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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XLI


Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XLI - Gente de Opinião

Bagé, 28.02.2025

 

Continuando engarupado na memória:

 

 

Tribuna da Imprensa n° 4.310, Rio, RJ

Quinta-feira, 26 e Sexta-feira 27.03.1964

 

Lei de Segurança Contra Brizola

 

 

Procedente da Escola Superior de Guerra, encontra-se no Estado Maior do Exército uma representação pedindo o enquadramento do deputado Leonel Brizola na Lei de Segurança Nacional, sob o argumento de que o cunhado do presidente, ao organizar milícia particular – os famosos “Grupos dos Onze Companheiros”, tenta subverter a ordem pública, incitando o fechamento do Congresso Nacional e procurando conseguir através de processos ilegais, modificar a Constituição, a fim de estabelecer uma ditadura comunista no País.

 

A representação, que se baseia no artigo 191 do Código da Justiça Militar, é de autoria do Major Argos Gomes de Oliveira, da Escola Superior de Guerra, a qual, de acordo com os regulamentos do Exército, encaminhou-a a seu superior imediato, o Gen Jurandir Bizarria Mamede, Comandante daquele estabelecimento de Altos Estudos. Este, por seu turno, despachou-a para o Estado-Maior do Exército, para as providências que se fizerem necessárias.

 

Esta é a primeira tentativa efetiva do enquadramento do sr. Brizola na Lei de Segurança Nacional e está sendo apoiada pela maioria maciça dos alunos da Escola Superior de Guerra, a Sorbonne brasileira. A vingarem os pontos de vista expostos na representação, o sr. Leonel Brizola estará sujeito a uma pena de reclusão de um a três anos, nos termos da própria Lei de Segurança Nacional, que comina aquela punição para quem ferir o seu artigo 24, que estatui crime:

 

Constituírem ou manterem os partidos, associados em geral ou mesmo o particular, milícias ou organizações do tipo militar, de qualquer natureza ou forma, armadas ou não, com ou sem fardamento, caracterizadas pela finalidade combativa e pela subordinação hierárquica.

 

Crise a vista no Ministério da Fazenda: o diretor-geral da Fazenda, sr. Verner Grau, está disposto a abandonar o cargo por considerar-se desprestigiado pelo sr. João Goulart, que faz alterações em órgãos daquela diretoria sem ouvir nem mesmo o ministro Nei Galvão. A irritação do sr. Verner Grau atinge também o sr. Nei Galvão, que vem assistindo impassível às investidas que o sr. Goulart faz por cima de sua autoridade. Há dois dias, em seu gabinete, o diretor da Fazenda chegou dizer, em altos brados, seus auxiliares:

 

O ministro pode aguentar calado, mas eu não, pois não tenho nenhum amor ao cargo.

 

A irritação do sr. Verner Grau deve-se ao fato de não ter sido consultado na entrega da diretoria do Patrimônio da União a um ex-funcionário do IPASE, que substituiu o sr. Francisco de Sá Filho, funcionário da Fazenda. Irritou-se também com a decisão de Jango de substituir o diretor do Imposto de Renda, sr. Otávio Prado Filho, por um delegado do Imposto de Renda em Porto Alegre, o sr. José de Sousa Pires, o que ocorreu segunda-feira. Todas essas atitudes de Jango estão sendo encaradas como parte do processo de “esvaziamento” do sr. Nei Galvão, que, pelas evidências, está com os seus dias contados à frente da política econômico-financeira do governo. Nos termos do compromisso assumido com o governador da Bahia, sr. Lomanto Júnior, o sr. João Goulart deverá reconduzir à diretoria da Petrobras, em meados de abril, o sr. Alfredo Andrade Filho, uma vez que, segundo está evidenciado nos trabalhos da Comissão Especial que apura as irregularidades naquela empresa, aquele ex-diretor não teve nenhuma participação no recente escândalo.

 

# Marujos Desafiam Ministro e Reúnem #

 

Com sua prisão já determinada pelo ministro Sílvio Mota, da Marinha, o presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, José Anselmo, compareceu à solenidade realizada, ontem à noite, no Palácio do Metalúrgico, para assinalar o segundo aniversário da entidade civil dos marujos. Pronunciou discurso previamente proibido pelo chefe da Armada, perante um público de marinheiros, fuzileiros, militares, graduados e oficiais, de todas as armas, representantes do CGT, Frente de Mobilização Popular, Frente Parlamentar Nacionalista, o chefe do Gabinete do Ministro do Justiça, representando o Presidente da República, delegados da UNE e o famoso líder do Revolução da Chibata, João Cândido.

 

Discurso Proibido

 

Em seu discurso proibido, o líder dos marinheiros e fuzileiros fez novos pronunciamentos de timbre esquerdista, que transcrevemos a seguir:

 

Aceite, senhor presidente, a saudação dos marinheiros e fuzileiros navais do Brasil, que são filhos e irmãos dos operários, dos camponeses, dos estudantes, das donas de casa, dos intelectuais e dos oficiais progressistas das nossas Forças Armadas. Aceite, senhor presidente, a saudação daqueles que juraram defender a Pátria, e a defenderão se preciso for com o próprio sangue, dos inimigos do povo; latifúndio e imperialismo. Aceite, senhor presidente, a saudação do povo fardado que, com ansiedade, espera a realização efetiva das Reformas de Base que libertarão da miséria os explorados do campo e da cidade, dos navios e dos quartéis. A Associação dos Marinheiros, e Fuzileiros Navais do Brasil completa, neste mês de março, o seu segundo aniversário. E foram as condições históricas, a fome, as discriminações, os anseios de liberdade, as perseguições e as injustiças sofridas que determinaram a criação de uma sociedade civil, realmente independente, com a finalidade de unir, através da educação, da cultura e da recreação, os marinheiros e fuzileiros navais do Brasil.

 

Subversivo

 

Autoridades reacionárias, aliadas ao antipovo, escudadas nos regulamentos arcaicos e em decretos inconstitucionais, qualificam a entidade de subversiva. Será subversivo manter cursos para marinheiros e fuzileiros? Será subversivo dar assistência médica e jurídica?

 

Será subversivo visitar a Petrobras? Será subversivo convidar o Presidente da República para dialogar com o povo fardado? Quem tenta subverter a ordem não são os marinheiros, os soldados, os fuzileiros, os sargentos e os oficiais nacionalistas, como também não são os operários, os camponeses e os estudantes.

 

Quem, neste País, tenta subverter a ordem são os aliados das forças ocultas, que levaram um Presidente ao suicídio, outro à renúncia e tentaram impedir a posse de Jango e agora impedem a realização das Reformas de Base. Quem tenta subverter são aqueles que expulsaram da gloriosa Marinha o nosso diretor em Ladário por ter colocado na sala de reuniões um cartaz defendendo o monopólio integral do petróleo. Quem tenta subverter a ordem são aqueles que proibiram os marujos do Brasil, nos navios, de ouvir a transmissão radiofônica do Comício das Reformas.

 

Sem Política

 

Somos homens fardados. Não somos políticos. Não temos compromissos com líderes ou facções partidárias. Entretanto, neste momento histórico, afirmamos o nosso entusiástico apoio ao decreto da SUPRA, ao da encampação da Capuava e demais refinarias particulares, e ao do tabelamento dos aluguéis. Aguardamos, aliados ao povo, que o Governo Federal continue a tomar posições em defesa da bolsa dos trabalhadores e da emancipação econômica do Brasil. Ao nosso lado estão os irmãos das outras armas; sargentos do Exército e da Aeronáutica, soldados, cabos e sargentos da Policia Militar e do Corpo de Bombeiros. Estão também, companheiros da mesma luta, os sargentos da nossa muito querida Marinha de Guerra do Brasil.

 

Aqui sob o teto libertário do Palácio do Metalúrgico, sede do glorioso e combativo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado da Guanabara, que é como o porto em que vem ancorar o encouraçado de nossa Associação, selamos a unidade dos marinheiros, fuzileiros, cabos e sargentos da Marinha com os nossos irmãos militares do Exército e da Aeronáutica, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, e com os nossos irmãos operários. Esta unidade entre militares e operárias completa-se com a participação dos oficiais nacionalistas e progressistas das três armas na comemoração da data aniversária de nossa Associação.

 

Não Estamos Sós

 

Nos marinheiros e fuzileiros que almejamos a libertação de nosso povo, assinalamos que não estamos sozinhos. Ao nosso lado, lutam, também, operários, camponeses, estudantes, mulheres, funcionário públicos, e a burguesia progressista, enfim, todo Brasil. É necessário que se reforme a Constituição para estender o Direito de Voto aos soldados, cabos, marinheiros e aos analfabetos. Todos os alistáveis deverão ser elegíveis, para a fim de que novamente não ocorra a injustiça como a cometida contra o sargento Aimoré Zoch Cavaleiro. Em nossos corações de jovens marujos e brasileiros palpita o mesmo sangue que corre nas veias do bravo marinheiro João Cândido, o grande Almirante Negro e seus companheiros de luta que extinguiram a chibata na Marinha. Nós extinguiremos a chibata moral que é a negação do nosso Direito de Voto e de nossos direitos democráticos e constitucionais. Nós, marinheiros e fuzileiros navais reivindicamos:

 

Reforma do Regulamento Disciplinar da Marinha, regulamento anacrônico que impede até o casamento;

 

Não interferência do Conselho do Almirantado nos negócios internos da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil;

 

Reconhecimento pelas autoridades navais da AMFB;

 

Anulação das faltas disciplinares que visam apenas intimidar os associados e dirigentes da AMFB;

 

Estabilidade para os cabos, marinheiros, e fuzileiros;

 

Ampla e irrestrita anistia aos implicados no movimento de protesto de Brasília.

 

Iniciamos esta luta, sem ilusões. Sabemos que muitos tombarão para que: cada camponês tenha direito ao seu pedaço de terra, para que se construam escolas, onde os nossos filhos possam aprender com orgulho a história de uma Pátria nova que começamos a construir; para que, se construam fábricas e estradas por onde possam transitar nossas riquezas Para que o nosso povo encontre trabalho digno tendo fim a horda de famintos que morrem dia a dia sem ter onde trabalhar nem o que comer. E sobretudo para que a nossa Bandeira verde e amarela possa cobrir uma terra livre onde impere: a Paz, a Igualdade e a Justiça Social.

 

Manifesto do Cárcere

 

Este é o manifesto enviado do cárcere da Ilha Cobras pelos líderes dos marinheiros e fuzileiros, presos por ordem do Ministro da Marinha, em virtude das manifestações de sexta-feira passada em torno da homenagem, que não houve, ao marechal Osvino Alves. Seu texto, na íntegra:

 

Cárcere da Ilha das Cobras, 25.03.1964

 

Companheiros, mais uma vez a intolerância desenfreada, a prepotência, o abuso do poder e umas poucas mentalidades retrógradas e apátridas, comprometidas com os interesses antinacionais e antipovo, subordinados aos interesses de Pentágono militar de Washington, desfecharam mais um profundo golpe nos sentimentos democráticos de nosso povo. No mais vergonhoso atentado à dignidade da pessoa humana, encarceraram, sem quaisquer justificativas legais brasileiros inconformados com a atual estrutura socioeconômica do País, a espoliação internacional de grupos e a condição de escravização a que se acha submetido o povo brasileiro e particularmente aos nossos irmãos nordestinos. Neste momento conclamamos os companheiros associados e não associados, operários, camponeses. Estudantes e intelectuais progressistas para uma tomada de posição no sentido derrubarmos definitivamente essa estrutura anacrônica onde só os grupos privilegiados absorvem toda a riqueza de uma Nação que por direito pertence aos seus filhos. Aqui vai a nossa palavra de ordem a todos os Irmãos brasileiros: luta por um Brasil livre, emancipado e realmente democrático. Aos que interpretam erroneamente nossa palavra, diremos que o tempo é o nosso juiz e só a História nos absolverá. Somos brasileiros, queiram ou não, os senhores que detém no momento o poder. Viva o Brasil! Viva a Associação de Marinheiros e Fuzileiros!

Assinam o documento os marinheiros: Raul Alves do Nascimento Filho, José Duarte dos Santos, Adilson Aquino, Nelson Carlos, José Reimento da Costa, João Ataíde Gomes, Antero Marques, Francisco da Silva, Avelino Capitani.

 

Decisão Final

 

A última decisão dos marinheiros e fuzileiros, na reunião do Palácio dos Metalúrgicos, foi de solidariedade a seus colegas presos por faltas disciplinares. Assim é que resolveram apresentar-se presos a seus comandantes se, até a próxima segunda-feira, os outros não tiverem sua libertação decretada.

 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Link: https://youtu.be/9JgW6ADHjis?feature=shared

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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