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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCLVII - Travessia da Laguna dos Patos 10 a 18 de Abril de 2011 – Parte II


Farol Capão da Marca - Gente de Opinião
Farol Capão da Marca

Bagé, 01.11.2023

Partida para o Farol Capão da Marca (12.04.2011)

Acordamos às 05h30 e partimos às 06h10 para o Farol Capão da Marca. Aproei para o Farol Cristóvão Pereira, a 15 km de distância e navegamos nas águas calmas durante aproximadamente duas horas. Aportamos nas proximidades do magnífico Farol, de 30 metros de altura, para descansar.

Farol Cristovão Pereira - Gente de Opinião
Farol Cristovão Pereira

Farol Cristóvão Pereira

(31°03’42” S / 51°10’12” O)

Construído, em alvenaria, a cerca de vinte e cinco quilômetros a Oeste de Mostardas, ao Norte da Lagoa do Sumidouro, no formato de uma torre de planta quadrada caiada de branco. O Farol tem um lampejo de coloração branca, com uma frequência de dez segundos, plano focal de 30 metros e alcance de treze milhas náuticas (24 km). A construção teve início em 1858, e foi assim registrada, segundo a Wikipédia, na Correspondência do Intendente do estado para o Vice-Rei no Rio de Janeiro, no seu relatório de atividades de 09.03.1859:

[…] escavou-se o terreno a uma profundidade a encontrar bastante água, estacou-se com 84 moirões de madeira de lei toda a superfície, sobre os quais se engradou com vigas de lei na distância de 3 palmos de uma a outra, e depois de encavilhadas ([1]) encheu-se os intervalos de pedra seca bem calcada: sobre este engradamento levantou-se a sapata de pedra e cal até 10 palmos, e sobre esta levantaram-se as paredes da torre e as das meias-águas seguindo sempre com a planta em vista. Acha-se presente esta obra com os arcos fechados do se­gundo pavimento e a receber o respectivo madeiramento, e a 45 palmos de altura acima do terreno […].

O Farol, concluído em 1886, começou a funcionar um ano depois, permanecendo ativo até hoje. Em 1992, a Marinha do Brasil demoliu as antigas instalações destinadas ao faroleiro, e selou as portas e janelas da construção com tijolos. O dique que circunda o Farol e lhe serve de proteção, reformado em 2004, se encontra em péssimo estado de conservação, permitindo que as águas revoltas atinjam diretamente a base do Farol comprometendo sua estrutura.

Um tal Cristóvão Pereira de Abreu

(Fonte: Luís Carlos Barbosa Lessa – Rodeio dos Ventos)

O rico fidalgo português Cristóvão Pereira de Abreu, descendente do condestável Nuno Álvares Pereira, nasceu em Ponte de Lima ([2]), em 1680. Aos 24 anos de idade, veio para o Rio de Janeiro, onde casou com D. Clara de Amorim; mas não teve filhos. Aos 42 anos arrematou, em leilão promovido pelo Rei, o monopólio de couros do Sul do Brasil, mediante o compromisso de pagar à Fazenda Real 70.000 cruzados por ano. Por seu dinamismo de empresário, a Colônia do Sacramento se tornou o maior empório mundial de comércio e contrabando de couros no primeiro quartel do século XVIII, chegando a exportar 500.000 peças por ano.

Entenda-se: quinhentos mil bois, caçados pelos índios “Minuano” ou comprados às estâncias jesuíticas, para aproveitamento do couro, ficando a carne a apodrecer no chão das vacarias. Cristóvão Pereira era um apaixonado do Rio Grande – nessa época sem nenhuma Povoação fixa –, e foi um dos primeiros a estabelecer estância, na verde pastagem entre o canal de Rio Grande e a planície de Quintão. Em Carta para o matemático Padre Diogo Soares, que se aprestava para viajar para o Sul a fim de proceder ao primeiro mapeamento do litoral, escreveu:

Compõe-se esta região de um clima muito ameno, saudável e criador de riquíssimas e férteis terras em que se produzem, com vantagem mui crescida, todos os frutos da Europa: trigo, vinho, linho, toda a casta de frutas, podendo causar inveja aos de qualquer parte do mundo. Sei que Vossa Reverendíssima em breve aqui estará. Por enquanto, para não parecer encarecido e para não cair na censura de ignorante, não direi que o Rio Grande é uma das mais vistosas coisas que a Natureza criou; mas expondo apenas sua grandeza, deixarei o louvor à ponderação de Vossa Reverendíssima.

Por essa época, a ligação entre o Sul e o Centro era feita exclusivamente por navios, que saíam da Colônia do Sacramento [diante de Buenos Aires], tocavam em Laguna e seguiam até São Vicente e Santos. Por terra, ninguém imaginava cruzar, pois entre a planície e o planalto surgiam escarpas praticamente intransponíveis. Mas o Cristóvão Pereira sonhou integrar o Continente do Rio Grande ao restante do Brasil. Com admirável senso mercadológico, percebeu que as áridas montanhas de Minas Gerais produziam ouro, mas não dispunham de pastagens para criar cavalos e mulas, com isto encarecendo o transporte feito ao lombo dos escravos negros. No despovoado triângulo entre Laguna, Colônia e Missões, havia fartura desses animais.

Os lagunenses, colonistas, missioneiros e, prin­cipalmente, os índios Charrua e Minuano, poderiam fornecer o produto por baixíssimo preço. Mas perdurava um sério problema: a inexistência de um caminho por terra. Então associou-se ao lagunense Francisco de Souza Faria que, com filhos e agregados, levou dois anos até abrir um pobre roteiro serra acima entre o Morro dos Conventos, à beira do Atlântico, e os Campos de Curitiba, no planalto.

Por aí subiu Cristóvão Pereira com uma primeira leva de 800 cavalos e mulas, viabilizando a ligação entre o Sul e a longínqua Vila de Sorocaba. Assegurando-se do apoio do Capitão-General da Capitania de São Paulo, Conde de Sarzedas – que via um bom negócio na cobrança dos quintos ou 20% ([3]) devidos à Coroa – e obtendo capital com prestamistas da Vila de Santos – que viam um bom negócio na cobrança de juros – Cristóvão Pereira tornou a voltar ao Sul. Sua segunda viagem – agora com 130 tropeiros levando 3.000 animais – durou um ano e dois meses até Sorocaba, e nesse percurso foi alargando e melhorando o caminho, inclusive com a construção de quase 300 pontilhões. Valeu a pena: somente os quintos para a Fazenda Real significaram o montante de 10.000 cruzados!

O negócio prometia ser ainda mais rentável que o comércio e exportação de couros, e o Conde de Sarzedas pediu aos agiotas que não molestassem Cristóvão Pereira até que ele voltasse, com ainda maior número de mulas. E assim se iniciou o fabuloso ciclo dos tropeiros, interligando o Rio Grande a Sorocaba – centro de comercialização – para fornecimento de cavalgaduras às Minas Gerais e ao Porto do Rio de Janeiro.

Encurtando caminho, sem ir até o Morro dos Conventos, Cristóvão Pereira abriu um novo roteiro, diretamente entre os campos de Viamão e os Campos de Lajes, e por aí foram surgindo os primeiros esboços de povoações: Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Capela de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria. Tal movimentação despertou, obviamente, a reação de Espanha: a leste da Colônia do Sacramento é fundada, atrevidamente, a cidadela de Montevidéu.

Em 1735, Cristóvão Pereira encontrava-se nas Minas Gerais, firmando novos contratos para o fornecimento de mulas, quando é convocado para uma reunião urgente no Rio de Janeiro. Ali o recebem o Capitão-General daquela Capitania, Brigadeiro José da Silva Pais, o Capitão-General de São Paulo, Conde de Sarzedas, e o respeitável General Gomes Freire de Andrade, chegado de Lisboa como representante pessoal do Rei D. João V.

O próprio General Gomes Freire foi quem lhe expôs o problema: os espanhóis de Buenos Aires e da nascente Povoação de Montevidéu, com apoio dos espanhóis das Missões Jesuíticas, estavam decididos a invadir o Continente até a Ilha de Santa Catarina. Se não houvesse uma pronta operação de defesa, aquele território seria irremediavelmente perdido. Então D. João V, reconhecendo não haver entre as tropas regulares um oficial com experiência bastante para exercer comando naquela despovoada região, pedia que Cristóvão Pereira assumisse a chefia das operações de terra, em conexão com o Brigadeiro José da Silva Pais, que desceria com navios até algum ponto de encontro no Sul. Aceitando a temerária incumbência, Cristóvão Pereira recebeu um bando ([4]), assinado pelo Conde de Sarzedas e assim lido à sua passagem rumo ao Sul:

Toda a pessoa que quiser ir em defesa da campanha do Rio Grande fará seus os saques do que em guerra tão justa tomar ao inimigo, tanto de cavalgaduras e boiadas como de ouro e prata. Além disso, será premiada com todas as honras que merecer o avultado da ação que cada um obrar. E, outrossim, toda pessoa que quiser com sua família ou por si povoar aquela mesma campanha, desta parte lhe serão dadas as sesmarias que pedir.

Apesar de tão atraentes promessas, apenas 160 heróis se apresentaram, voluntariamente, ao Coronel Cristóvão Pereira de Abreu. E com esse punhado de homens, ele susteve, à entrada do canal de Rio Grande, eventual ataque inimigo, enquanto o prometido apoio por Mar não lhe chegava. Passaram-se um mês, dois meses, três meses, quatro, cinco, até que apontaram no horizonte as esperadas naus.

O valoroso Coronel preparou o local que lhe parecia mais adequado ao estabelecimento de uma povoação fortificada.

E a 19.02.1737, o Brigadeiro Silva Pais descia a terra, com um contingente de 254 arcabuzeiros e dragões, dando nascimento ao quartel e Vila de Rio Grande – núcleo inicial da Capitania Real de São Pedro do Rio Grande do Sul. Cristóvão Pereira faleceu a 22.11.1755, naquela própria Vila de que fora o fundador. (LESSA)

Rumo ao Farol Capão da Marca

Contornamos o Cristóvão Pereira e seguimos para o Sul rumo ao Farol Capão da Marca. Antes da segunda parada, encontramos diversos Capororocas e um solitário Cisne-de-pescoço-preto ([5]).

Na segunda parada, encontramos um bando de cágados ([6]) que se aqueciam indolentemente ao Sol e um solitário pescador acampado no deserto de pinheiros.

Os pinus infestam as margens da Laguna, afugentando a fauna, sufocando a flora nativa, unifor­mizando monotonamente a paisagem e provocando uma nova dinâmica eólica que, por sua vez, resulta no aterramento de banhados e descaracterização do sistema dunário.

Na terceira parada, tentamos aportar junto a uma curiosa placa de trânsito interrompido, em plena Praia, que apontava para os Jipeiros a rota a ser seguida. Saímos às pressas, perseguidos por um enxame de marimbondos que estavam construindo uma colmeia na dita placa. Paramos a uns 50 metros adiante e travamos contato com o simpático senhor “NE”, morador de Tavares.

Depois do descanso, remamos diretamente para o Farol e, no caminho, cruzamos por um bando de mais de trinta Capororocas. Aportamos no Capão da Marca e fizemos, imediatamente, um reconhecimento do belo Farol, conversamos com pescadores de Cidreira que ali tinham se instalado temporariamente.

Tomei um bom banho e aguardamos a equipe de apoio por 3 horas antes de embarcar no veleiro para o pernoite.

Farol Capão da Marca

(31°18′55,7″S / 51°09′50,2″O)

O Governo da Província de São Pedro do Sul ha­via encaminhado, em 1827, sem sucesso, ao Imperador D. Pedro I, um pedido de instalação de faróis na região.

O Governo da Província resolveu, então, dar andamento ao projeto com recursos próprios. Pouco mais de duas décadas se passaram antes de entrar em operação os primeiros faróis da Laguna, entre eles Capão da Marca, inaugurado em 05.09.1849, situado aproximadamente a onze quilômetros a SO de Tavares.

O precário farol era composto de uma torre de madeira com pouco mais de 7 m de altura, equipada com um lampião cujo alcance era de 5 milhas.

Em 25.03.1881, foi aceso o novo farol, uma torre octogonal de ferro, de 19 m de altura, fabricado pela empresa francesa BBT (Barbier, Benard e Turénne), criada, em 1862, com o nome de Barbier & Fenèstre, e que se tornou líder mundial em instalações e equipamentos para faróis até o início do século XX. O lampião foi substituído por um aparelho de luz fixa de 4ª ordem, aumentando o alcance para 11 milhas. A montagem foi dirigida pelo próprio Diretor de Faróis, Capitão-de-Fragata Pedro Benjamin de Cerqueira Lima.

O modelo, único do país, foi pintado de roxo-terra por volta do início do século XX e assim permaneceu até sua automatização, com equipamentos a gás acetileno, em 1960.

Atualmente o farol totalmente pintado de branco, está equipado com sistema de balizamento estroboscópico automático, alimentado por energia solar, emitindo sinais de luz vermelha com alcance geográfico ([7]) de 13 milhas náuticas (24 km). (Continua...)

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].



[1]    Encavilhadas: unidas com peça metálica. (Hiram Reis)

[2]    Ponte de Lima: Vila portuguesa do Distrito de Viana do Castelo. (Hiram Reis)

[3]    Quintos ou 20%: 1/5 ou 20/100. (Hiram Reis)

[4]    Bando: anúncio público. (Hiram Reis)

[5]    Cisne-de-pescoço-preto (Cygnus melancoryphus): asas brancas, cabeça e pescoço negros, base do bico e pés vermelhos. Considerado pela maioria dos biólogos como o único cisne sul-americano. (Hiram Reis)

[6]    Phrynops hilarii: cágado de água doce da família Chelidae, também conhecido como cágado-de-barbelas ou cágado-cinza. Possui carapaça oval e achatada, atingindo até 40 centímetros de comprimento e chegando a pesar 5 quilos e viver até 40 anos. A cabeça é achatada, o focinho pontudo e possui dois barbelos na parte inferior da cabeça. A espécie é onívora e habita Rios, Lagos e Brejos onde haja vegetação aquática abundante. A época da postura ocorre, normalmente, nos períodos de fevereiro a maio e de setembro a dezembro. A fêmea bota de 9 a 14 ovos, podendo, eventualmente, pôr até 30 ovos, com um período de incubação estimado de cinco meses. (Hiram Reis)

[7]    Alcance Geográfico: é a maior distância da qual um sinal náutico qualquer pode ser visto, levando-se em conta sua altitude local, a altura dos olhos do observador em relação ao nível do mar, a curvatura da Terra e a refração atmosférica. A linha de visada do observador a um objeto distante é, no máximo, o comprimento tangente à superfície esférica do mar. [...] De acordo com as normas da Associação Inter­nacional de Sinalização Maritíma, o alcance geográfico de um sinal indicado nos documentos náuticos deve ser aquele calculado para um observador cujos olhos encontram-se elevados 5 metros acima do nível do mar. (DHN)

Avifauna da Laguna - Gente de Opinião
Avifauna da Laguna

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