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Gente de Opinião

Silvio Santos

Raimundo Marinho Feitosa - O motorista da caravana Ford




Conheço o Marinho desde quando ele era motorista do governo do Território Federal do Guaporé. Apesar de já estar aposentado e com 75 anos de idade, parece o mesmo, tanto fisicamente falando como agindo.

Aos domingos, bota sua melhor roupa e se encaminha para a missa na igreja Nossa Senhora das Graças. Igreja que ele ajudou a construir carregando tijolo quando ainda era jovem. "Quando Dom João Batista Costa rezou a primeira missa na nossa igreja, as paredes ainda estavam com menos de um metro e meio de altura". Apesar de católico, Marinho pela vizinhança, era freqüentador assíduo do Batuque de Santa Bárbara que tinha como Mãe de Santo dona Esperança Rita; "Fui batizado na Casa de Oração de Santa Bárbara pelo padre Chiquinho". Numa dessas visitas ao Terreiro de Santa Bárbara viu o Tenente Fernando chegar com alguns soldados e tentar atear fogo na casa do Batuque. "Ele só não conseguiu seu intento, porque as palhas estavam muito molhadas". - A história do Tenente Fernando foi manchete na mídia nacional. Marinho também participou como motorista, da famosa Caravana Ford em 1960. "A Caravana Ford foi a maneira que o Coronel Paulo Leal arranjou para sensibilizar o presidente Juscelino a abrir de vez a BR-29 hoje BR-364".

Além dessas histórias, Marinho nos conta nessa entrevista, como era o hoje bairro Nossa Senhora das Graças que também é conhecido como do KM-1 e Santa Bárbara. "Onde hoje fica o restaurante Remanso do Tucunaré, existia um tucumanzal e a gente ia caçar e matar, paca, cotia e outros animas silvestres".

Casado há 54 anos com dona Marlene Pinheiro Feitosa, Marinho nos recebeu em sua residência na tarde do último sábado 6 de setembro e entre um assunto e outro, confessou que para ele o melhor governador que Rondônia já teve, foi o Coronel Paulo Nunes Leal e o melhor prefeito, foi Chiquilito Erse. Raimundo Marinho Feitosa - O motorista da caravana Ford - Gente de Opinião

Quer saber mais? Lê a entrevista que segue!


 

E N T R E V I S T A


Zk – E o Batuque de Santa Bárbara?

Marinho – Quando nós chegamos na Joaquim Nabuco o Batuque de Santa Bárbara ainda era lá no Mocambo, depois foi que passou pra cá para na Joaquim Nabuco e como era pertinho de casa, toda vez que tinha tambor a gente ia.


Zk – Falando da sua vida conjugal. Você casou em que ano e com quem?

Marinho – Me casei em 1954 com a dona Marlene Pinheiro Feitosa com quem vivo até hoje. Tivemos cinco filhos, mas, apenas quatro estão vivos; Evanilson; Vaneide; Leide e Eliane.


Zk – Voltando ao Terreiro de Santa Bárbara. Como foi o caso do Tenente Fernando?

Marinho – Acontece que eu sempre ia ao Batuque, mas, não entendia do assunto. Vi numa ocasião esse Tenente Fernando que era da 2ª Cia Rodoviária do Exército sediada na localidade de São Pedro logo depois do Candeias. Esse tenente Fernando era uma pessoa muito "esquentada", a gente ouvia falar das brigas dele pela zona dos puteiros e um dia, ele chegou no Batuque de Santa Bárbara num final de semana, eu estava lá no Batuque quando chegou, ele mais uns dez soldados e começaram a bagunçar, pararam o Batuque, diziam que aquela porcaria não prestava, queriam furar os tambores, ameaçaram tocar fogo. Na realidade, o fogo só não pegou, porque havia chovido e a palha que servia de cobertura da casa, estava bastante molhada.


Zk – Qual foi a conseqüência dessa atitude?

Marinho – Contam que logo depois disso, um dia pela manhã ele foi levar os soldados para trabalhar no trecho da estrada que eles estavam abrindo la em São Pedro e a tardinha foi buscá-los. Era por volta das cinco e meia da tarde quando ele chegou com o caminhão para pegar os soldados, quando todos já haviam embarcado, uma Inhambu Galinha cantou dentro da mata. Entre o local de onde vinha o canto da Inhambu para o caminhão, não dava 20 metros e o Tenente Fernando pegou uma arma saltou do caminhão e disse que ia matar aquela Inhambu para comer no jantar.


Zk – Resultado?

Marinho – Até hoje ele não voltou. Logo depois que entrou na capoeira para matar a Inhambu e demorou a sair, a tropa caiu no mato atrás dele, roçaram tudo, gritaram, deram tiros de alerta e nada de respostas. Muitas histórias contam a respeito do desaparecimento do Tenente Fernando. Até hoje, não encontraram nenhum vestígio, ninguém sabe se ele morreu. Uns dizem que foram os índios que o levaram, outros e essa é a versão mais palpável, dizem que ele em virtude da aprontação que ele e seus soldados promoveram no Batuque de Santa Bárbara, os "Encantados", chamados também de "Caboco", providenciaram seu desaparecimento. Particularmente eu não duvido de nada.


Zk – Voltando a conversa normal. Você nasceu aonde e quando?

Marinho – Nasci aqui mesmo em Porto Velho no dia 26 de dezembro de 1933 meu pai Manoel Monteiro Feitosa e minha mãe Sebastiana de Souza Feitosa.


Zk – Você é católico?

Marinho – Fui batizado pelo Padre Chiquinho na Casa de Oração de Santa Bárbara que existia na esquina das ruas Paulo Leal com a Mal. Deodoro. Meu padrinho era um negro que "baiava" (dançava) no Batuque da Mãe Esperança seu Irineu marido da minha madrinha Emilia uma pretona.


Zk – Como era a área onde você nasceu. Quero dizer A rua Joaquim Nabuco com a Almirante Barroso?

Marinho – Lembro que na minha infância, por aqui tudo era mato, só tinha nossa casa na Esquina da Almirante Barroso com a Joaquim Nabuco. Essa rua Almirante nem era rua, era apenas um varadouro. Nossa casa foi comprada por 10 Mil Réis a prestação; Tina a casa do Chico Simão e o Batuque de Santa Bárbara e em frente ao Batuque a casa do seu Maximino que é pai da dona Raimundinha esposa do Antônio Chulé que até mora lá.


Zk – E daí pra frente?

Marinho – Era tudo mata virgem, por ali onde está o restaurante Remanso do Tucunaré a gente ia caçar cutia e outros bicho porque ali existiam muitos pés de tucumã. Nós fizemos a bica da Santa Barbara.


Zk – Que bica é essa?

Marinho – quadra que hoje é formada pelas ruas Joaquim Nabuco, Bolívia, Mal. Deodoro e a Amazonas, existia e existe uma fonte de água. Nessa fonte que jorrava água do barranco que fica para a Joaquim Nabuco os moradores da área colocaram um folha de zinco envergada no formato de "U", fizeram uma bica mesmo, que era para facilitar na hora de aparar água.


Zk – A água era boa?

Marinho – Era uma água sadia, mineral mesmo.


Zk – E as lavadeiras?

Marinho – Aquela água que caia da bica formava um córrego e mais embaixo as lavadeiras colocavam suas pranchas de lavar roupa. Era um movimento danado o dia todo.


Zk – Tinha algum ponto onde a gurizada tomava banho?

Marinho – No mesmo igarapé formado pela água que descia da bica, tinha o Poço Fundo onde a gente tomava banho, nós a molecada e os adultos.


Zk – Quando foi que você foi contratado como funcionário do Território Federal do Guaporé?

Marinho – Primeiro fui pro seringal com meu pai.


Zk – Que seringal?

Marinho - Seringal do seu Pascoal no rio Pacaás Nova, era a Casa Parati, lá, nós passamos cinco anos. Quando voltamos, fui estudar no Barão do Solimões, depois fui trabalhar como servente de pedreiro e logo depois fui servir o Exército. Só quando dei baixa do Exército foi que me empreguei no governo já em 1953.


Zk – O que você fazia no seringal?

Marinho - Lá eu ajudava meu pai. Ele cortava e eu ia com ele colher o leite e depois defumava fazendo as pelas de borracha. A gente saia daqui, no trem da Madeira Mamoré, passava dois dias pra chegar em Guajará-Mirim onde pegávamos uma lancha, subia o rio Mamoré e entrava no rio Guaporé, eram aproximadamente 19 dias de viagem até chegar no seringal.


Zk – No governo você foi contratado como motorista?

Marinho – Eu já dirigia, mas, não tinha carteira. Naquela, época só tirava carteira de motorista quem já era reservista. O negócio foi assim, quando dei baixa do Exército fui ao palácio do governo com a chefe de pessoal e ela conseguiu um emprego pra mim.


Zk – Em qual setor do governo?

Marinho – Fui lá à garagem e fiz um teste para motorista, passei e fiquei trabalhando.


Zk – E o Marinho boêmio freqüentava o que?

Marinho – Rapaz, eu freqüentava mais os bregas. O Danúbio pra mim era muito social e como gostávamos de uma pinguinha, freqüentávamos o Clube Sete de Setembro.


Zk – Onde ficava esse clube?

Marinho – Ficava na hoje Nações Unidas com a Getulio Vargas. Acontece que a Avenida Sete de Setembro não tinha o traçado que tem hoje, quando chegava no Maru, mais um pouquinho pra frente ela pegava a BR-29 que hoje é a Nações Unidas, por isso o Clube tinha o nome de Sete de Setembro.


Zk – Por falar em BR-29 você trabalhou na construção dessa rodovia?

Marinho – Em 1960 Participei da famosa Caravana Ford.


Zk – Vamos falar sobre essa caravana?

Marinho – Naquela época as Companhias que haviam trabalhado no desmatamento, ou na abertura da BR-29, abandonaram seus trechos, em precárias condições. Então, o governador Paulo Nunes Leal com o objetivo de sensibilizar o governo federal que tinha como presidente da República o Juscelino Kubistchek, reuniu alguns empresários de Rondônia foram a Ford em São Paulo e compraram alguns veículos e trouxeram esses veículos em caravana pela BR-29.


Zk – Em quantos dias vocês fizeram essa viagem de São Paulo a Porto Velho?

Marinho – Foram 61 dias de viagem. Eu entrei para a Caravana quando ela chegou em Pimenta Bueno. Acontece que primeiro foi à turma dos almofadinha.


Zk – Por que almofadinhas?

Marinho – Nós os motoristas de verdade, do governo do Território classificamos como almofadinhas, alguns da turma que saiu daqui para São Paulo. Eles realmente só foram fazer compras em São Paulo, quando chegaram em Pimenta Bueno com a Caravana e viram o atoleiro eles não tiveram condições de seguir em frente, eram uns almofadinhas mesmo.


Zk – Aí vocês entraram em ação?

Marinho - Pois é! Quando chegaram nos atoleiros os caras "mijaram" fora do caco foi então que chamaram os peões da pesada, que era a gente. Essa turma tinha gente como chefe o seu Dudu e integrantes o Gervázio; Luiz Sena; Roberto Cazenave; Kerubim; Ireno Ribeiro; Ramona e muito outros que me falha a memória nesse momento.


Zk – O que representou para você a Caravana Ford?

Marinho – A festa da nossa chegada a Porto Velho eu considero como sendo a de maior emoção da minha vida. Enquanto a gente estava na estrada, não pensávamos na grandeza do nosso feito. A ficha só caiu depois que lemos nos jornais, sobre a importância da Caravana Ford para o progresso de Rondônia.


Zk – Quem comandou essa Caravana?

Marinho – Primeiro foi o seu Brasileiro que era o Chefe de Gabinete do Coronel Paulo Leal, mas, como ele teve que resolver alguns problemas da Representação do Território no Rio de Janeiro, entregou o cargo para o seu Dudu já em Pimenta Bueno, foi aí que turma da pesada entrou em campo.


Zk – Fala um pouco sobre como foi a viagem de Pimenta Bueno a Porto Velho?

Marinho - O trator ia na frente tirando os paus do meio da estrada e a gente atrás, tapava igarapé, passava uma parte da caravana, a água vinha arrombava de novo a tapagem e novamente o trator fazia Nov a barragem e a gente seguia caminhando. A equipe era composta só por cabra bom de serviços, os melhores mecânicos estavam lá as Ford deu toda a assistência e então quando quebrava qualquer um dos carros logo nossos mecânicos consertavam. Assim foram durante 61 dias.


Zk - Você lembra quantos veículos vieram de São Paulo para cá?

Marinho – Do governo tinham mais ou menos uns 15 carros. Acontece que muitos empresários aproveitaram a iniciativa do governador Paulo Leal e também compraram veículos e vieram na Caravana como foi o caso do Roberto Cazenave e do Kerubim e outros.


Zk – Estávamos falando mesmo, era sobre a boemia. O compositor Bainha diz na letra de uma música que existia o Bandão. O que era o Brandão?

Marinho – Brandão era outro clube freqüentando pela turma da pesada. Esse clube ficava onde hoje funciona o Posto Maia. A época era considerado Av. Sete de Setembro e hoje é Nações Unidas. Ali era onde ficava a placa indicando o KM-1 da BR-29. Tinha também o clube do Zé Curica que funcionava onde foi o supermercado Maru.


Zk – Voltando ao Batuque de Santa Bárbara. Tem alguma outra história sobre seres encantados?

Marinho – Quando eu ainda era jovem, solteiro e gostava de tomar umas "caiçumas", tive um caso com uma moça que "Baiava" (dançava) no Batuque. Certo dia marquei um encontro com ela para assim que acabasse a função. Acontece que enquanto eles "baiavam" e batiam pra lá, eu fiquei por aqui no arraial que geralmente se formava em frente do Batuque, tomando umas e outras, para fazer hora. Bom! De vez em quando eu ia lá dentro do Batuque dá uma olhada na cabrocha, pra ver se dava pra gente sair no rumo da bica. Acontece, que quando estava para acabar o Batuque naquele dia, um "Encantado" incorporou nela, de repente os cambonos tiraram ela da sala e levaram pro "Ronco", lá pra dentro da casa e eu disse comigo, dessa vez vamos sair. Quando eu cheguei no quarto onde ela estava, fui dizendo: - Vamos embora nega! Ela toda descabelada olhou pra mim com um olhar muito estranho e foi dizendo com uma voz grossa: - Aqui quem fala é o "caboco" Guerreiro. Vamos embora pra onde cabra safado? Quando ouvi o tom da voz, vi que tinha perdido a noite, sai de fininho e fui pra casa. Naquela noite a prancha de lavar roupa da bica não me viu!


Zk – Já que entramos no assunto. Onde funciovana as casas de prostituição em Porto Velho na sua época de jovem?

Marinho – Bem ao lado da nossa casa, tinha a boate da Deusa. Agora o grosso mesmo ficava na Dom Pedro II Maria Eunice e Anita; na Afonso Pena; Mãe Preta e Tambaqui de Ouro e Madame Elvira também conhecida como Tartaruga; Na Marechal tinha o famoso Bar Estrela onde os boêmios se encontravam para partir para a caça. Ali também aconteciam fatos pitorescos.


Zk – Conta uma desses fatos?

Marinho – Certa vez o Zé Bossa famoso por suas histórias de caçador e falsa valentia. Bom o Bocinha como ele próprio se denominava, entrou no Bar Brasília e começou a encher o saco do Antônio Proprietário do bar. Aí chegou um negão de quase dois metros de altura. O Zé Bossa era baixinho olhou pra ele de cima a baixo e perguntou: "Quem é você, da onde você veio e pra onde você vai? O negão olhou pra ele, bebeu a pinga e pediu outra dose e o Zé, bote pra mim também! Em seguida cutucou o negão com o ombro e disse: "Eu lhe fiz uma pergunta! Quaro saber, quem é você, de onde você veio e pra onde você vai? O negão olhou pra ele deu-lhe um tapa no pé do ouvido, que ele passou pela porta e caiu sentado lá no terreiro. Zé levantou, bateu a poeira da bunda, olhou pro negão e disse. "EH! Comigo é assim. Quem manda não dizer nem da onde veio nem pra onde é que vai!


Zk – Para encerrar. Você está com 75 anos e parece um garotão. O que devemos fazer para chegar nessa idade com esse vigor?

Marinho – É ser uma pessoa de coração limpo, puro sem maldade, sem rancor, ódio. Essas coisas contraem as pessoas. Se você tiver o coração aberto vai muito longe com facilidade.

Fonte: Sílvio Santos/Gentedeopinião
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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