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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXV - Real Forte do Príncipe da Beira - II


A Terceira Margem – Parte LXV - Real Forte do Príncipe da Beira - II - Gente de Opinião

Bagé, 14.10.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXXIV

 

Real Forte do Príncipe da Beira - II

 

§10. A situação desta Aldeia de S. Rosa é tão sujeita a produzir contendas, consequência gravíssima, que em quanto não se faz amigavelmente a respeito dela alguma transação que as evite para o futuro. Ficando os limites das duas monarquias pelo Rio Guaporé, deveis pôr todo o cuidado para que ao menos não cresça o mal que dali pode resultar. Por detrás daquela Aldeia se descobriram ultimamente as minas dos Arinos, e em um Ribeirão que está antes de chegar a ela, na mesma margem Oriental, se tinha já há alguns anos feito outro descobrimento, e é provável que naquelas vizinhanças se vão achando minas diversas.

§11. Se os índios daquela Aldeia se alargarem a buscar ouro pelos contornos, é muito factível que se descubram, e que com isso se faça mais dificultosa a transação amigável, e se vão originando maiores discórdias entre os vassalos de uma e outra monarquia. Enquanto esta dependência se não ajusta com acerto de Madrid, o remédio que por ora deveis aplicar é persuadir moradores que vão situar-se no círculo daquela Aldeia, e não muitas léguas de distância, dando-lhes sesmarias para assim evitar que os índios da mesma Aldeia se alarguem nos seus contornos; e deveis defender eficazmente os “sesmeiros” de qualquer insulto e moléstia dos mesmos índios. Para este fim, e para o mais que puder ser necessário, fareis alistar em Ordenanças todos os moradores do vosso Governo, procurando que andem quanto for possível exercitados e disciplinados. Nomeareis pela primeira vez os Capitães e mais Oficiais das Companhias e os Capitães-mores dos Distritos, de que dareis conta pelo Conselho Ultramarino para serem confirmados por mim, fazendo nas patentes menção desta ordem, e do número de agentes de que se compuserem os Corpos, que deve ser ao menos de 60 soldados em cada Companhia, e os Capitães-mores hão de ter ao menos seis Companhias à sua ordem. Pelo que toca aos provimentos que ocorrem depois dos primeiros, vos regulareis conforme as ordens emanadas pelo Conselho Ultramarino.

§12. Fareis frequentar, quanto for possível, a navegação e pesca do Rio Guaporé, para que não tome vigor com a negligência da nossa parte a pretensão em que têm entrado os Espanhóis de senhorear-se delas. A respeito da comunicação do Mato Grosso com o Pará, pelo Rio, que será o meio mais eficaz para destruir aquela preterição e para fortalecer as terras do vosso Governo, vereis pelas cópias que ordeno se vos entreguem, o que mandei avisar aos Governadores Gomes Freire de Andrade e Francisco Pedro de Mendonça Prejon.

§13. Pelo que se ordenou aos sobreditos, ficareis entendendo o que sou servida se observe nessa matéria e à vista das informações que enviareis para melhor conhecimento dela, resolverei o que tiver for mais conveniente ao meu serviço. Mas no caso que eu ao diante determine, que se franqueie a comunicação do Mato Grosso com o Pará, deveis ter cuidado em que não se abandone por isso o trânsito de causas, que ao presente se pratica do Cuiabá para São Paulo; pois por muitas e importantes razões convém conservar-se frequentado pelos meus vassalos aquele sertão. O Governo da Espanha tem grande ciúme de que da nossa parte se vendam fazendas de contrabando aos seus súditos americanos, e assim a razão da boa vizinhança entre mim e El-Rei Católico pede que, neste particular, tenteis toda a vigilância para impedir aos moradores do vosso Governo todo o comércio de gêneros com os Espanhóis.

§14. O gentio Paiaguá, apesar de um ataque que já mandei fazer às suas Ilhas, se tem depois tornado a restabelecer, de sorte que continua a infestar a navegação dos comboieiros pelo Rio Paraguai. Aos Governadores de São Paulo se tinha ordenado mandassem fazer alguns bergantins armados com gente de ordenanças para castigar os insultos daqueles bárbaros, e segurar a navegação dos ditos comboios. Confio do vosso zelo atendais a preservar os navegantes e vizinhos do dito Rio do susto daquele gentio, e quando exaustos todos os meios de persuasão e de brandura, não possais conseguir que desista das suas hostilidades, procurareis eficazmente reduzi-los com castigo a viverem racionalmente. E se para isto necessitardes de alguma coisa que faltem naquele sertão, o avisareis pelo dito Conselho, para se darem as providências convenientes. Em todo o vasto país que medeia entre o Paraguai e o Paraná ou Rio-Grande se acha vivendo o gentio Caiapó, que é o mais bárbaro e alheio de toda a cultura e civilidade, que até agora se descobriu no Brasil. As contínuas hostilidades com que infesta os caminhos de São Paulo para Goiás e para o Cuiabá e até as mesmas povoações dos Goiases me obrigaram a mandar ultimamente se deliberasse, em uma Junta de Missões no Rio de Janeiro, se devia fazer-se-lhe guerra, conforme os meios, com que se haveria de executar no caso que se julgasse indispensável. O Governador Gomes Freire de Andrade vos comunicará o último estado desta dependência, para que por vossa parte coopereis com ele, e com o Governador de Goiás no que se tiver assentado na dita Junta. E como um meio eficaz para afugentar e atemorizar estes bárbaros, é o de penetrarem os sertanejos pelas terras em que vive aquela nação, será conveniente que favoreçam todo o descobrimento de ouro que se intentar na serrania, que corre de Camapuan para o Norte. Nas terras que medeiam entre o Cuiabá e o Mato Grosso se encontrou há alguns anos a nação dos índios Parecis, mui próprios para domesticar-se, com muitos princípios de civilidade, e outras nações de que se poderiam ter formado Aldeias numerosas e úteis, e com sumo desprazer soube que os sertanejos do Cuiabá não só lhes destruíram as povoações, mas que totalmente têm dissipado os meus índios com tratamentos indignos de se praticarem por homens cristãos. Por serviço de Deus e meu e por obrigação da humanidade, deveis pôr o maior cuidado em que não se tornem a cometer semelhantes desordens, castigando severamente aos autores delas, e encarregando aos Ministros que pela sua parte emendem e reprimam rigorosamente tudo o que neste particular se houver feito ou ao diante se fizer contra as repetidas ordens que têm emanado nesta matéria.

§15. Pelo que toca aos índios das nações mansas, que se acham dispersos servindo aos moradores a título de administração, escolhereis sítios nas mesmas terras donde foram tirados, nas quais se possam conservar aldeados e os fareis recolher todos às Aldeias, tirando-os aos chamados administradores, e pedireis ao Provincial da Companhia de Jesus do Brasil vos mande Missionários para lhes administrarem a Doutrina do Sacramento. Igualmente lhes pedireis para a administração de qualquer Aldeia ou nação que novamente se descubra, não consentindo que se dissipem os índios ou se tirem das suas naturalidades ou se lhes faça dano em violência alguma, antes se apliquem todos os meios de suavidade e indústria para os civilizar, doutrinar em tudo como pede a caridade cristã.

§16. Às Aldeias distribuireis de sesmarias as terras que vos parecerem necessárias para as suas culturas, conforme o povo que contiverem. Não consentireis que os índios sejam administrados por pessoas particulares e muito menos que se­jam reduzidos a sujeição alguma, que tenha a mínima aparência de cativeiro, nem que, na administração econômica das Aldeias, se insira pessoa alguma fora os Missionários, nem que vão seculares a demorar-se nelas mais de três dias. E assim, a estes respeitos, como aos mais que pertencem aos governos de minas, fareis exaustissimamente observar o “regímen” e or­dens que têm emanado tocante a elas.

       E deveis estar na inteligência que tenho ordenado se deem de côngrua ([1]) da minha fazenda a cada Missionário das Aldeias 40.000 réis por ano. E pelo que pertence à ereção e guisamento ([2]) das igrejas das mesmas Aldeias, dareis interinamente as providências mais necessárias e, quanto ao mais, informareis pelo Conselho Ultramarino da ajuda, com que será conveniente que eu mande assistir.

§17. Por falta de conhecimento bastante dos sertões, não tenho determinado até agora os limites do Governo de Mato Grosso, mais que pela banda do Rio Grande. A respeito das outras partes, portanto, confinantes com os governos de Goiás e do Pará, procurareis todas as informações que vos for possível alcançar e mas fareis presentes, enviando juntamente Mapas do terreno para que se resolva por onde devem ficar os confins, assim do Governo secular como das Prelazias e das Judicaturas. Pelo que toca aos confins do vosso Governo pela parte do Peru, atualmente estão entabuladas algumas negociações para as regular amigavelmente. Enquanto, porém, tratado definitivo sobre esta matéria não chega a concluir-se, é bom que vades prevenido a respeito das queixas que talvez vos fará o Governador de Santa-Cruz de La Sierra, ou o Presidente de Chuquisaca, e deveis estar na inteligência que na matéria destes confins, não há razão que deva fazer escrúpulo do excesso da nossa parte, antes ao contrário.

       Porque suposto entre esta Coroa e a de Castela se fizesse no ano de 1491 uma Convenção em Tordesilhas, em que se assentou que, imaginado uma linha meridiana a 370 léguas ao Poente das ilhas do Cabo Verde, todas as conquistas destas linhas para o Oriente pertencessem a Portugal e as que ficassem para o Ocidente da mesma linha tocassem à Espanha, não posso, contudo, considerar-me obrigada a conter o limite da minha conquista no da dita linha. Primeiramente porque devendo, em consequência, da dita convenção, pertencer a cada uma das Coroas 180 graus meridianos, se acha pelo contrário que do termo da dita linha contando para o Poente até a extremidade e domínio espanhol no Mar da Ásia e Ilhas Filipinas, ocuparia aquela Coroa mais de 13 graus além de 180, que pela dita Convenção lhe toca. E como o espaço que importam os 13 graus é muito maior do que os meus vassalos têm talvez ocupado além da dita linha no sertão do Rio das Amazonas e no Mato Grosso, segue-se que ainda falta muito para ficar compensada a minha conquista do que os Espanhóis têm excedido no seu hemisfério. Em segundo lugar porque, tendo o Imperador Carlos V, pela convenção feita em Saragoça, em 1523, vendido a esta Coroa, tudo o que a Espanha pudesse pretender desde as Ilhas das Velas para o Poente, prometendo que seus vassalos não navegariam mais além daquelas ilhas, e se por acaso passassem ao Ocidente delas, e aí descobrissem algumas terras, as entregaria logo a Portugal, sem embargo deste contrato, foram os Espanhóis depois estabelecer-se nas Filipinas, donde resulta um novo título para eu pretender a compensação destas Ilhas.

§17. Supostos estes fundamentos da justiça da minha Coroa, deveis não só defender as terras que os meus vassalos tiverem descoberto e ocupado e impedir que os Espanhóis se não adiantem para a nossa parte; mas promover os descobrimentos e apossar-vos do que puderdes e não estiver já ocupado pelos Espanhóis, evitando quanto for possível não só toda violência, mas ainda a ocasião de dissabor pelo que toca às novas ocupações. E no caso que algum dos Governadores espanhóis vos faça instâncias ou protestos a este respeito, respondereis que, sobre semelhantes questões, se não pode tomar acordo entre vós, mas entre as duas Cortes, por onde cada qual de vós deve mandar as suas representações.

§18. Perto da Vila do Cuiabá há uma campanha alta chamada do Jassé, em que se afirma haver uma extraordinária abundância de ouro, que não pode aproveitar-se por falta de água para as lavagens. O povo do Cuiabá se empreendeu à sua custa trazer este efeito de grande distância um Ribeirão, e gastando nesta empresa um grosso cabedal ([3]) teve a infelicidade de tomar tão mal as medidas a que no fim do trabalho se reconheceu que faltava muita altura para chegar a água onde era necessário. E como sou informada de que, da condução desta água podem resultar avultadas conveniências, assim à minha fazenda como à dos meus vassalos: Hei por bem que, averiguado com a certeza possível, se a água pode chegar à altura competente, e fazendo examinar os defeitos do canal precedente, quando vos pareça factível a obra por meio da contribuição do povo, animareis a isso, sem porém usar de constrangimento algum; e se entenderdes que não bastarão as faculdades dos moradores para o fim desejado, me avisareis logo, apontando a assistência com que será conveniente contribua a minha fazenda e o mais favor que vos parecer será eficaz para conseguir-se o intento.

§19. Tem procedido grandes inconvenientes e embaraços da frequentação que apesar de todas as proibições, se foi praticando furtivamente das minas de diamantes que existem no Goiás. E suposto ultimamente dei providência que pareceu mais própria para se atalhar, resta o receio de que o mesmo dano se renove no Cuiabá, por haver notícia e terem aparecido amostras de diamantes, que se acham no Rio Coxipó nos contornos daquela Vila. Pelo que vos recomendo a maior vigilância possível em proibição toda a busca de diamantes naquela e em qualquer outra paragem do vosso Governo, e castigareis severamente toda pessoa que vos constar se ocupa em buscá-los, ordenando debaixo das penas que vos parecer que, se alguma pessoa trabalhando em outro ministério descobrir por acaso algum diamante, o traga ou mande à vossa presença para o remeter a esta Corte, onde mandarei dar ao dono dele o que for justo, para que não faça comércio deste gênero fora da caixa do contrato.

§20. Muitas outras coisas se oferecerão à vista do país, que não é possível ocorrerem de longe para se lhes dar providência nestas instruções, mas fio da vossa providência e zelo que em todas sabereis tomar acordo tão conveniente ao meu serviço que tenha muito que louvar-vos. [...]

Escrita em Lisboa a 19 de janeiro de 1749.

Rainha Mariana Vitória Bourbon

Marco Antônio de Azeredo Coutinho.

Instrução que V. M. é servida mandar a D. Antônio Rolim de Moura, nomeado Governador e Capitão-General de Mato Grosso, cujo Gover­no vai criar na forma que acima se declara.

Para Vossa Majestade ver.

Manoel Ignácio de Lemos a fez. (BOURBON) (Continua...)

 

 

 

Bibliografia

 

BOURBON, Mariana Vitória. Instruções da Rainha Mariana Vitória Bourbon ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ‒ Tomo LV, 1892.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Côngrua: taxa paga ao pároco para o seu sustento.

[2]   Guisamento: utensílios e alfaias dos ofícios.

[3]   Cabedal: recurso.

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