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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Sucateamento da Vida Moderna


Há algum tempo tenho verificado o que chamei de sucateamento da vida moderna, nas grandes e nas pequenas atribulações.

Nas pequenas, é fácil verificar a ação da famosa taxa de depreciação crescente, o que significa que as coisas e os valores (atribuídos a priori) perdem durabilidade, sentido, cada vez mais rapidamente.

Digo a vocês, mas não respondi a uma interlocutora quando me sugeriu trocar de celular porque estava fora de moda. Meu aparelho tem dois anos, acessa a Internet e tem funções descritas em um manual de mais de cem páginas – que não li e nem vou. Porque não vou usar as tais funções e porque me recuso a ser escravo de modismos, consumismos, bestialismos.

Também vejo uma regionalização desses (d)efeitos. Vejamos: uma gilete que, em São Paulo, utilizo quatro ou cinco vezes, em Rondônia não passa de duas, três. Por três vezes, comprei lasanhas pré-prontas em conhecido supermercado do centro da cidade e, depois de prontas no micro-ondas, vi que estavam estragadas.

Nesses casos, sempre verifiquei a data de validade. Então, ocorrem-me duas hipóteses: 1) as lasanhas quatro-queijos foram descartadas nas regiões Sul/Sudeste, por não passarem no controle de qualidade, e trazidas para cá; 2) o gerente do supermercado manda seus funcionários desligarem o refrigerador à noite e nos finais de semana.

Na educação como um todo, aqui e para além mares, vigora o analfabetismo funcional e um tecnicismo imprestável. Basta perguntar a algum bacharel, que não seja de exatas, a famosa tabuada. Para os que são de exatas, perguntem sobre a Primavera Árabe. Para todos, de todas as áreas, professores e alunos, indaguem o porquê do voto ser obrigatório.

Entre alunos de direito, procurem saber das diferenças políticas e jurídicas entre a abstenção, o voto em branco e o voto nulo. Com seus professores, tirem dúvidas acerca do chamado Direito a ter direitos – um exemplo simples do que digo é encontrado no artigo 5º, LXXVIII, 2º da CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...”.

Quando aqui cheguei, dizia em sala de aula que, para procurar ou indicar um advogado a quem me procurasse, primeiro perguntava ao “operador do direito” qual o último livro que tinha lido. Depois, para externar qualquer opinião sobre juízes, promotores ou juristas aplicava o mesmo método. Por fim, hoje, limito-me a investigar como a pessoa distingue direito e lei.

Confesso que as conclusões não são animadoras. Contudo, utilizo esses métodos para lhes dizer que tenho receio do que se faz atualmente e mais medo ainda quando projeto meu futuro nas mãos desses profissionais.

Aliás, não há infelicidade maior do que encontrar um profissional do direito, seja qual for sua área de atuação, definir-se com galhardia como “operador do direito”. O tecnicismo lhe absorveu de tal modo que nem é capaz de se imaginar como jurista.

Quem opera também é o cirurgião e este, com propriedade, secciona, corta. O “operador do direito” não faz obras, não é construtor ou inventor.

Nosso operador se limita a operar as leis como um operador de máquinas faz com seus botões. Ao operar as leis, separa lei e direito de seu significado maior. A lei resta como instrumento do pragmatismo, do resultado a todo custo. O direito se isola da ética, da Justiça.

Em todo caso, vale a pena assistir novamente Tempos Modernos, com Chaplin. Aliás, há juristas que se dedicam aos operários, mas são tão poucos que ficam para outro dia.

As honrosas exceções, como se diz, fazem parte da estatística que não entra na estatística.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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