Sexta-feira, 7 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte XLI - “BANDEIRA” de Francisco de Mello Palheta – II


Gazeta Litterária, n° 19, 11.10.1884 - Gente de Opinião
Gazeta Litterária, n° 19, 11.10.1884

Bagé, 10.09.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte X

 

BANDEIRA” de Francisco de Mello Palheta – II

 

Após concluir minha jornada pelo Rio Madeira, solicitei aos meus amigos que me ajudassem a encontrar a “Narração da viagem do descobrimento que fez o Sargento-mor Francisco de Mello Palheta no Rio Madeira e suas vertentes...”. A mobilização foi impressionante e em seguida obtive a informação desejada. Vou reportar apenas as duas primeiras que chegaram, coincidentemente, no mesmo dia (01.04.2012).

 

A primeira de um amigo de longa data e um ícone da Engenharia Militar Brasileira, o General de Brigada Tibério Kimmel de Macedo, autor da obra “Eles não viveram em vão”, que conta a epopeia do 5° Batalhão de Engenharia de Construção:

 

Abaixo, vai a mensagem que mandei para meu amigo Emanuel Pontes Pinto, historiador residente em Porto Velho. Espero que ele te possa ajudar. Neste texto que mando, abaixo, há uma referência à obra de Capistrano de Abreu. Quem sabe poderás encontrar, ainda, um exemplar da dita cuja. [...]

 

Em, em seguida (04.04.2012), o grande pioneiro comunicou que:

 

Acabo de receber o livro “Caiari” que me mandou o Dr. Emanuel Pontes Pinto. O Anexo II traz o relato da Expedição do Palheta. [...]

 

A segunda foi a do Professor Doutor Dante Fonseca, da Universidade Federal de Rondônia, historiador e escritor renomado a quem tive a honra e o privilégio de conhecer e entrevistar em sua residência em Porto Velho, RO, antes de meu périplo pelo Madeira:

 

ABREU, J. Capistrano. Caminhos Antigos e Povoa-mento do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989. Você encontrará o anexo “A Bandeira de Francisco de Mello Palheta ao Madeira”.

 

Graças ao empenho dos caros amigos compilei a Narração da Viagem de Palheta e publiquei na imprensa o artigo – “Bandeira” de Francisco de Mello Palheta. Alguns amigos pesquisadores, mais afeitos aos “detalhes”, não gostaram do título afirmando que não havia sido uma “Bandeira” e sim uma “Entrada”. Informei, então, que baseara o título do artigo na minha fonte “prima”, o Anexo ao livro do grande historiador João Capistrano Honório de Abreu, que o denominara “A Bandeira de Francisco de Mello Palheta ao Madeira e o Documento da Narração da Viagem”.

 

Embora geralmente se defina como “Entradas” as expedições oficiais, organizadas pelo governo da autoridade colonial e como “Bandeiras” as que tinham motivação particular, organizadas pelos colonos, sabe-se que algumas das supostas “Bandeiras” recebiam subsídios das autoridades coloniais com o objetivo de não acirrar os ânimos castelhanos, deixando, portanto esta definição bastante permeável. A maior parte dos mais ilustres historiadores portugueses não se preocupam com este tipo de distinção generalizando as incursões pelos sertões brasileiros somente como “Bandeiras”.

 

Contexto Histórico

 

Em 1714, o Governador da Capitania do Maranhão, João de Maia da Gama, foi informado pelo Padre Bartolomeu Rodrigues, da Missão de Tupinam-barana, da existência de índios predadores e de europeus no Alto Madeira, embora não tivesse condições de confirmar se estes eram espanhóis ou portugueses, além disso, D. João V, Rei de Portugal, já manifestara o desejo de tomar posse de todo o Vale do Rio Madeira. Em 1715, os Torá e Mura declararam guerra aos colonos luso-brasileiros expulsando-os do Baixo Madeira. O Governador do Grão-Pará determinou ao Capitão João de Barro Guerra que os expulsasse da Foz do Rio Madeira. O Capitão João de Barro perseguiu os Torá, Rio Madeira acima fazendo-os recuar até a altura de Manicoré.

 

No período de 1718 a 1722, os Mura foram atacados pelas tropas de resgate comandadas pelo Capitão Diogo Pinto Gaia que conseguiu aprisionar mais de quarenta guerreiros conduzindo-os para Santa Maria de Belém do Grão-Pará (Belém). O Governador João de Maia decidiu, então, organizar uma Bandeira ao Rio Madeira, que deveria percorrê-lo, desde a Foz até a nascente, confiando o Comando da Missão ao Sargento-mor Francisco de Mello Palheta.

 

A Bandeira era formada por 30 Soldados e 98 índios flecheiros embarcados em 7 canoas, e devia rea¬lizar o levantamento da fisiografia do Vale do Madeira, descobrir suas nascentes, contatar pacificamente os nativos e levantar as atividades econômicas e políticas dos colonos e religiosos lusos e espanhóis.

 

Em 1722, setenta e dois anos depois de Raposo Tavares, Mello Palheta sobe o Rio Madeira, enfrentando suas Cachoeiras, uma odisseia que foi relatada por um dos membros de sua Expedição, que permanece anônimo, e publicada, pela primeira vez, nos números 19 e 20, ano I, de 11.10.1884 e 24.11.1884, da Gazeta Literária, Rio de Janeiro, sob o título:

 

 

Gazeta Litterária, nos 19 e 20

Rio de Janeiro, RJ – 11.10.1884 e 24.11.1884

Gazeta Litteraria, n° 20, 24.11.1884 - Gente de Opinião
Gazeta Litteraria, n° 20, 24.11.1884

Narração da viagem do descobrimento que fez o Sargento-mor Francisco de Mello Palheta no Rio Madeira e suas vertentes, por ordem do Senhor João da Maia Gama, do Conselho de Sua Majestade, que Deus guarde seu Governador e Capitão-General do Estado do Maranhão, desde 11 de novembro de 1722

até 12 de setembro de 1723.

 

Em 11.11.1722, a Bandeira partiu de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, chegando à Foz do Rio Madeira, no dia 02.02.1723, navegando Rio acima até o dia 19, aportando em Jumas onde iniciaram a constru¬ção de um Arraial onde edificaram uma Igreja dedicada a Santa Cruz do Irumá, quartel, armazém, casas e seis canoas menores capazes de realizar a travessia das Cachoeiras.

 

Partiu a tropa da Cidade de Belém, Praça do Grão Pará, a 11 de novembro, em que veio o próprio General despedir-se do Sargento-mor e Cabo [Palheta], acompanhado da nobreza da terra; e já despedidos demos uma salva geral, e emproando as proas ao Norte que seguíamos Leste-Oeste, nos fomos despedir de Nossa Senhora do Monte Carmo, a quem nos encomendamos e a tomamos por estrela e nossa advogada, para com seu patrocínio vencermos este impossível e um descobrimento de todos tão desejado. A continuar nossa derrota se seguia a galera “Santa Eufrozina” e “São Ignácio”, em que vai o Cabo, que esta é nossa capitânia; seguia-lhe a galeota do Padre Capelão com a invocação de “Santa Rita e Almas”, e a esta, a canoa “São José e Almas”, que serve de armazém em que vai o maior computo de Soldados; a esta se seguia a galeota “Menino Deus”, em que vai o Sargento com mais a infantaria, e por último a galeota “Santa Rosa”, em que vai o Capitão de infantaria da mesma tropa servindo de Almirante.

 

Fomos buscando o Rio Moju, e seguindo por ele a nossa jornada até o estreito do Igarapé-mirim, que desemboca no Rio dos Tocantins, onde está fundada a Vila de Cametá, em dois graus ao Sul; nessa dita Vila estivemos três dias, à espera da infantaria volante que dela nos acompanhou e levamos de guarnição; e daqui demos ordem a partir buscando o rumo que havemos de seguir pelo grande Rio das Amazonas, o qual é um dos maiores que no mundo se tem descoberto, que corre de Leste a Oeste; e o seguimos até embocarmos pelo famoso Rio da Madeira [ou Rio Venes, como é chamado Beni pelos espanhóis das Índias de Espanha no Reino do Peru], que nele agora descobrimos, e corre este de Sul a Norte, pelo qual fizemos entrada, a 2 de fevereiro de 1723, e gastamos dias de boa marcha 17 até aonde nos aposentamos ([1]) a fazer Arraial em uma tapera do gentio Iumas, sítio admirável em tudo, assim para a nossa segurança, como em o necessário no qual o Cabo se lhe pusesse por invocação Santa Cruz de Iriumar, onde fizemos Igreja, armazém, Corpo da Guarda e casas necessárias; aqui mandou o Cabo repartir a infantaria em duas esquadras, donde atualmente havia uma sentinela que guardava munições e fazenda real e de noite uma ronda para rondar a sentinela, canoas e todo o Arraial.

 

Depois de tudo acima disposto, ordenou o Cabo se fizesse seis galeotas para se poder nelas passar as Cachoeiras; o que fez pela informação que teve se não podia fazer entrada com as grandes com que nos achávamos pela terribilidade das pedras.

 

Feitas as ditas galeotas, as preparamos de todo o neces-sário e de quantidade de cabos para as puxarmos pelas Cachoeiras; neste tempo se esperava já pelo socorro da Cidade ([2]), o qual chegou a 4 de junho, e havia muito tempo que os miseráveis Soldados, índios e inda o Cabo, depois das frutas do mato acabadas, comia unicamente carne de lagartos, camaleões e capivaras, por não haver outro mantimento, pois não tínhamos outra coisa a que tomássemos. (ABREU)

 

Permaneceram em Jumas aguardando os mantimentos solicitados a Belém do Pará, que chegaram, em 04.06.1723, juntamente com o Padre João de Sampaio. No dia 10 de junho, Palheta nomeou Lourenço de Mello Governador do Arraial de Jumas, distribuiu os 118 expedicionários em dez canoas e iniciou a subida do Rio Madeira.

 

Com o dito socorro também veio Reverendo Padre Mestre João de Sampaio em sua galeota, e tanto que o Cabo se viu socorrido de nosso Excelentíssimo General, tratou logo de se pôr a caminho, o que o fez a 10 de junho do dito mês de junho com 10 canoas pequenas, que são as seis que se fizeram e quatro que tínhamos.

 

Antes de embarcar, encarregou a Lourenço de Mello o Governo do Arraial encaminhando-lhe muita paz, união e conservação da gente que lhe deixava, assim Soldados como índios, deixando-lhe as disposições por escrito firmado do seu nome. (ABREU)

 

No dia 13 de junho, festa de Santo Antônio, foi celebrada a Missa pelo Capelão da frota na Ilha Nova próximo ao igarapé Carapanatuba.

 

Fomos seguindo nossa viagem por aquele temerário e horrível Rio e o Padre Mestre João de Sampaio nos acompanhou um dia de viagem, donde se despediu de nós tornando para sua Missão, e nós fomos seguindo nossa derrota até a Ilha Nova da Praia de Santo Antônio, onde tivemos Missa no dia do dito Santo, razão por que assim o invocamos.

 

Aqui mandou o Cabo tirar a soma da gente com que se submetia ao seguimento daquele Rio e de suas vertentes e achamos por conta 118 pessoas, 30 armas de fogo e 88 índios de flechar, e com este número de gente prosseguimos viagem. (ABREU) (Continua...)

 

Bibliografia

 

ABREU, J. Capistrano. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil – Brasil – São Paulo, SP –Ed. Itatiaia – Edusp, 1989.

 

KELLER, Franz. The Amazon and Madeira Rivers – EUA – Philadelphia – J. B. Lippincott and C°., 1875.

 

Solicito Publicação

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Aposentamos: abrigamos.

[2]   Cidade: Belém do Pará.

Salto Teotônio (Franz Keller) - Gente de Opinião
Salto Teotônio (Franz Keller)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 7 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Terrorismo Ontem – Terrorismo Hoje

Terrorismo Ontem – Terrorismo Hoje

Bagé, RS, 04.11.2025 Mais uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo. “Consentio in genere, numero et gradu” Te

Porque Sou Brasileiro Republicano

Porque Sou Brasileiro Republicano

Bagé, RS, 27.10.2025 Mais uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo. “Consentio in genere, numero et gradu” Po

Da Natureza do Militar

Da Natureza do Militar

Bagé, RS, 06.10.2025 Mais uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo. “Consentio in genere, numero et gradu” Da

Ideologias e Seus Restos

Ideologias e Seus Restos

Bagé, RS, 03.09.2025 Mais uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo. “Consentio in genere, numero et gradu” Id

Gente de Opinião Sexta-feira, 7 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)