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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Francisco Xavier da Veiga Cabral – Parte V


Francisco Xavier da Veiga Cabral – Parte V - Gente de Opinião

 Bagé, 15.07.2020

 

 

 

Jornal do Commercio, n° 22.082 ‒ Manaus, AM

Domingo, 08.02.1976

 

 

A Epopeia do Amapá ‒ Genesino Braga

 

 

As lutas Cruentas, levadas ao acesso das armas e, afinal, à vitória, por patriotas brasileiros, em defesa da inviolabilidade do território nacional no espaço amazônico, têm em Silvio Meira o seu historiador conspícuo ([1]). [...]

 

A conquista do Amapá, tão épica pelo denodo e o destemor dos nossos rudes compatrícios do garimpo que a batalharam, e tão retemperada de patriotismo e de sacrifícios de vidas brasileiras, – a conquista do Amapá vem de ter, agora, do talentoso amazônida, membro do Conselho Federal de Cultura, a narrativa histórica fiel e isenta e a análise crítica lúcida e objetiva dos recontros ([2]) sangrentos, dos massacres traiçoeiros e dos atos intrépidos que marcaram a cruenta jornada pela integração ao chamado “Contestado” no espaço político brasileiro.

 

Fronteiras Sangrentas [Heróis do Amapá], assim intitulou Silvio Meira a sua história da conquista e incorporação, ao Brasil do hoje Território do Amapá.

 

E diz-nos bem, esse título, de uns confins longínquos, onde, na última década do século XIX, a descoberta de Rios auríferos, por dois irmãos brasileiros, em região que o Brasil herdara litigiosa, desde o século XVII, entre França e Portugal, passou a incendiar a cobiça de aventureiros residentes em Caiena. “Organizam-se expedições de garimpeiros, surgem aventureiros de diversas nacionalidades”. – descreve Silvio Meira, acrescentando:

 

Era o ouro, “la couleur” ([3]) para os crioulos da Guiana Francesa. Depois de decorridos dois anos da descoberta dos irmãos Germano e Firmino, cerca de seis mil pessoas habitam o curso do Rio Calçoene. Em 1895, as estatísticas acusam esse número.

 

E, assim, nessa corrida ambiciosa ao garimpo, povoaram-se as beiradas fluviais daqueles ermos; e foram as suas matas ínvias ([4]) aos poucos invadidas pelos homens rudes da bateias, de par com explo­radores e ciganos: além dos nativos brasileiros, incon­tável número de portugueses, franceses, crioulos das Guianas, holandeses, ingleses, americanos, indianos, chineses, judeus e outros mais passaram a fixar-se na nova zona garimpeira. Mas, o Contestado se afran­cesava. Pela alfândega de Caiena escorria grande parte da produção aurífera do Amapá. Em 1894, a capital da Guiana Francesa exportava 4.835 kg de ouro. Navios com a bandeira da França ali aportavam assiduamente. Rios e povoados da região contestada tomavam nomes franceses. Escreve Silvio Meira:

 

Era preciso reagir contra a pretensão, cada vez mais crescente, dos vizinhos do norte. A população brasileira, distribuída por todo o Contestado, dedicava-se às mesmas atividades e olhava já com desconfiança aquela invasão disfarçada pela fome do ouro.

 

Os mineiros brasileiros passaram a ser perseguidos e humilhados pelos estrangeiros. Reações surgiram isoladas. Depois foram tomando corpo. Era representante do Governo francês no Contestado Eugênio Voissien, que arbitrariamente proibiu aos brasileiros o acesso à região das minas. Só os franceses poderiam fazê-lo. Esse estado de coisas não poderia perdurar por muito tempo. Era preciso pôr termo aos excessos de Voissien.

 

Foi quando surgiu a figura de um brasileiro valente e audaz, que haveria de ficar na história do Brasil como “O Herói do Amapá”: Francisco Xavier da Veiga Cabral.

 

Tratado por todos como Cabralzinho, em razão da pouca altura de seu físico, – em contraste com a extraordinária dimensão de sua estatura moral, – passou a ser o símbolo do sentimento de patriotismo que movia os brasileiros do Amapá. “Bravo e enérgico”, escreve Silvio Meira:

 

Francisco Xavier da Veiga Cabral encarnava bem os ideais de todos os habitantes brasileiros da região contestada. Experiente e lúcido, servido por agilidade mental e física, pôs as suas energias a serviço da causa, que era mais da coletividade do que sua própria.

 

No dia 10.12.1894, teve início a reação. Do que fora, então fera e encarniçada campanha, a ação destemerosa do valente e altivo Cabralzinho, elucida-nos bem a narrativa do episódio em que o vemos, Comandante do Exército Defensor do Amapá, a 15 de maio de 1895, na Vila de Amapá, frente a frente com o Capitão Lunier, do Exército francês, este comandando uma tropa de cerca de oitenta soldados franceses, disposto a conduzir preso o caudilho brasileiro, narra o livro “Fronteiras Sangrentas”:

 

O Capitão francês deu voz de prisão a Cabral. Ordena aos seus soldados que o prendam, depois de aplicar-lhe forte empurrão, puxando-o pelo braço esquerdo. Cabral responde:

 

     Um brasileiro não se rende a bandidos!

 

Imediatamente o Capitão Lunier dá novo violento empurrão em Cabralzinho e ordena à tropa:

 

     Fogo!

 

Os soldados franceses obedecem. O estampido de vinte e um tiros corta os ares em direção do heroico brasileiro. Cabral só tem tempo de rapidamente jogar-se ao solo, enquanto as balas passam sobre a sua cabeça, indo cravar-se nas paredes da casa.

 

Lunier saca do revolver e tenta apontá-lo em direção de Cabral, que com extrema agilidade se lança sobre o oficial francês, aplicando-lhe o que na gíria brasileira se chama de “capoeira”, e projeta-o ao solo. Sem tempo para oferecer reação, o francês cai. Cabral arrebata-lhe o revólver das mãos. Levanta-se Lunier e ordena pela segunda vez:

 

     Fogo!

 

Novos tiros ecoam. Cabral novamente se abaixa e as balas não o atingem. A essa altura numerosos brasileiros surgem, a fim de socorrer o agredido. Alguns vêm armados, outros sem armas, impelidos pela solidariedade humana. Cabralzinho, com o próprio revólver do oficial francês, abate-o quase à queima roupa. Cai por terra o oficial mortalmente ferido, o sangue a ensopar-lhe o uniforme multicor.

 

Logo a seguir um Tenente francês avança sobre Cabral com o intuito de vingar a morte do Capitão. Tem igual sorte. Cabral dispara contra o atacante. Cai por terra o Tenente, sem condições para reagir, já nos estertores da morte.

 

Mortos o Capitão e um Tenente, avança um Sargento francês. Tenta eliminar Veiga Cabral, o qual; mais uma vez dispara a arma, ferindo o Sargento, que rola pelo chão e dentro de minutos é cadáver. De todos os lados surgem balas. Os brasileiros, já organizados em reação, disparavam das janelas das suas residências, das esquinas, alguns escondidos atrás dos troncos das árvores ou protegidos por trincheiras improvisadas. Fogo de parte a parte. Os atacantes começam a recuar. Aprovaram-se ante a morte rápida do Coman­dante, do Tenente e do Sargento. Descontrolados, sem comando, começam a fugir para todas as direções. Numerosos soldados franceses estão feridos, em vários locais. Tiveram a mesma sorte de seus imprudentes comandantes. (JDC, n° 22.082)

 

 

 

Diário de Notícias, n° 155 ‒ Belém, PA

Terça-feira, 14.07.1896

 

Ao Bravo General Veiga Cabral

(João Antônio de Magalhães)

 

Apud Deum... omnia possibilia sunt [5][São Matheus]

 

Rola dos tempos pelo espaço, lento

Um todo imenso que a uma lei se inclina!

Que... no seu gravitar, seguro, atento...

Quem o rege, Senhor? Quem o domina?

 

‒ Quem dá força a centelha que fulmina,

Rebramidos ao mar, furor ao vento?

Quem ergueu uma vez a mão divina,

Sentado irás ao túmido elemento?

 

‒ Esse, para quem é paz a guerra,

E dorme alerta em meio do escarcéu;

‒ Esse, que na morte a vida encerra.

 

Quando da morte dissipar-se o véu,

‒ Dissipará também sombras da terra

Para por ti levar astros ao céu?

 

(Diário de Notícias, n° 155, Belém, Pará, 14.07.1896)

 

 

 

Jornal do Commercio, n° 439 ‒ Manaus, AM

Sexta-feira, 19.05.1905

 

Telegramas

Serviço do “Jornal do Commercio

 

Belém, 18: Faleceu hoje, às 5 horas da manhã o Sr. Francisco Xavier da Veiga Cabral. (JDC, n° 439)

 

 

Bibliografia:

 

DDN, N° 155. Ao Bravo General Veiga Cabral – Brasil – Belém, PA – Diário de Notícias, n° 155, 14.07.1896.

 

JDC, N° 22.082. A Epopeia do Amapá ‒ Genesino Braga – Brasil – Manaus, AM – Jornal do Commercio, n° 22.082, 08.02.1976.

 

JDC, N° 439. Telegramas – Serviço do “Jornal do Commercio” – Brasil – Manaus, AM – Jornal do Commercio, n° 439, 19.05.1905.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·    E-mail: [email protected].



[1]   Conspícuo: ilustre.

[2]   Recontros: embates.

[3]   La couleur: a cor.

[4]   Ínvias: inacessíveis

[5]   Apud Deum... omnia possibilia sunt: Para Deus... tudo é possível.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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