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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXIII - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte III


Terceira Margem – Parte DCCXIII - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte III - Gente de Opinião

Bagé, 11.03.2024

 

Gazeta de Notícias, n° 214

Rio de Janeiro, RJ – Terça-feira, 02.08.1887

Rio Apa

 

O “Echo do Sul” transcreve diversos períodos de uma carta do comissionado agente da Companhia na cidade do Rio Grande, o qual foi ao Estreito, lugar onde têm aparecido diversos destroços do “Rio Apa”. Eis um dos trechos da carta em que ele diz, o que tem sido encontrado:

 

Entre esses destroços notam-se pedaços das casinholas, que estavam sobre a coberta do “Rio Apa”; uma escada da câmara já com todas as chapas de metal arrancadas; pedaços dos escalares; um arinque ([1]) para festo com os distintivos da Companhia Nacional de Navegação a Vapor; pedaços de sofá ainda com parte do estofo de crina verde; destroços de corrimão de telca, tendo dois deles pregados metais que mostram ser do portaló ([2]); finalmente papeis da companhia, entre os quais ordens de cargas, mas sem o nome do “Rio Apa” e sim do “Rio Grande”.

 

Tudo isto me causa, grande surpresa, pois seria natural que viessem à praia os cadáveres, quando vêm pesadíssimos pedaços de madeira. Chegaram aqui os oficiais de descarga Procópio e Turíbio. Nada encontraram na praia, além dos destroços que já enumerei.

 

O Procópio, porém, encontrou em diversas casas onde esteve muitos destroços do “Rio Apa”, entre os quais um letreiro de metal, que diz “Banheiro de Senhoras” e um retrato de pessoa conhecida. O Turíbio foi portador de um cinto de cortiça.

 

Ontem [18] à tarde, passou a três milhas de distância da Costa o Paquete “Rio Negro” e hoje, às 7 horas, passou também um grande vapor, que me pareceu ser da Companhia do Pacífico, e que talvez ande à procura dos grandes Paquetes que se diz terem naufragado nestas alturas, em viagem para Montevidéu.

 

Continua a reinar o Sueste.

 

 

Do “Echo do Sul” transcrevemos mais o seguinte:

 

Tivemos uma longa conversação com o digno e va­lente comandante do Paquete nacional “Rio Pardo”, Sr. 1° Tenente Ernesto do Prado Seixas, que nos de­clarou, visivelmente impressionado, que o seu com­panheiro e amigo Pereira Franco, comandante do “Rio Apa”, tivera o pressentimento da terrível catás­trofe de que foi vítima. Quando o “Rio Apa” vinha para cá encontrou-se com o “Rio Pardo” no porto de Paranaguá. Os respectivos comandantes, amigos de longa data, visitaram-se e numa conversa que tiveram Pereira Franco manifestou a Prado Seixas que vinha contrariado no comando do “Rio Apa

 

  Estou adoentado, disse o intrépido marinheiro, e, venho presa de um aborrecimento acabrunhador. Se não fosse por certas considerações, desembar­caria aqui. Incomoda-me isto de andar separado do meu “Rio de Janeiro”...

 

Na continuação da conversa proferiu frases repassa­das de tristeza. “Parecia”, diz Prado Seixas, “que o afligia o pressentimento da desgraça que o esperava”.

 

Numa carta que dirigiu ao imediato do “Rio Pardo” o desventurado mostrava-se apreensivo, mas concluía jovialmente:

 

  Enfim, chegando ao Rio Grande, cada macaco irá para seu galho.

 

Aludia à ordem que a Companhia Nacional expedira mandando que ele, Pereira Franco, passasse para o seu vapor, o “Rio de Janeiro”, e que o malogrado Souza Reis assumisse o comando do “Rio Apa” para conduzi-lo à carreira de Montevidéu a Mato Grosso.

 

 

Os ladrões é que se tem fartado com os objetos que vão aparecendo, lançados pelo mar às praias. O Sr. Dias Vianna, que foi à Costa do Albardão por conta do seguro, diz que a praia acha-se povoada de aventureiros, que se entregam com o maior descaramento à pilhagem. Dia e noite esses indivíduos não arredam pé da praia, à espera dos despojos que o Mar vai arrojando à Costa.

 

— A Exmª Sr.ª Idalina Meirelles Paranhos, viúva do finado General Antônio da Silva Paranhos e mãe do infortunado jovem Cadete Antônio da Silva Paranhos, que vinha a bordo do “Rio Apa”, para reunir-se ao 5° Regimento de Cavalaria, aquartelado em Bagé, telegrafou ontem de Porto Alegre a um nosso amigo, pedindo-lhe que, se aparecer o corpo do infeliz jovem, providencie em sentido de que seja dada ao mesmo sepultura, marcando o lugar em que se, efetuar a inumação.

 

O telegrama diz que será fácil reconhecer o cadáver do desventurado moço pela roupa que tiver vestido, a qual deve estar marcada com as iniciais A.S.P.

 

A pessoa, a quem a desolada mãe se dirigiu, escreveu ao honrado e distinto Sr. Comandante da Barra, fazendo-o ciente do piedoso desejo da respeitável senhora.

 

 

Sinistros Marítimos

 

A catástrofe sucedida ao Paquete “Rio Apa”, que a todos tem consternado, foi realmente uma fatalidade, que não podia ser evitada e que é injustiça clamorosa atribuí-la à Companhia e menos ainda ao Governo.

 

Está plenamente verificado que o “Rio Apa” havia, por diferentes vezes e em várias épocas, navegado no serviço da linha entre esta Corte e Montevidéu, o que sempre, fez galhardamente apesar de ser um navio mais apropriado à navegação de Rios do que realmente à do Oceano; mas, estando sob o comando de um oficial muito perito e conhecedor perfeito daquela navegação difícil em mares quase sempre bravios, tudo fazia crer que, como das outras vezes, o “Rio Apa” iria a salvamento ao seu destino.

 

Entretanto, assim não aconteceu, e desde Santa Catarina, dando o barômetro indicações infalíveis de grande temporal do SE, esse vento que os marinheiros, na sua frase pitoresca, chamam carpinteiro, porque é o demolidor dos navios na Costa, o afoito oficial, não obstante essas revelações fatídicas, navegou “terra à terra” para o Rio Grande do Sul, de cuja Barra, chegando no dia 11, teve de retroceder porque, sobrevindo uma densa Cerração não se distinguia mais onde estava o Canal. As lufadas impetuosas do vento, que soprava então cada vez mais fresco, e que demonstrava ainda maior intensidade, aconselharam o distinto comandante Pereira Franco a “puxar para fora, com pouca força”, afim de não ser assoberbado pelo mar.

 

Nestas circunstâncias, tudo faz presumir que o “Rio Apa” não podendo resistir à capa, e ameaçando o temporal a cada instante afundá-lo, os passageiros naturalmente prepararam-se com salva-vidas para nadar. Dada efetivamente a catástrofe sem dúvida que os náufragos teriam de boiar na superfície dos mares empoladíssimos com montanhas d'água medonhas e aterradoras.

 

Nestas circunstâncias e em uma temperatura de 10° a 12° graus centígrados, seria impossível que esses infelizes pudessem resistir por mais de 24 horas, e por isso vieram muitos cadáveres à praia perfeitamente conservados pela congelação. Com um temporal daquela ordem, como nenhum ainda o igualou, desde 1853, ainda no fim de 3 a 4 dias os mares daquela região, açoitados pelo vento, ficam empolados. Todo e qualquer socorro seria impossível. Nem mesmo a jangada pode ser útil em casos tais.

 

Que o temporal foi o mais terrível que açoitou aquela Costa, prova-o o testemunho do Comandante do Paquete francês “Congo”, quando disse aos que o interrogaram aqui, que durante toda a sua longa carreira marítima não tinha deparado Mares tão grandiosos, como os desse temporal! E se o “Congo” pode fazer a travessia de Montevideo à Corte, foi isso devido a navegar ele “em altas profundidades, onde os mares são mais mansos”, ao passo que sobre a Costa Baixa do Rio Grande, Costa que, prumando-se em 4 braças, “não é avistada”, os mares são “triplicadamente mais alterosos” do que no outro caso.

 

Naquela terrível conjuntura somente uma resolução suprema, um grande heroísmo poderia evitar que a catástrofe do “Rio Apa” fosse tão completa como foi; esse heroísmo seria aquele de “abicar” na praia e para procurar salvar alguns ainda mesmo que outros tivessem de perecer.

 

Esta resolução encontraria sua justificação em outros tristes naufrágios, como por exemplo, o da Corveta “Isabel” sobre a costa de Tanger, o do “Cavour” nesta mesma ocasião do grande temporal de que tratamos, e ainda o fato de encalhe na costa do Albardão, em 1865, do vapor inglês “Powerfull” que ali se despedaçou, e que conduzia o Batalhão de Voluntários “Princesa Leopoldina”, do comando do Coronel Domingos Rodrigues Seixas, tendo morrido 18 pessoas e se salvando mais de 500!

 

Cumpre ainda dizer que, o Vapor de Guerra “Bonifácio”, tendo a bordo o Capitão-Tenente. Delfim Carlos de Carvalho, hoje Barão da Passagem, navegando em demanda da Barra de Rio Grande, e dando-lhe o barômetro indicações de um grande temporal do SE, travessia na Costa, tendo além disto falta de carvão, foi efetivamente à Barra, e por ela entrou sem direção alguma de catraias nem práticos, e desta forma salvou-se.

 

Enquanto, pois, a Barra do Rio Grande não for melhorada, custe o que custar, as catástrofes se repetirão ali mais ou menos amiudadamente perante aquele fantasma.

 

Collatino Marques De Souza. (GDN, N° 214)

 

Bibliografia

 

GDN, N° 214. “Rio Apa” – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Gazeta de Notícias, n° 214, 02.08.1887.


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: [email protected].



[1]   Arinque: cabo que prende a boia à âncora.

[2]   Portaló: lugar por onde se entra no navio ou por onde se mete a carga.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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