Domingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

DISTOPIA PÚBLICA – o que não queremos


 DISTOPIA PÚBLICA – o que não queremos - Gente de Opinião

Políticos e autoridades – bem como cientistas políticos – estão tentando entender a dimensão, o significado, o alcance dos últimos movimentos sociais que abalaram a calmaria e a letargia polÍtica nacional. As respostas anunciadas são muitas: luta contra a carestia social; um não à brutalidade da polícia; insatisfação com os gastos públicos; revolta contra os serviços públicos (expressos nos R$3,20 da passagem em São Paulo). Para mim, sintetizo como distopia pública. Além de vivermos em um estado de distopia pública há tempos – com nuances de regime de exceção, a exemplo da ditadura legislativa –, agora temos uma parcela bem grande do povo se manifestando contra a distopia pública no sentido moral (gritar contra a corrupção faz bem à saúde mental) e institucional (exige-se a melhoria dos serviços, como saúde, transporte, educação). De certo modo, os 250 mil que foram às ruas, que cercearam o direito de ir e vir de outros tantos que queriam chegar em casa, ajudaram-nos a ver que a distopia pública gerou o caos social e a guerra civil: a insegurança generalizada é apenas um sinal. Esse estado de caos levou as pessoas para a rua, em marcha pela democracia e moralidade pública, e apenas ajudou a aumentar a nossa percepção da distopia pública que está na origem de tudo. O caos social, ao contrário do que veem os leigos, não foi provocado pela marcha dos descontentes e sim pelos governantes, autoridades e servidores públicos. O povo esteve e estará nas ruas contras os incompetentes, corruptos, letárgicos, pequenos empoderados, e todos eLes sentiram um pouco a vulnerabilidade que o povo sente todo dia. A imensa maioria dos manifestantes (não chegam a ser ativistas, por falta de ritmo e de clareza nas prerrogativas) é formada por estudantes. Mas, atingido violentamente em sua vida comum, o homem médio, também está se envolvendo. Fala-se agora de uma possível greve geral. Neste caso, o movimento realmente ganharia uma dimensão mais utópica, isto é, com algum horizonte mais bem talhado. Até este momento em que escrevo o mote de tudo é a distopia, o negativo, o nefasto que não queremos mais. Ainda não se formulou a utopia, aquilo que se quer, a positividade das relações sociais. Até agora, os próprios partidos políticos estão sendo vaiados, pois a estrutura política é toda considerada como parte do MESMO vício político – não se faz muita distinção entre as lideranças: farinha do mesmo saco. A ausência de uma liderança profissionalizada no movimento nacional reforça esta análise. O que, em todo caso, não impede que alguns desses venham a se candidatar futuramente, aproveitando as franjas de seu movimento político espontâneo. O espontaneísmo é outra característica do movimento do inverno brasileiro; pois, ainda que tenham lideranças organizativas, as pessoas estão aderindo mesmo sem pauta ou ideologia clara. As pessoas aderem porque se cansaram da distopia nacional e outro exemplo vem da relação custo-benefício aplicado aos impostos pagos: 721 bilhões (quase um trilhão) de reais para que? Há muito que foi feito, mas muito mais do que seria suportável se perdeu no ralo da corrupção e da incompetência. Estamos craques em distopias, o que não queremos, mas qual é mesmo a utopia possível para todos nós? Pois é, o fato de puxarmos pela memória é bom indício de que há décadas não falamos sobre isso. Trocamos a letargia, as facilidades do consumismo e os apelos do niilismo, a apatia do “analfabeto político” de Bertold Brecht pela marcha nas ruas. Hoje, para o bem da consciência e da vida comum, trocamos o Facebook pelo espaço público. Saiam e digam com clareza o que vocês querem. Dessa vez, o mundo olha para o Brasil por causa de algo bom, positivo. Não quebrem nada, mas saiam e gritem o mais alto que puderem.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Necropolítica e luta de classes no Rio de Janeiro - O fim do Estado

Necropolítica e luta de classes no Rio de Janeiro - O fim do Estado

A chacina ou o massacre – como se queira chamar – levados a cabo pelas forças policiais do Rio de Janeiro, a mando do Governador do Estado, no dia 28

Educação e Sociedade: Sociologia Política da Educação

Educação e Sociedade: Sociologia Política da Educação

O leitor terá a seguir apresentação do mais recente livro de Vinício Carrilho Martinez, professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Ace

Ela pensa? - a inteligência desumana

Ela pensa? - a inteligência desumana

Tanto fizemos e desfizemos que, afinal de contas, e ainda estamos no início do século XXI, conseguimos produzir uma inteligência desumana, absolutam

Pensamento Escravista no Brasil atual

Pensamento Escravista no Brasil atual

          Esse texto foi pensado como contribuição pessoal ao Fórum Rondoniense de Direitos Humanos – FORO DH, na fala dirigida por mim na mesa Enfr

Gente de Opinião Domingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)