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Matias Mendes

WÁLTER BÁRTOLO: A Lenda da Boemia


Por MATIAS MENDES

O Estado de Rondônia acaba de perder uma das maiores expressões da cultura e da política por aqui nascidos, o seresteiro Wálter Bártolo, que entre uma seresta e outra ainda encontrou o tempo necessário para ser um dos maiores homens públicos entre os poucos aqui mesmo nascidos. De fato, em se tratando de vida pública com probidade e compromisso com os menos favorecidos, não houve até hoje em Rondônia alguém com uma biografia mais reluzente. Ele transitou por todas as esferas do poder, exerceu quase todos os cargos públicos de relevância, foi prefWÁLTER BÁRTOLO: A Lenda da Boemia - Gente de Opiniãoeito de Ji-Paraná, foi deputado estadual, foi Secretário de Estado, foi presidente de autarquias, sempre cumprindo as missões que lhe eram confiadas com muita retidão, muita modéstia e com invejáveis desempenhos. Embora tenha sido apenas um Cabo quando prestou o serviço militar no Exército, a sua extensa e profícua folha de serviços foi em tudo semelhante à de um grande Marechal de Campo. De certo modo, pelo seu desempenho nos mais longínquos rincões de Rondônia, Wálter Bártolo foi o nosso Rondon regional, foi o nosso Vinícius de Morais nativo, foi o nosso Nélson Gonçalves caboclo, foi o grande homem que soube como ninguém combinar o talento artístico com a operosidade do homem público comprometido com seu povo.

Wálter Bártolo foi um político sem qualquer vínculo com ideologias, sua única ideologia era servir bem o seu povo dos beiradões do Madeira, das plagas fronteiriças do Guaporé, da região do rio Machado, enfim, dos pontos mais esquecidos do Estado. Sua cruzada em prol das gentes humildes dos interiores começou ainda nos tempos de D. Francisco Xavier-Rey, o primeiro Bispo Prelado de Guajará-Mirim, ao lado do qual pervagou pelo Vale do Guaporé construindo escolas, construindo campos de aviação, implantando a pecuária bubalina na Fazendo Pau D’Óleo,  implantando casas de fabrico de  farinha, construindo Postos de Saúde, beneficiando as comunidades ribeirinhas do Guaporé dos dois lados da fronteira, pois até em Versalles ele construiu campo de pouso e implantou central de energia termoelétrica. Na região do Madeira também a sua ação em prol das comunidades deixou marcas nas localidades de São Carlos, Nazaré, Papagaio, Terra Caída, Calama e Demarcação, esta última já nas margens do rio Machado. Enfim, os mais remotos rincões de Rondônia foram beneficiados pela obra meritória do grande homem público que se havia notabilizado na jeneusse dorée como o grande seresteiro nascido nas profundezas das selvas amazônicas e que encantou com a sua arte musical plateias seletas do Uruguai, da Argentina, do Chile e da Bolívia. No entanto, a despeito do seu currículo  tão rico e vistoso, o meu fraterno amigo, que nos tratávamos mutuamente como irmãos, mudou de plano no exato momento em que eu já preparava a sua indicação para o recebimento da Medalha do Mérito Acadêmico pela Academia de Letras de Rondônia.

A trajetória de vida de Wálter Bártolo tem todos os ingredientes de uma verdadeira lenda. Exímio tocador de vários instrumentos musicais, entre os quais o violão e o acordeon que o notabilizaram como seresteiro, dotado de um vozeirão de fazer inveja aos mais famosos cantores, Wálter Bártolo foi o homem de muitos amores, de muitas mulheres, de muitas paixões e certamente também de muitas desilusões das quais o seu espírito desprendido não exprimia nenhuma forma de queixa. Nos longos anos que convivemos, organizando Festas do Divino no Vale do Guaporé e em incursões de outras naturezas, eu só ouvi dele uma única declaração que se poderia interpretar como uma queixa: “Meu irmão, eu só lamento o fato de que muitos só enxergam a casca do homem boêmio, mas ninguém se preocupa em ver o âmago.  E ele tinha razão em tal sentido, o âmago do grande boêmio revelava exatamente uma das mais dignas figuras humanas que me foi dado conhecer na minha trajetória de muitas aventuras e andanças.

De fato, Wálter Bártolo foi uma figura incomparável pela sua extrema generosidade. Sem qualquer apego aos bens materiais, o seu verdadeiro prazer era distribuir benefícios aos mais necessitados. Com uma prodigalidade singular, quando ele andava pelos interiores, distribuía com incrível naturalidade o seu próprio dinheiro com os tripulantes de embarcações, com os trabalhadores de obras, com os habitantes ribeirinhos e com quem mais lhe pedisse. E o certo é que lhe pediam muito em razão da sua fama de mão aberta. Houve tempos até em que adotei o método de guarnecer sua carteira em meu poder para evitar que ele ficasse sem dinheiro antes da volta de nossas viagens. No entanto, mesmo assim, quando ele pegava a carteira de volta, o estrago nas suas finanças era completo. O principal papel que eu desempenhei junto ao meu generoso irmão Wálter Bártolo foi de fato o de procurar salvaguardá-lo da avidez dos espertalhões. Mas confesso que obtive pouco sucesso em tal missão, pois a sua natureza de Diógenes tornava vãos os meus cuidados de Matias, o Apóstolo tesoureiro que cuidava da bolsa de moedas dos discípulos de Cristo após a traição de Judas Iscariote.

Em contrapartida, a despeito do meu desempenho medíocre em salvaguardar suas finanças, no aspecto da sua segurança eu sempre consegui cuidá-lo melhor, ainda que ele não soubesse que eu tinha tal preocupação. Na sua proverbial mansitude e gentileza, Wálter Bártolo foi, sem sombra de qualquer dúvida, a figura humana mais pacata, paciente e resignada que me foi dado conhecer. Ele foi o meu contraponto perfeito, o fator propício para contrabalançar o meu gênio belicoso e defensivista nas raras ocasiões em que vivemos juntos algumas situações de tensão. Mas houve um caso específico em que eu tomei medidas radicais em sua defesa, tomando e assumindo o comando de um barco que nos transportava no rio Guaporé, medida da qual nunca me arrependi pelo fato de ser justa e necessária naquele momento e naquele local sem autoridades. Sua partida para outro plano faz de mim um homem ainda mais imperfeito e politicamente incorreto do que sou. Tenho certeza, porém, que ele partiu em paz, como viveu em paz, como amou sem mágoas e sem rancores, como cuidou dos outros em detrimento de si mesmo. Sic transit gloria mundi. Que a terra te seja leve, meu grande e incomparável Irmão...!

 

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