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José Carlos Sá

CACHOEIRA DE TEOTÔNIO



JOSÉ CARLOS SÁ
- Distante cerca de 30 quilômetros do centro de Porto Velho, a imponente Cachoeira de Teotônio, representa uma das dezenas de obstáculos que a natureza caprichosamente colocou no Rio Madeira impedindo a livre navegação entre Porto Velho e Guajará-Mirim, às margens do Rio Mamoré, na fronteira com a Bolívia. 

No entorno do Salto Grande moram, aproximadamente 500 pessoas, distribuídas em três vilas: Teotônio, com cerca de 300 pessoas; Amazonas e Porto Seguro, na margem esquerda, somando 180 pessoas. Toda esta gente deverá se mudar de onde moram quando forem iniciados os trabalhos de construção da futura Usina Hidrelétrica de Santo Antônio. A retirada da população será feita cumprindo o cronograma das obras civis, tendo o empreendedor que arcar com indenizações e aquisição dos terrenos para onde os atingidos serão removidos. 

Em um dos capítulos dos Estudos de Impactos Ambientais/Relatório de Impactos ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), estão previstos programas ambientais e sociais, com acompanhamento das comunidades impactadas direta ou indiretamente pelos empreendedores. Estas ações terão acompanhamento do Ministério Público e do Ibama e o não cumprimento de quaisquer de um dos compromissos que constam do EIA/RIMA pode significar a interrupção da obra até que o assunto seja resolvido. 

O AMANHÃ É HOJE 

Mas enquanto Furnas (ou outro qualquer) não vem, os estômagos dos pescadores e seus familiares estão roncando de fome. Sob o argumento de que estavam prevenindo acidentes, entidades ambientais e de segurança proibiram a pesca duzentos metros acima e duzentos metros abaixo das cachoeiras (corredeiras) de Teotônio e de Santo Antônio.
A medida afetou social e economicamente, especialmente as vilas de Teotônio e Amazonas, onde 90% da economia gira em torno da pesca. Os acidentes ocorridos na cachoeira, que registram uma média anual de 15 a 20 vítimas, segundo os moradores, eram pessoas que iam à cachoeira pescar, beber e se arriscavam nas pedras escorregadias existentes no meio do “tombo”. CACHOEIRA DE TEOTÔNIO  - Gente de Opinião

Entre os moradores dali, que nasceram e viveram às margens do Rio Madeira, os acidentes foram o mínimo, creditados à fatalidade, mas a interrupção do meio de sustento ficou só para eles, pois os visitantes podem escolher outro lugar para pescar.
No entanto, e isso é o mais cruel, a pesca industrial, considerada predatória e que também motivou a proibição de pesca no local continua, aqueles que se arriscam á noite ainda são submetidos às leis dos atravessadores, que compram os pescados a preços aviltantes.

Caso não haja uma intervenção do poder público, no sentido de resolver o problema de sobrevivência imediata daquela gente, um novo problema social será criado, com o êxodo espontâneo dos pescadores, que podem vir inchar ainda mais os bolsões de misérias que se formam, cada vez mais, na periferia de Porto Velho.

E QUEM FOI TEOTÔNIO?

Quem visita a cachoeira do Teotônio não imagina que naquele lugar funcionou um importante posto do fisco português, responsável pelo controle do trânsito de barcos que subiam o Rio Madeira com destino às minas de ouro e diamantes de Mato Grosso ou desciam com cargas (e contrabandos), vindos de Mato Grosso ou da América Espanhola, por volta da segunda metade do século XVIII. No local, hoje, não existe marco histórico, faixa ou quem quer que seja para contar a história da localidade e quem foi esse tal “Teotônio”, ou “Teotóim”, como dizem os pescadores que residem na vila. 

É preciso voltar no tempo para contar porque o principal acidente geográfico do Rio Madeira foi batizado com o nome do bacharel Teotônio da Silva Gusmão. O Tratado de Tordesilhas que dividia as terras não descobertas entre Portugal e Espanha foi firmado em 1494, mas era impreciso na delimitação das fronteiras. A partir de 1530, quando Portugal passou realmente a colonizar o Brasil, em busca de ouro, prata e pedras preciosas, cada vez mais os grupos de aventureiros adentravam no interior do país. A falta de informação e a conivência dos governantes fizeram com que a fronteira estabelecida por bula papal fosse “empurrada” para oeste a despeito das reclamações castelhanas. 

Teotônio Gusmão nasceu em Santos – Capitania de São Vicente e foi estudar em Coimbra – Portugal, onde se formou em Direito. Sendo seus irmãos, Bartolomeu e Alexandre de Gusmão, que prestavam serviços à Coroa Portuguesa, o primeiro como padre jesuíta e embaixador de Portugal junto ao Papa Benedito VIII. Mas Bartolomeu ficou famoso mesmo pelos inventos (o primeiro balão a subir na atmosfera, a bomba de retirar água dos barcos e uma lente para assar carne ao sol) e por ter sido perseguido pela Santa Inquisição. O segundo irmão, também diplomata, foi o principal negociador das novas fronteiras entre as terras de Portugal e Espanha, que seriam definidas pelo Tratado de Madri (1750). É de se ressaltar que o trabalho de Alexandre de Gusmão foi tão bem executado que o Brasil manteve até os dias de hoje praticamente a mesma representação cartográfica por ele traçada. 

Designado para acompanhar o recém nomeado primeiro governador da Capitania de Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura, Teotônio Gusmão ajudou a fundar a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, onde foi Juiz de Fora e Ouvidor. O trabalho que desenvolveu foi reconhecido pela Corte e por isso recebeu a incumbência de escolher o local onde seria instalada uma feitoria, para fiscalizar os barcos que trafegavam pelo Rio Madeira; anotar o que era transportado; e cobrar o quinto sobre o ouro, como também impostos sobre diamantes, drogas do sertão, escravos e outras mercadorias. A implantação desse posto fiscal era uma das determinações recebidas por Rolim de Moura, antes de sair de Portugal para assumir a administração da Capitania de Mato Grosso, que foi desmembrada de São Paulo. 

Ao descer os rios Guaporé, Mamoré e Madeira, Teotônio examinou a região das cachoeiras, entre a atual Guajará-Mirim e Santo Antônio, tendo escolhido o Salto Grande como lugar adequado para a instalação da povoação. Um viajante daquela época, maravilhado com o acidente geográfico, comparou-o às “catadupas do rio Nilo”, principalmente pelo barulho provocado pela queda d’água. 

Chegando a Belém, o Juiz de Fora conseguiu apoio do governador da Capitania de Grão Pará, Capitão General Francisco Xavier de Mendonça, que mobilizou funcionários públicos, escravos e índios para acompanhar Teotônio, que também mandou buscar a família em Portugal. Mendonça, irmão do Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de Portugal, apesar de ajudar nos preparativos - já que era uma ordem real - comunicou à Sua Majestade sobre as providências adotadas, mas ressaltou não ver futuro na empreitada, uma vez que Teotônio de Gusmão sofria de forte asma e a região era (e é) insalubre. 

Poucos dias antes de embarcar com a sua equipe para o Salto Grande, Teotônio recebeu Carta Régia designando-o para cumprir a missão de Ouvidor em Cuiabá – para onde se deslocou o centro do poder da Capitania, tendo em vista a descoberta de ouro na região -. Por influência do governador do Grão Pará, a nomeação foi revogada e a comitiva embarcou com destino a Salto Grande, também conhecida como Cachoeira do Gamon, Iaguerites e Padre Eterno. 

A povoação foi criada com o nome de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande, e com espírito prático Teotônio logo determinou a derrubada de uma grande área da floresta para o plantio de gêneros alimentícios. As duas principais preocupações eram com a alimentação dos moradores e o saneamento do lugar. Em 21 de fevereiro de 1759, a localidade foi elevada à categoria de Vila, mas os problemas já haviam começado: o gênio irascível de Teotônio de Gusmão, aliado aos freqüentes ataques dos índios Mura, deixava a população sob permanente tensão. Os funcionários, escravos e índios domesticados logo abandonaram a vila, ficando Teotônio acompanhado apenas da família e de alguns servos. Ele foi acusado de passar descompostura em qualquer um dos moradores, tratando com a mesma grosseria os padres e os escravos, em sua defesa o juiz acusou os padres de incitarem os colonos a desertarem. 

Em 1760, quando havia poucos moradores na vila, Teotônio de Gusmão tomou a decisão de abandonar o lugar, tendo retornado para Belém e depois indo residir em Santarém, onde morreu na mais absoluta miséria, talvez como homenagem póstuma, a cachoeira passou a ser conhecida pelo seu nome. 

Fonte: Jornalista José Carlos Sá escreve BANZEIROS para o  Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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