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Hiram Reis e Silva

Sítio de Bagé - Parte II - "O Combate de Rio Negro Antonio Augusto Ferreira"


Sítio de Bagé - Parte II - "O Combate de Rio Negro Antonio Augusto Ferreira" - Gente de Opinião

Bagé, 25, 02.03.2020

 

O Combate de Rio Negro

Antonio Augusto Ferreira

 

Rio Negro foi assim, mais que um combate,

Foi todo um dia devotado à fera,

E a gente viu as presas da pantera

Cravarem-se mortais na carne humana

No lugar preferido: a jugular.

 

 

A Federação n° 37

Porto Alegre, RS ‒ Terça, 13.02.1894

 

História do Sítio de Bagé

Fatos e Documentos

 

 

No dia 24, soubemos aqui a notícia de terem sido completamente sitiadas as forças do Marechal Izidoro, e destruída pelos revolucionários a estrada de ferro em vários pontos além do Rio Negro, de modo a não poderem receber socorro externo os infelizes que já aí se achavam condenados à sentença infame de uma horrível carnificina.

 

No dia 25 saiu de Bagé uma força do 31° Batalhão, a qual, encontrando o inimigo no Quebraxinho, com ele tiroteou valentemente, sendo por fim obrigada a retirar-se, sem perdas de espécie alguma, mas em virtude da esmagadora superioridade numérica dos contrários.

 

Antes, porém, de afastarem-se os soldados do governo, assistiram com pasmo a um espetáculo repugnante e selvagem, revelador dos intuitos de completa destruição que sempre animaram as hordas do “Exército Libertador”.

 

Em frente ao estabelecimento da Companhia Industrial Bajeense, na charqueada, achavam-se quatro vagões carregados de carne salgada prontos para serem transportados a Pelotas. Os maragatos atearam neles o incêndio e só se retiraram quando viram que as chamas tinham a presa segura, revelando o contentamento que sentiam por aquele ato de selvageria brutal, com estrepitosa expansão de doída alegria.

 

No dia 25, saiu de Bagé Força que reparou a ponte do Quebrachinho.

 

No dia 26, o Marechal Izidoro, que ainda estava senhor do telégrafo, em Rio Negro, avisou ao Coronel Carlos Telles que não fizesse sair trem de Bagé, por se acharem entre Rio Negro e Quebracho grandes e numerosas forças inimigas, prestes a exterminar qualquer presa que o acaso viesse por ao seu alcance.

 

Pelo mesmo inativo foram nesse dia abandonados os trabalhos a que estava o Coronel Telles mandando proceder para a reconstrução da estrada de ferro.

 

Em Bagé o resto do dia 26 passou-se sem novidade, a não ser o natural cuidado que nos inspirava a sorte de nossos irmãos ameaçados. Depois soubemos que nesse dia ao alvorecer, travara-se combate entre os revoltosos e as forças do Coronel Manoel Pedroso de Oliveira, a um quarto de légua do reduto do Rio Negro, retirando estas em boa ordem e indo abrigar-se sob a proteção da infantaria do 28°, entrincheirada em um reduto na coxilha.

 

A posição de nossas forças não nos pareceu bem escolhida. O reduto, de proporção exígua e oferecendo poucas condições de segurança, com trincheiras baixas e fossos pouco profundos, apresentava-se a descoberto aos fogos de duas mangueiras de pedra, à direita e à esquerda, das quais o inimigo apoderou-se habilmente.

 

Além disso entrincheiraram-se no mato e costa do Rio Negro, privando assim as nossas forças de lenha e água e no trilho da estrada de ferro, onde o valoroso e desventurado Tenente-coronel Utalis Lupi, comandante do 1° Batalhão da Brigada Militar do Estado, procurou oferecer resistência, sucumbindo vítima de sua bravura.

 

Uma bala que lhe atravessou o peito prostrou-o cadáver no meio da luta. Seus restos mortais jazem sepultados junto ao trilho da estrada e uma tosca cruz de madeira assinala o lugar que encerra os últimos despojos do heroico oficial.

 

Foi nesta ocasião cortado o telégrafo que comunicava com Bagé.

 

Começou então a resistência desesperada de nossas Forças, que durou dois dias, sendo praticados atos de sublime heroicidade, batendo-se os nossos companheiros como verdadeiros leões, e tendo a lutar contra um inimigo quatro vezes superior em número, e contra a fome e a sede que lhes dilacerava as entranhas.

 

Soldados houve, em grande número, que, pela promessa, de receberem 5$ e 10$000 por um copo de água, atropelavam o arroio em grupos de quatro e cinco, sucumbindo todos, muitas vezes, ao fogo assassino dos inimigos, sem terem conseguido bom êxito na sua dedicada tentativa.

 

À medida que em Rio Negro continuava o combate encarniçado e renhido no dia 27 de novembro, nesse mesmo dia o corpo de transporte que a 25 tiroteava com o inimigo no Quebraxo e que tivera o seu ilustre comandante, hoje Major Bento Gonçalves da Silva, gravemente ferido em um braço, vendo-se sitiado, retirava-se para o reduto, quando seu comandante interino, o Capitão Ambrósio Taveira ao saber que estava aquele ponto completamente sitiado, resolveu, cm conselho de oficiais, retirar com seu Corpo para a cidade de Bagé.

 

De passagem pelo Quebraxo, incorporou-se ao 2° Batalhão da Brigada Militar comandado pelo tenente-Coronel José Alves Pereira, que se achava de guarnição naquele lugar, e aqueles dois punhados de valentes, depois de uma marcha forçada em que sofreram as maiores angústias, mas que fizeram em perfeita ordem, chegaram à cidade de Bagé à 1 hora da madrugada do dia 28.

 

Pouco depois de amanhecer o Coronel Carlos Telles recebeu do Marechal Isidoro Fernandes, um próprio ([1]), portador do presente bilhete:

 

 

 

Amigo Coronel Telles.

 

Rio Negro, 27 de novembro de 1893.

 

Estamos cercados por numerosa força inimiga, sustentando vivo fogo desde ontem pela manhã. Necessário que mandeis 150 infantes e 2 bocas de fogo, bem como toda a cavalaria aí disponível e muita munição Comblain ([2]). Bocas de fogo com a munição necessária para a resistência, livros e tabela.

 

De passagem pelo Quebraxo virá transporte e Forças de Zeca Alves. Faça seguir Força logo que este receba, a ver se ao amanhecer está com as posições tomadas. Estamos entrincheirados no reduto do 28° Batalhão.

 

Urgentíssimo.

 

Vosso amigo, Isidoro.

 

 

 

O Comandante da Guarnição, depois de refletir maduramente e vendo que satisfazer esse pedido seria enviar os seus soldados a uma perda segura e sem proveito, respondeu pela forma seguinte:

 

 

 

Ilustre Marechal Isidoro.

 

Agora, às 7 horas da manhã, acabo de receber o vosso bilhete, datado de homem à noite.

 

Corpo de transporte e Batalhão José Alves aqui chegaram a 1 hora da madrugada, vindo em retirada do Quebraxo, onde diziam estar sendo sitiadas por grandes forças inimigas, para serem atacados pela madrugada. Cavalhada do Transporte, que tem estado encilhada sem pastar em marchas e prontidões desde 25, penso que para pouco poderá prestar se encetar agora nova marcha.

 

Como sabe, também não dispomos aqui de meios de transporte para munições, que só poderão sair daqui em carroças puxadas por animais magros e esbandalhados ([3]), dos quais muitos não chegarão ao Quebraxinho.

 

Uma coluna composta do Corpo de Transporte, assim montado, do Batalhão Alves e de 150 praças do 31°, terá bom êxito no caminho a percorrer? Poderá levar-vos com segurança munições? Esta munição não poderá cair em poder do inimigo para servir contra vossas Forças? Se o inimigo se acha, como deve supor-se, com falta de munição, não será um grande recurso para ele o poder apossar-se da nossa em caminho?

 

Confesso com toda a franqueza de que sou dotado, que acho inconvenientíssimo mandar peças de artilharia com carros pesados, que poderão levar pouca munição, com uma coluna, que eu julgo fraca para garanti-los, e assim ponderando-vos, cumprirei entretanto a ordem que nesse sentido me mandardes.

 

Em conclusão: declaro que aqui fico para cumprir toda e qualquer ordem vossa, sendo, porém, a coluna que poderei fazer expedicionar, composta, como já disse, do Corpo de Transporte, Batalhão Alves e 150 praças do 31°, ao todo 400 homens.

 

Aguardo vossas ordens.

 

Bagé, 28 de novembro de 1893.

 

Carlos Telles.

 

 

 

O próprio que saiu com esta comunicação, ao chegar ao reduto, já o encontrou rendida e prisioneira a Força, motivo pelo qual regressou imediatamente.

 

Horas depois, o Coronel Telles, cuja nunca desmentida atividade é um dos seus melhores elementos de êxito, expediu um outro próprio, levando para S. Gabriel a seguinte comunicação:

 

 

 

Ilustre General Santiago ou outra qualquer autoridade nossa.

 

Acaba de aqui chegar um empregado da Guarda Fiscal de Santana, de nome José Flores Corrêa, que servia às ordens; do Marechal Isidoro, declarando que o mesmo Marechal, depois de dois dias de combate no Rio Negro e exausto de munições, entregou-se ao inimigo, hoje à 1 hora da tarde, com o 28° Batalhão de Infantaria, Batalhão Lupi da Brigada Militar e patriotas do coronel Pedroso. Este homem conseguiu escapar-se aproveitando a confusão na ocasião de se renderem.

 

É provável que o inimigo marche imediatamente para aqui a sitiar-nos, e, se isto acontecer, penso que em poucos dias ficaremos sem víveres, de que já há grande falta na cidade para a população. A força inimiga que apossou-se do armamento das Forças do General Isidoro e Pedroso, é calculada em dois mil e tantos homens, mas acredito que terá pouca munição.

 

Tenho conhecimento de que as pontes do Quebraxo e Rio Negro, que estavam sobre pilhas de dormentes, foram incendiadas. Acho de vantagem que, quanto antes, venham forças operar sobre Bagé. Peço comunicar esta com urgência para o Rio, Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas.

 

Bagé, 28 de novembro de 1893.

 

Carlos Telles, Coronel. [Continua] (A FEDERAÇÃO N° 37)

 

 

 

 

Bibliografia:

 

A FEDERAÇÃO N° 37. História do Sítio de Bagé ‒ Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ A Federação n° 37, 13.02.1894.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Próprio: mensageiro.

[2]   Munição Comblain: munição para os mosquetões de fabricação belga, armamento dotação do Exército Brasileiro, na época.

[3]   Esbandalhados: em péssimo estado.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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