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Dante Fonseca

Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia


Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem, apesar de modernos aeroportos existirem nas mais importantes cidades da Amazônia, caiu-me às mãos essas memórias. Lembrança daqueles tempos que a saudade imprimiu na música do mineiro Milton Nascimento a emoção de voar nas “Asas da Panair”. Do outro lado do Brasil também a memória guarda a existência heroica dos primórdios da navegação aérea comercial na Amazônia. Na falta de pistas de pouso aquela empresa aérea providenciou os hidroaviões Catalina, para servirem nossa população. No rastro vieram outras: a Varig, a Cruzeiro do Sul ... Após o avento dos campos de pouso, eram necessários dois dias de viagem, do litoral para as regiões fronteiriças da Amazônia, com pernoite em Cuiabá. As dificuldades eram grandes, superadas porém pelos sentimentos de serviço à população e de brasilidade, que integrava a todos os brasileiro.

Soluções no passado, mesmo que precárias, dificuldades no presente, foram essas reflexões trazidas a mim pela memória do autor do artigo que segue abaixo, que se confundem com as memórias desse grande intelectual amazônida chamado Isaac Benchimol.

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

Como ex funcionário dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, nos idos anos de 1970, quando com frequência o trabalho ocasionava meu contato com as bases da empresa na Amazônia, que eu jamais pensei que conheceria, a crônica de Abrahim Base me emocionou. Desejei então compartilha-la com outros, especialmente os antigo aeroviários aqui residentes. Com a autorização do autor replico então o texto abaixo.

 

Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia

A Amazônia recebia a presença da Panair do Brasil como elo de brasilidade perdida na vastidão do território amazônico.

ABRAHIM BAZE - [email protected]

O pouso fora feito com segurança e os agentes que representavam a Panair do Brasil em qualquer lugar da Amazônia, se encontravam a bordo de uma pequena e frágil canoa. Era o primeiro contato com aquele enorme avião, que trazia passageiros e mercadorias da civilização. Tudo ocorria como previsto, a tripulação permaneceu em seus postos para eventuais emergências e naturalmente para fatos inesperados. Havia piranhas em volta da embarcação e naturalmente o perigo era eminente, como o caso um acidente no qual a canoa virasse. O avião afastava-se lentamente levado pela correnteza, contudo, com auxílio dos motores era feita a correção, a fim de permitir sua atracação junto da boia e o hidroavião parou novamente no ponto de translado para desembarque de passageiros e mercadorias.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal - Gente de Opinião
Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

           Foram momentos importantes daquele período com o sentimento de desafio e naturalmente o começo de muitas descobertas. Outro fato interessante era a comunicação por rádio com navios estrangeiros que promoviam o dialogo crescente e de cordialidade, na verdade, uma troca de conhecimentos, de emoções e de histórias que por muito tempo fariam parte do imaginário daqueles navegantes com os povos da floresta e de seus visitantes.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal - Gente de Opinião
Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

        Normalmente suas chegadas no interior do estado era no amanhecer e que permitia aquela população ribeirinha assistir ao transitar frenético de passageiros e tripulantes em direção ao flutuante, em meio de pacotes, mercadorias, malas, baús e gaiolas que amontoavam à espera de acomodação no interior do hidroavião, sua tripulação de uniforme azul e branco impecavelmente vestida, ao mesmo tempo que se ouvia uma passageira contar a lenda do Uirapuru, observava aquelas pessoas que quase isoladas do restante do país aguardavam a lembrança de um parente, uma encomenda, a esperança de um remédio, ou simplesmente a oportunidade de receber noticias de um mundo desconhecido.

            Foram muitas as celebrações, que se renovavam a cada passagem da Panair do Brasil desde sua chegada inaugural em 25 de outubro de 1933, até sua partida três décadas mais tarde. Na verdade, era a celebração da solidariedade, da amizade e principalmente muitas saudades do encontro de porções diferentes de pessoas de um mesmo Brasil.

Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia - Gente de Opinião

            A Amazônia recebia a presença da Panair do Brasil como elo de ligação de brasilidade perdida na vastidão do território amazônico:

          […] Quando o caboclo olhava o céu e nele via cruzar a certeza da boa nova, a resposta para sua espera ouvia apenas a marcação do meio dia, aproximação no meio da tarde e o anunciar do entardecer”. 

Fonte: As asas da história. Lembranças da história da Panair do Brasil. 1996. Pág.: 13.

          “O Amazonas, sob o impacto de nossa vontade e trabalho, deixará de ser um simples capítulo na história do mundo e, tornado equivalente a outros grandes rios transformar-se-á em capítulo na história da civilização. Tudo que foi feito até agora no Amazonas, seja na agricultura ou na indústria extrativista deverá ser transformado em exploração nacional, discursava o Presidente Getúlio Vargas em 1940, quando de sua visita a Manaus”.

Fonte: As asas da história. Lembranças da história da Panair do Brasil. 1996. Pág.: 15.

          A bem da verdade, a Panair do Brasil antecipou-se a este projeto e com muita sabedoria contribuiu nos idos dos anos 40, quando os Estados Unidos da América entraram na guerra e foi firmado o acordo de Washington (1942), no qual o Brasil se comprometia em fornecer borracha, matéria prima estratégica. A campanha da borracha começava e utilizava a estação de rádio da Panair do Brasil em Canafa, Estado do Amazonas, e os planos de viagem da Bacia Amazônica contratados pela Rubber Development Company.

Fonte: Idem página 15.

Ao sabor do balanço das águas os hidroaviões não se perturbavam diante dos novos desafios. Singravam pioneiros os ares da Amazônia, acompanhando o serpenteado rios até por medida de segurança. E a cada decolagem, a certeza de um pouso mais distante como quem tem a missão de tocar fundo o coração da floresta. A tarde caia, e com ela o vento trazia o sabor da tarefa cumprida. Era comum, os passageiros alegres, experimentando a recepção afetuosa de parentes e amigos em seguida acomodados na canoa, que sumia nas curvas do igarapé, levando consigo a lenda de outros pássaros da floresta.

          A tripulação tinha sua bagagem arrumada em outra canoa e preparava-se para mais uma pernoite, e o rapaz de uniforme impecável percorria com os olhos a paisagem, possivelmente encantado ou à espera de um canto especial, ao seu lado, um caboclo sorria apenas sorria, agarrado à um pacote que haviam depositado em suas mãos. O sol tocava o horizonte em uma cena incomparável e mais uma vez testemunhava as expectativas e sonhos dos povos da floresta embarcados num pássaro de prata, cujo, destino estava escrito na sorte de chegar aos lugares esquecidos do Brasil.

          O sentimento de desafio daqueles heróis era de grande valia para nossa Amazônia naquele período, sempre cercado por moradores da área, que por curiosidade, permitiam uma crescente cordialidade e naturalmente uma troca de conhecimento, de emoções e histórias que por muito tempo fizeram parte do imaginário dos povos da floresta em especial do jovem Samuel Isaac Benchimol que acabara de completar seus dezoito anos.

          Samuel Isaac Benchimol guardava essas lembranças como uma celebração, que se renovava a cada chegada e saída da Panair do Brasil, que fez sua primeira chegada inaugural em 25 de outubro de 1933. A celebração da solidariedade, da amizade e de algumas saudades que ele não cansava de comentar, como se fora ao encontro de poções diferentes de um mesmo Brasil. A presença da Panair do Brasil na Amazônia, de brasilidade perdida na vastidão do nosso território serpenteado pelas águas. Samuel Isaac Benchimol na sua juventude, sob o impacto do seu primeiro trabalho descreveu um capitulo da sua historia da Panair do Brasil.

          Foi um período rico da nossa historia, ao sabor do balanço das águas, aquele pássaro de alumínio não se perturbava diante de novos desafios e singrava os céus da Amazônia e o serpentear dos rios e a cada decolagem a certeza de um novo pouso em um espaço mais distante da Amazônia. Foram muitas vezes que a tripulação da Panair do Brasil fazia seu pernoite em alguma cidade da Amazônia e, mais uma vez, testemunhava expectativas e sonhos dos povos das barrancas dos rios, fatos como esses marcaram profundamente o inicio da carreira profissional do jovem Samuel Isaac Benchimol.

Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia - Gente de Opinião

       O apego à vida laboriosa mostrava o que seria, mais tarde, aquele jovem. Ele acreditava no itinerário de vida, explorando ações empreendedoras procurando construir o próprio caminho. Rica e intensa foram suas experiências despachante de bagagem da Panair do Brasil.

          […] Relembro com saudade e emoção que neste tempo eu era humilde despachante de bagagem da Panair do Brasil, exercendo funções no flutuante ao lado Roadway da Manaós Harbour onde atendia os passageiros dos hidros aviões da Panair e da Pan Amarican, que transportavam borracha dos seringais para suplemento das Forças Aliadas na Guerra. Trabalhava no expediente da madrugada, das 3horas às 6horas da manhã. Às 7horas já estava na Faculdade de Direito assistindo aulas. Era meu companheiro de trabalho Francisco Xavier de Albuquerque, que fora Ministro do Supremo Tribunal Federal. À noite lecionava Economia Política na Escola de Comércio Solon de lucena.

Fonte: BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Um Pouco-Antes e Além-Depois. Manaus: Calderaro, 1977. Pág.: 31 e 32.

          O porto situado as margens do Rio Negro, era naquele período a porta de entrada daquela cidade. Cercado de prédios construídos no período do látex, emoldurado pelo verde da mata. É nesse espaço físico que brota o aprendizado nas vertentes da vida e que proporcionaria uma excelente oportunidade para o desenvolvimento da cidade de Manaus.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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