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SÃO ROMERO DA AMÉRICA: Papa Francisco marcou sua beatificação para 23 de maio


 
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A 24 de março de 1980, às 18h30, atiradores de elite do Esquadrão da Morte de El Salvador descarregaram suas armas no arcebispo Dom Oscar Romero, 62, que celebrava missa na capela do Hospital da Divina Providência, em San Salvador. Os assassinos, treinados nos EUA, jamais foram punidos.

Na véspera, Domingo de Ramos, Romero havia proferido contundente homilia na catedral, exortando Exército e polícia da ditadura que governava o país a cessarem as violações dos direitos humanos.

Conheci-o no ano anterior, no México, durante a conferência episcopal de Puebla. Presenteei-lhe com meu “Cartas da prisão”. Ressaltou ao agradecer: “Um presente oportuno. Talvez eu vá precisar aprender a fazer o mesmo.”

Oscar Romero, enquanto padre e bispo, demonstrava nítidas tendências conservadoras. Avesso à Teologia da Libertação, sentia-se melhor entre as famílias da elite salvadorenha. Considerava as Comunidades Eclesiais de Base “grupos políticos”, como se os movimentos ultramontanos católicos fossem politicamente neutros...

Nomeado arcebispo de San Salvador em 1977, aproximou-se dos bairros pobres. O impacto da pobreza e da violência o levou a dedicar-se à defesa dos indefesos. El Salvador, então com 5 milhões de habitantes, estava imersa em uma guerra civil que teve um saldo de 70 mil mortos e 1,5 milhão de refugiados.

Sua postura causou incômodo, a ponto de a Casa Branca enviar um emissário para tentar convencê-lo a buscar “a harmonia entre Igreja e governo”. Romero respondeu: “Primeiro é preciso haver harmonia entre governo e povo.”

Seu martírio teve ressonância mundial. Em 1996, o Vaticano abriu processo para canonizá-lo, logo engavetado devido a fortes resistências. Em 2000, o cardeal vietnamita Nguyen Van Thuan, convidado a pregar o retiro do papa João Paulo II e de prelados da Cúria Romana, exaltou Romero como exemplo de cristão para os tempos atuais. Acusaram-no de “inoportuno” por elogiar “uma figura controversa”, suspeita de “subversão”.

Em maio de 2007, enquanto voava para o Brasil, Bento XVI reconheceu-o como “um grande testemunho de fé.” Disse aos jornalistas que ele era “digno de beatificação”. A imprensa vaticana ignorou tais declarações.

Para os católicos conservadores, canonizar Romero significaria sacralizar a Teologia da Libertação, da qual se tornara adepto ao fazer opção pelos pobres.

A Assembleia Geral da ONU proclamou, em 2010, a data de 24 de março Dia Internacional pelo Direito à Verdade acerca das Graves Violações dos Direitos Humanos e à Dignidade das Vítimas. A Igreja Anglicana da Inglaterra integrou Romero como mártir em seu “Common Worship”. O mesmo fez a Igreja Luterana da Alemanha.

Um mês após ser eleito papa, Francisco ordenou a reabertura do processo de Dom Oscar Romero. Há décadas ele é cultuado em nosso Continente como São Romero da América. Francisco afirmou que ele sofrera o martírio por “ódio contra a fé” e que não havia sido assassinado apenas por razões políticas. Em janeiro último, seu processo de canonização foi acelerado.

Mercedes Sosa canta em “Solo le pido a Dios”: Solo le pido a Dios / que la guerra no me sea indiferente / es um monstruo grande y pisa fuerte / toda la pobre inocência de la gente.

Foi o que fez Dom Oscar Romero no seguimento de Jesus, que também morreu assassinado por dois poderes políticos.

Roma acaba de anunciar que, no próximo 23 de maio, ele será beatificado pelo papa Francisco.


Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

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