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Viriato Moura

O poder curativo da literatura


O poder curativo da literatura - Gente de Opinião

Quando da construção da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o jornal The Porto Velho Marconigram, o segundo publicado que circulou nesta região, editado em inglês, trazia uma frase, a única em espanhol, embaixo do título do periódico: “A vida sin literatura e quinina, es muerte”. 

Ante às adversidades quase intransponíveis da floresta amazônica, a literatura foi, assim, equiparada ao mais importante medicamento existente então, aquele que tratava a enfermidade que mais acometia e matava os trabalhadores da ferrovia, a malária. A literatura era para aqueles bravos operários um lenitivo salutar para a solidão em que viviam, longe de seus familiares e domicílios.  No livro Trilhos na Selva: o dia a dia dos trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de Rose e Gary Neeleman, podemos ler alguns poemas escritos por aqueles operários durante um dos mais dramáticos episódios da história brasileira de todos os tempos.

O efeito terapêutico da literatura foi percebido desde a Antiguidade. O faraó Ramsés II considerava sua biblioteca como uma farmácia. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com soldados feridos na Segunda Guerra Mundial concluiu que aqueles que se dedicavam à leitura recuperavam-se mais rapidamente.

Assim como os medicamentos, a literatura tem indicações, contraindicações e efeitos colaterais. Friedrich Nietzsche escreveu que “os leitores extraem dos livros, consoante a seu caráter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores, retiram, uma o mel e a outra o veneno”.

Retirar bons néctares da literatura denota sabedoria. “Muitos homens iniciaram uma nova era em suas vidas a partir da leitura de um livro”, ensina Henry Thoreau. Quem tem um livro disponível, não está só. Se a escolha for boa, ele será um agradável companheiro para momentos de lazer, de reflexões e estados emocionais diversos. A leitura de um texto aprazível pode conduzir a momentos de enlevo. E todas as vezes que se atinge esse estado de espírito, o organismo produz endorfina, hormônio que nos provoca sensação de bem-estar, de felicidade.

Desde que se aprende a ler, a leitura deve ser estimulada. É importante dar às crianças livros infantis, coloridos, com belas histórias e até com ensinamentos de atitudes que as possam ajudar na construção do próprio caráter. Ler para crianças é algo que deve fazer parte das obrigações de pais e educadores. Nutri-las com encantadoras leituras tem tanta importância como o bom alimento físico que recebem.

 A produção de literatura também deve ser incentivada. Mesmo quem não se ache com talento para escrever, deve tentar se expressar através da escrita — muitas vezes nos abstemos dessa salutar prática por inibição ou até mesmo por excesso de autocrítica. O poeta espanhol Antonio Machado, escreveu: “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar” — qualquer atividade tende a melhorar e se consolidar com a prática reiterada. Não foram poucos os escritores que só começaram a se dedicar às letras na maturidade. Produzir literatura, sem dúvida, é importante fator motivacional de vida e fonte de conhecimentos.

Uma lapidar citação de Marcus Túlio Cícero, uma das mentes mais versáteis da Roma Antiga, sintetiza a importância da literatura para a existência humana: “As letras são o alimento da juventude, a paixão da idade madura e a recreação da velhice; dão-nos brilho na prosperidade, e são uma consolação, um recurso no infortúnio; fazem as delícias do gabinete, e não embaraçam em nenhuma situação da vida; de noite, servem-nos de companhia, e vão conosco para o campo e em viagem”.

 

*Viriato Moura é médico, jornalista, artista plástico, cartunista, chargista, autor de 20 livros (prosa e verso), 3 opúsculos e participou de 9 coletâneas literárias. Recebeu diversas condecorações a nível municipal, estadual e nacional, sendo a mais recente delas a Comenda Moacyr Scliar – Medicina, Literatura e Arte, que lhe fora outorgada pelo Conselho Federal de Medicina. É membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes, da Academia de Letras de Rondônia e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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