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Motorista da Caçambada Cutuba Pediu Pra Morrer Com Tiro na Cabeça


Motorista da Caçambada Cutuba Pediu Pra Morrer Com Tiro na Cabeça - Gente de Opinião
Renato Medeiros (de óculos), líder da corrente política que sofreu o atentado, com o presidente João Goulart (à direita)



Decorridos 48 anos de profundo silêncio em torno da Caçambada Cutuba, documentos revelam, hoje, que o motorista da caçamba, Wilson, arrependido do gesto bárbaro, pediu pra morrer: “Cumpadre, eu fui mandado, você me dê um tiro na cabeça que eu o perdôo”, teria dito, na cadeia, o suposto autor do terrorismo político ao seu compadre e testemunha Ladislau Nunes de Araújo, guarda territorial ouvido no dia 27 de setembro de 1962, pelo juiz Joel de Moura Quaresma, no Processo Criminal nº 3672, instaurado pela Justiça Federal do território para apurar judicialmente o dramático fato social. A fonte é fidedigna: cópias de autos conseguidas pelo jornalista Zola Xavier junto ao Centro de Documentação Histórica do TJ/RO.

O atentado que ceifou a vida de muitos correligionários da Frente Popular de esquerda chocou toda a provinciana Porto Velho de antanho e ocorrera um dia antes, numa calorenta noite de 26 de setembro de 1962, na rua Lauro Sodré, quase chegando na rua Abunã, próximo ao cabaré da Delícia, quando um veículo tipo caçamba, chapa branca, pertencente à prefeitura municipal de Porto Velho, que estava vindo do comício dos cutubas, no bairro do Areal, foi lançado contra os partidários do então candidato a deputado federal Renato Clímaco Borralho de Medeiros, presidente do Partido Social Progressista e líder dos Peles-Curtas, que disputava a vaga parlamentar com o coronel Ênio dos Santos Pinheiro, que já houvera sido governador do Território Federal de Rondônia em 1953, por indicação do mesmo padrinho que o apoiava em 1962: o também coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, chefe dos Cutubas (partidários do aluizismo) e maior liderança da história política de Rondônia. O prefeito da época era o cutuba sangue puro José Saléh Morheb. Os mais velhos dizem que muita gente morreu, mas não se tem até hoje a contabilidade desses mortos. 

Com certa dose de ironia a atormentar a amnésia dos guaporés, está escrito em latim na capa do que restou dos registros penais do episódio da Caçambada Cutuba que o processo criminal é do tipo Ad Perpetuam Rei Menoriam, isto é, para a perpétua memória do fato. Se assim deseja o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia e a deusa Thêmis, que usa venda nos olhos, mas não é doida varrida, vale registrar para os anais da história que foi o advogado Fouad Darwich Zacharias o causídico que arrolou e requereu a inquirição dos guardas territoriais José Faustino de Oliveira, José Rodrigues Maciel e Ladislau Nunes de Araújo, como testemunhas. Era a reação Pele-Curta ao atentado.

Às dez da manhã do dia 27, no Fórum Ruy Barbosa, a postos o escrivão Durval Gadelha, o Dr. Hélio Fonseca, Promotor Público Substituto, o Dr. Fouad Darwich e o juiz Joel Quaresma de Moura, as três testemunhas foram ouvidas pela justiça. Revelou o depoente Ladislau “que diversas vezes repetiu o preso ao depoente que havia sido mandado e pediu que lhe desse um tiro na cabeça”; “que perguntou-lhe mais o depoente se estava embriagado ao que o preso em questão lhe disse que não, que estava bom”; “que esclarece o depoente que fez essas perguntas ao preso enquanto estava trancando a cela”.  Na versão do guarda José Maciel, depois de introduzi-lo na cela, o guarda Ladislau lhe perguntou: “Cumpadre porque é que você fez isso?” “Que respondeu ele numa expressão equivalente ao sentido de dizer que estava desgraçado” Para uma quarta testemunha a depor no processo, o senhor João Marques Vasconcelos, também da Guarda Territorial, o diálogo dele com o motorista da caçamba teria sido o seguinte: “Compadre, você que é chefe de família, como é que foi meter-se numa enrascada dessa?” Então o preso respondeu “aproximadamente com essas palavras: fui mandado para distribuir o pessoal do comício e ao chegar próximo do lugar do comício, quando vi a massa procurei estacionar o carro mas o freio enganchou no acelerador e quanto mais pisava no freio, mais acelerava o carro”. Não  há nos documentos pesquisados nem a peça de interrogatório do motorista da caçamba nem a sentença, condenando ou absolvendo o réu. A justiça rondoniense deve saber explicaro porquê.

Para os que acham que a Caçambada Cutuba é um delírio inventado ao sabor do revanchismo histórico, a voz da perpétua memória do fato fala mais alto nos dizeres que um serventuário da justiça deixou escrito na folha de rosto do documento conseguido por Zola Xavier, o Caçador de Alfarrábios da Biblioteca Nacional:

“Obs: O sr. Wilson de Tal, motorista da Prefeitura Municipal de Porto Velho, investiu com o caminhão contra o povo num comício político. Segundo testemunhas, o criminoso alega ter sido a mando de alguém”.

Saber quem deu a sinistra ordem ao humilde motorista da prefeitura continua sendo um segredo insondável, incrustado na região subcutânea da página histórica sentimentalmente mais eloqüente da política regional: o apaixonado embate entre as belicosas nações dos Cutubas e Peles-Curtas.

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Fonte: Antônio Serpa do Amaral  - [email protected]
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