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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DLXII - Jornada Pantaneira - A Marcha dos Dez Mil


Marcha dos Dez mil - Gente de Opinião
Marcha dos Dez mil

Bagé, 20.03.2023

Hino do Mato Grosso

(Dom Francisco de Aquino Corrêa)

[...] Ouve, pois, nossas juras solenes

De fazermos em paz e união

Teu progresso imortal como a Fênix

Que ainda timbra o teu nobre Brasão. [...]

O Hino foi oficializado pelo Decreto N° 208, de 05.09.1983, adotando a letra do poema “Canção Mato-grossense” de autoria do augusto prelado. O Brasão, por sua vez, criado pela Resolução n° 799, de 14.08.1918, traz, sobre o escudo, ao estilo português, a emblemática imagem de uma Fênix, lendária ave que personifica o renascimento, e apresenta sob o escudo o memorável e inspirador dístico latino “Virtute Plusquam Auro” ‒ “Pela Virtude Mais que Pelo Ouro”.

Dom Aquino Corrêa criou, em 1919, o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, do qual foi eleito Presidente Perpétuo, tendo publicado na Revista do Instituto, no mesmo ano, o soneto intitulado “A Retirada da Laguna”. Fundou, também, em 1921, a Academia Mato-grossense de Letras na qual foi aclamado, por unanimidade, Presidente de Honra. Dom Aquino compara a Retirada da Laguna à Marcha dos Dez Mil mercenários gregos que realizaram aquele que ficou conhecido como o primeiro e mais famoso Movimento Retrógrado da história.

A Retirada da Laguna

(Dom Francisco de Aquino Corrêa)

Fora tão bela e heroica essa avançada!

Trazíeis tantos louros ao Brasil,

Quando eis que o céu e o fogo e a peste irada,

Tudo vos assaltou com fúria hostil!

 

Martírio atroz! Toda essa terra amada

Banhou-se em vosso sangue tão gentil!

Ah! Fostes mais heróis na Retirada

Do que batendo a fera em seu covil!

 

Qual outrora os Dez Mil, vendo raiar,

Ao longe, o azul da imensidade equórea (alto mar),

Romperam neste grito: O Mar! O Mar!

Assim vós, ao entrardes para a História,

Que então se vos abriu, de par em par,

Fostes cantando: a Glória! a Glória!

A Marcha dos Dez Mil

Marcha dos Dez mil - Gente de Opinião
Marcha dos Dez mil

Os “Dez Mil Gregos”, que haviam seguido o estan­darte do ambicioso príncipe persa, achavam-se a mais de 600 léguas distantes da Grécia, num país inimigo, sem provisões, sem dinheiro, sem chefes, e cercados por toda a parte de um inimigo vitorioso. Xenofonte foi eleito numa junta de oficiais para diri­gir a retirada dos “Dez mil” soldados, e salvá-los de tão perigosa situação; a eloquência persuasiva, ativi­dade, valor, e talentos de Xenofonte acreditaram o acerto da eleição.

Em toda a ocasião se mostrou superior aos perigos, na passagem de Rios caudalosos, nos vastos deser­tos, sobre cadeias de montanhas, e nos contínuos ataques de um inimigo orgulhoso e vigilante, triun­faram os talentos do herói grego.

Sem mais recursos que a sua prudência, e a afetuosa obediência das suas tropas, conseguiu, no fim de uma marcha perigosa de 215 dias, conduzir os seus companheiros à Grécia, onde se julgava que todos haviam perecido. (O ARQUIVO POPULAR)

A fantástica Marcha, Retirada ou Avançada, como preferem alguns, é relatada pelo historiador, mili­tar e filósofo Xenofonte no épico “Anábasis”, que conta a história dos “Dez Mil” mercenários gregos comanda­dos por Ciro, “o Jovem”, e que após a sua morte na Batalha de Cunaxa e a traiçoeira execução, pelos per­sas, do espartano Clearcus e de vários chefes helenos se veem obrigados a recuar e atravessar o Império Persa, comandados por Xenofonte e Cheirisophus. Os expedicionários empreenderam uma jornada de 600 léguas ([1]), em apenas 215 dias, cruzando os territórios hoje conhecidos como Armênia, Geórgia, Curdistão, Macrônia chegando à colônia helênica de Trapezus, às margens do Mar Negro. Neste trajeto os combatentes, durante toda a jornada, enfrentaram as forças persas, sofreram emboscadas promovidas por tribos rivais, arrostaram afanosos obstáculos naturais, suportaram o cansaço, a neve, o frio e tiveram de tomar de assalto várias Fortalezas e Vilas para debelar a fome que os assediava. Ao, finalmente, avistarem as praias do Ponto Euxino ([2]), do alto do monte Theches, os 6.000 guer­reiros gregos sobreviventes, gritaram: “Thalassa! Thalassa!” ‒ “O Mar! O Mar!” (Anábasis, IV).

Manifestação singular que se transformou em um brado que evoca a superação dos limites humanos, digno apenas dos mais fortes, audazes, disciplinados e acima de tudo determinados. O heroísmo dos Expedi­cionários helenos e brasileiros ganhou, nas suas res­pectivas épocas, merecidas páginas de glória em prosa e verso. Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, professor, poeta, historiador e político brasileiro, no seu livro “Porque me Ufano do meu País”, dedica um capítulo especial à “Retirada da Laguna” onde compara, também esta odisseia com a marcha dos Dez Mil:

XXXV

A Retirada da Laguna

Um dos feitos mais gloriosos da história universal é a retirada através da Ásia Menor, quatro séculos antes de Cristo, de dez mil gregos que tinham ido comba­ter a favor de Ciro, o jovem. Vendo-se sem recursos em país estrangeiro, à grande distância da sua pátria, rodeados de inimigos que lhes assassinam traiçoeiramente os generais, prestes estavam a render-se, quando lhes assume o comando o moço Xenofonte e lhes dirige a viagem de 600 léguas, em 122 dias, por países bárbaros e desconhecidos, supe­rando os mil obstáculos acumulados pela perfídia de gentes adversas, pelas intempéries de rigorosos climas e pela natureza aspérrima.

Graças à coragem, prudência e sabedoria dos chefes, bem como à perseverança e disciplina dos soldados, atravessam vales, montanhas, rios; vencem traições, assaltos, falta de víveres, discórdias, toda sorte de perigos; chegam enfim a salvamento. E Xenofonte se imortaliza escrevendo os episódios do cometimento em que fora parte importante.

A nossa história regista sucesso análogo, em que as tropas brasileiras mostraram constância e heroísmo, iguais, senão superiores, aos dos gregos, sustentando luta mais terrível, passando por maiores riscos, arrostando piores provações. (CELSO)

É importante rememorar os feitos do passado para que um dia, passados os melancólicos e vergo­nhosos momentos presentes, fundamentados nos mais probos exemplos pretéritos possamos encontrar nova­mente nosso caminho rumo ao futuro depois de um longo, sinistro e desqualificado período que ficará conhecido “ad æternum” como essas últimas hodiernas “três décadas perdidas”.

Bibliografia

 

O ARQUIVO POPULAR (Volume 5). Leituras de Instrução e Recreio - Semanário Pitoresco ‒ Portugal ‒ Lisboa ‒ Tipografia de A. J. C. da Cruz, 1841.

 

CELSO, Affonso. Porque me Ufano do meu País ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ H. Garnier, Livreiro-Editor, 1918.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].



[1]    600 léguas, 1 légua terrestre antiga = 6.660 metros, donde 600 léguas = 3.996 km. (Hiram Reis)

[2]    Ponto Euxino: o Mar Negro, ou Mar Maior, assim chamado de “Pontus”, que poeticamente significa qualquer Mar, “Exochis”, que no Grego vale o mesmo que excelência; por que, segundo Estrabão, o Ponto Euxino merece o nome de Mar por excelência. (MARQUES).

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