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MIGRAÇÃO: A saída de índios tupis-guaranis da Amazônia remonta há 2.920 anos


  

Migração (bem) anterior
 

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – A saída de índios tupis-guaranis da Amazônia não é um evento tão recente como se imaginava. Um novo estudo encontrou evidências do povo na região onde hoje está o município de Araruama, no Rio de Janeiro, há 2.920 anos – mais de mil anos antes do que as evidências indicavam até então.

Os resultados do trabalho foram publicados nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. De acordo com a primeira autora, Rita Scheel-Ybert, professora de Arqueologia do Departamento de Antropologia do Museu Nacional – vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, o aparecimento de datas cada vez mais antigas no Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, nos últimos anos, tem mudado o paradigma a respeito da ocupação.

Segundo ela, a hipótese mais aceita até o momento, baseada em dados lingüísticos, considerava que a saída dos tupis-guaranis da Amazônia não poderia ter ocorrido antes de cerca de 2.500 anos atrás.

“A datação anterior existente para o sítio Aldeia Morro Grande, em Araruama, de 1.740 anos, já era considerada bastante recuada, sendo inclusive a mais antiga para o Estado do Rio de Janeiro. As novas datas, de cerca de 2.900 e 2.600 anos, seriam, por essa razão, completamente inesperadas”, disse à Agência FAPESP.

De acordo com a pesquisadora, as datas muito mais antigas do que as precedentes, e ainda sem paralelo na região, colocam em questão a data de saída dessas populações da Amazônia e, possivelmente, suas rotas de migração. As novas datas, acredita ela, não questionam a origem amazônica dos tupis-guaranis, pois, para isso, seria necessário um número maior de evidências.

“Nossa hipótese é que a multiplicação dos estudos e um maior investimento em datações, tanto na Amazônia como no resto do Brasil, tenderão a revelar outras datações tão ou mais antigas como essas e permitirão uma melhor compreensão dos processos de ocupação do nosso território”, disse, salientando que outros autores já haviam sugerido que a expansão tupi-guarani a partir da Amazônia possa ter começado há bem mais de 2.000 anos.



Duas fogueiras, uma comprovação

A pista inicial – encontrada a partir dos carvões de uma fogueira – foi descartada pela pesquisadora no fim da década de 1990. Por ser antiga demais, ela não acreditou que a fogueira pudesse ser de origem humana (antrópica) e acabou engavetando a análise.

Segundo ela, a antigüidade da primeira data obtida, de 2.920 anos, pareceu-lhe tão desproporcional em relação ao que era esperado que em um primeiro momento achou que os carvões datados poderiam não ser de origem humana. “Imaginamos, na época, que eles poderiam ser restos de um paleoincêndio anterior ao sítio, pois se tratava de carvões dispersos no sedimento do sítio”, disse.

“Foi apenas após a análise antracológica [ciência que estuda os carvões conservados nos sedimentos arqueológicos] que se teve certeza de que esses carvões eram, sem dúvida, de origem antrópica e associados ao sítio em questão, possivelmente originados em uma fogueira de queimar cerâmica”, apontou.

A confirmação da primeira pista veio com a segunda datação (de 2.600 anos), feita por Kita Macario, professora do Centro de Estudos Gerais do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF), que realizava doutorado nos Estados Unidos. Segundo Rita, a colega datou uma fogueira do mesmo sítio arqueológico de Morro Grande, no município de Araruama, que era interpretada, por critérios arqueológicos, como sendo de origem ritual.

“Mais uma vez a antigüidade da data surpreendeu, especialmente porque ela não tinha conhecimento da minha datação, o que só veio a ocorrer posteriormente”, explicou. Segundo Rita, essa seqüência de resultados confirmou as datas, convencendo a equipe de que eram realmente válidas.

“Além disso, o fato de as datações terem sido feitas em contextos diversos, em laboratórios diferentes, de modo totalmente independente e ainda assim fornecerem resultados semelhantes, naturalmente valida os resultados, à medida que assegura que não pode ter havido nenhum tipo de contaminação das amostras, nem erro de medição”, disse.


Métodos

As datações foram feitas, segundo a professora do Museu Nacional, pelo método do carbono-14. E os resultados obtidos são apresentados como “anos AP”, isto é, “anos antes do presente”, mas que, na realidade, significam “anos antes de 1950”.

“A data de 1950 é usada como referência pelo fato de as explosões atômicas terem modificado significativamente os teores de carbono-14 na atmosfera depois disso”, explicou.

Até agora, segundo Rita, as análises realizadas demonstraram que os grupos que habitaram a aldeia Morro Grande viviam, de fato, na Mata Atlântica, o que já era esperado, “além de fornecer uma série de considerações inéditas sobre uso da madeira em contexto cotidiano e ritual”.

Para a cientista, a descoberta muda definitivamente o paradigma de que a saída dos tupis-guaranis da Amazônia tenha sido um evento recente. E coloca em xeque as hipóteses atualmente vigentes de data de saída e, possivelmente, de rotas de migração. “No entanto, enquanto não aparecerem novas datas que venham a confirmar e explicar essas que foram obtidas, não dispomos de hipóteses alternativas a sugerir”, ressaltou.

“Consideramos que, mais do que atestar a ocupação tupi-guarani mais antiga do Brasil, nossos resultados colocam em evidência a necessidade de que novas pesquisas arqueológicas sistemáticas sejam realizadas, tanto em nível local como regional, e que um maior número de datações seja feito”, disse.

Além de Rita e Kita, participaram do estudo Angela Buarque, do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, Roberto Anjos, do Instituto de Física da UFF, e Mariana Beauclair, do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional.

Para ler o artigo A new age to an old site: the earliest Tupiguarani settlement in Rio de Janeiro State?, de Rita Scheel-Ybert e outros, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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