes do seu povo /MONTEZUMA CRUZ



 

DUAS PERGUNTAS

Há, entre os povos urbanos brasileiros, um aparente desinteresse pelas histórias de seus antepassados. Isso se repete também entre os povos indígenas?

 

Não concordo que haja esse desinteresse. Acho que todo mundo quer saber de onde veio. Tanto na história pessoal, como na coletiva. Voltar às raízes é um anseio universal. Como nossa era é a da imigração em massa, mais importante se torna o conhecimento do que é específico na história ancestral. Faltam, isso sim, meios de aprofundar e divulgar a investigação da origem de cada brasileiro. Na minha opinião os índios têm um desejo profundo de expressar seu modo de pensar e o de seus antepassados. Os mitos e rituais, centrais na maioria dos povos brasileiros, têm um apelo imenso: são o imo da identidade, o ser mais profundo. Um apelo também para quem não é índio – fantásticos ou maravilhosos como são, os mitos parecem refletir a história mais verdadeira, cujo sentido estimulam a desvendar. 

 

Os jovens Suruí Paiter se identificam com as histórias? De que maneira eles lidam atualmente com suas tradições?

Gostaria de saber mais como anda a cabeça dos jovens Paiter. Tenho tido apenas contatos curtos com eles. Seria muito bom que algum pesquisador se dispusesse a ouvi-los com cuidado. Mas imagino que continuam muito ligados ao próprio universo, mais do que crêem estar. Há a preocupação, por parte das comunidades, de fortalecer no currículo das escolas os conteúdos tradicionais. Tudo isso é matéria para uma longa investigação, verificando que aspectos da sociedade se transformaram ou se mantiveram. No Alto Xingu, nos Kamaiurá, Carmen Junqueira, que faz pesquisa com eles há 40 anos, observou que o núcleo da vida indígena permanece o mesmo, apesar de todas as mudanças econômicas no entorno do Parque do Xingu. Aqui, não é possível responder a essa questão sem tempo para um aprofundamento. (Editora Record)

 

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