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Montezuma Cruz

GASOLINA BOLIVIANA



Gasolina boliviana entra no País
por Guajará-Mirim há 30 anos

ANA MARIA MEJIA e
MONTEZUMA CRUZ

Agência Amazônia 

GUAJARÁ-MIRIM (RO) e GUAYARAMERÍN (Bolívia) – Muito comum na fronteira brasileira com outros países produtores de gás ou petróleo, a compra de gasolina e óleo diesel da Bolívia faz parte do cotidiano de Guajará-Mirim, 42 mil habitantes. O negócio é antigo e vem desde os tempos do Acordo do Gás firmado em 1975 pelos falecidos presidentes Ernesto Geisel e Hugo Banzer. Os produtos bolivianos saem do Departamento (estado ou província) do Beni e atravessam o rio Mamoré em barcos para serem vendidos nas ruas, igual a pirulito, cocada, refresco e salgadinhos. Quando a Agência Amazônia visitou essas cidades, o litro do combustível boliviano custava R$ 1,30 e na mesma ocasião não passava de R$ 0,20 na Venezuela. O preço baixo vem sendo há muito tempo um atrativo na região oeste de Rondônia. 

GASOLINA BOLIVIANA - Gente de Opinião
Motos são abastecidas pelo comércio-formiga no centro de Guajará-Mirim /M.CRUZ
Em garrafas PET de dois litros, descartáveis, litros, vendidas a R$ 3,50 cada uma, a gasolina boliviana, de alta octanagem, procedente das refinarias de Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba passou a ser comprada por motoristas e motoqueiros nas ruas, borracharias e pequenos estabelecimentos comerciais de Guajará-Mirim. Não existe um cálculo exato do total desse contrabando, estimando-se que esse comércio-formiga alcance pelo menos mil litros/dia. A situação provoca reclamações de bolivianos. Com menos dinheiro, eles não conseguem comprar grandes quantidades. Os brasileiros enchem o tanque e, por isso há dias em que falta combustível.

No funil

Usando como funil uma garrafa cortada, a "equipe" enche os tanques. Mas, se os clientes preferirem, podem levar as garrafas cheias. Nos poucos mais de 40 minutos em que a reportagem permaneceu num dos pontos de venda, dez motos e quatro carros foram abastecidos. "É um negócio temporário. Estou há seis meses nisso. Dá para defender a carne", afirma Eduardo Ortiz, 26, sentado em uma cadeira na porta. Diz ganhar R$ 500 por mês e ter na relação de clientes empresários e policiais. 
GASOLINA BOLIVIANA - Gente de Opinião
Guayaramerín: lubrificantes e gasolina em garrafas pet no balcão /ANA MARIA MEJIA

A maioria pede para não ser fotografada. Os pontos de venda dos bolivianos em Guajará-Mirim não ficam muito distantes da sede regional da Polícia Federal e da Delegacia da Receita Federal. Alguns funcionam a duzentos metros da área portuária. Nem esses órgãos ou a prefeitura arriscam informar quantos veículos são abastecidos diariamente com a gasolina boliviana.

No entanto, basta observar o serviço dos bolivianos para constatar o óbvio: esse contrabando se tornou corriqueiro ao longo de três décadas. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informa que não está entre suas atribuições fiscalizar a venda de gasolina fora dos postos ou a entrada ilegal de combustível no País. A ANP só investiga se os estabelecimentos que vendem legalmente combustível repassam o produto adulterado.
Concorrência desleal

Não se sabe quantas casas ou pequenos comércios vendem esses combustíveis. Donos de postos de gasolina e lubrificantes reclamam da concorrência desleal no ramo. Um dos postos vendia há três anos 150 mil litros por mês. Por causa da concorrência dos "formigas" agora só comercializa a metade. 

"Isso afeta o empresário porque não pagamos impostos", queixa-se o proprietário. "O empresário vende menos, mas a culpa não é nossa. É da fronteira", defende o "formiga" Eduardo.

O gerente comercial do Sindicato Estadual do Comércio de Derivados do Petróleo (Sinpetro) em Corumbá (MS), Márcio Araújo, retrata uma situação semelhante à de Guajará-Mirim. Ele estima que os 15 postos de combustível dessa cidade fronteiriça vendem pelo menos 2,5 milhões de litros por mês, mas perdem 1 milhão para a gasolina boliviana. Embora os distribuidores sul-mato-grossenses concentrem sua indignação contra o comércio clandestino de gasolina em casas de Corumbá, os principais concorrentes são postos bolivianos em Puerto Suarez, a menos dez quilômetros de distância, onde os brasileiros abastecem seus veículos.

Segundo a Prefeitura de Corumbá, três mil veículos, tanto com placas da Bolívia como do Brasil, passam diariamente pela fronteira. Em Puerto Suarez, o Posto Lido 24 Horas, um dos mais movimentados, informa atender cerca de 500 pessoas por dia, dos quais, 350 brasileiros. 
GASOLINA BOLIVIANA - Gente de Opinião
Fartura e preço atraem clientela /ANA MEJIA


Prisões

São 17h. Um agente leva mais o problema à sala do delegado-chefe da Polícia Federal, Pedro Maia, 38 anos, que está no cargo há pouco mais de um ano: um menor boliviano foi flagrado por soldados da Polícia Militar, vendendo gasolina boliviana na área portuária. Cena que se repete no dia-a-dia. Maia ordena ao agente que intime os pais do menino e lavre um termo de notificação.

O Conselho Tutelar também é convocado para registrar a ocorrência. No meio dos adultos há muitas crianças bolivianas. Elas chegam em grupos e trabalham unidas: enquanto uma anuncia o produto ao freguês brasileiro, outra vem com o funil. Em seguida, uma terceira despeja o produto no tanque do veículo.

A delegacia agora tem 17 pessoas. Mais quatro agentes se somam aos 12 atuais, totalizando 16. Dois delegados, quatro escrivães e um papilocospista estão entre eles. A sede do DPF será reformada. "Este, pelo menos, é o maior efetivo até hoje conseguido aqui", comenta Maia. O delegado prevê um fluxo melhor de atuação no dia-a-dia fronteiriço. Sua patrulha é formada agora por dois barcos e lanchas voadeiras, entre elas uma Boston, de grande potência. "Percorrer mais de mil quilômetros de fronteira é uma tarefa que exige planejamento e precisão", ele diz. 

ENTENDA

►Octanagem é a denominação dada à capacidade que um combustível tem de resistir à compressão, sem entrar em processo de detonação (queima espontânea da mistura). Quanto maior a octanagem, maior será a resistência a esse fenômeno, muito prejudicial ao motor.

►No projeto de um motor, a octanagem do combustível que será utilizado no mesmo é um dos principais parâmetros para a determinação de sua taxa de compressão, curvas de avanço de ignição e tempo de injeção. A octanagem da gasolina pode ser classificada pelos métodos RON, MON e AKI. 

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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