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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LV - Viagem da “Real Escolta” – XI


A Terceira Margem – Parte LV - Viagem da “Real Escolta” – XI - Gente de Opinião

Bagé, 30.09.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXIV

 

Viagem da “Real Escolta” – XI

 

QUINTA CACHOEIRA (Jirau)

 

No mesmo dia, pelas três horas da tarde se continuou, com efeito, viagem costeando à esquerda no rumo de Oeste, e logo a Sudoeste se avistou, à parte direita do Rio, umas serras que lhe faziam margem, e corriam para Oeste: eram de bastante altura, e povoadas de áspero arvoredo mui serrado; e chegando a uma enseada já no rumo de Susudoeste, se encontrou uma mui furiosa correnteza ocasionada de uma restinga de pedras, que com grande trabalho se passou sirgando as canoas e, tomando o rumo do Sul, se avistou a Cachoeira chamada ... [omitido no original] e se chegou a ela com 4 horas de viagem.

 

É esta Cachoeira ([1]) a mais terrível que até aqui se havia encontrado; porquanto continuando as serras antecedentes à margem direita deixam neste lugar tão grande e desordenada porção de penedos por toda a largura do Rio, que não dão outra passagem às águas, mais do que elas podem fazer atropelando aquela descomposta máquina por mais de 800 braças ([2]) de comprimento sem canal algum por onde se pudesse passar canoa, ainda que fosse à custa de todo o trabalho; em cujos termos não houve outro arbítrio, senão o descarregar as canoas e vará-las por terra pela margem esquerda até salvar toda a referida distância de impedimento.

 

Dois dias se gastaram em estiva o caminho de troncos para sobre eles rolarem as canoas, e como a terra era com bastante elevação, e semeada de penedos em distância de 1/3 de légua, se consumiram outros 2 dias em transportar as canoas e suas cargas, em cujos termos no dia 7 é que houve lugar de prosseguir viagem, levando 4 dias ([3]) de imenso trabalho esta Cachoeira importuna.

 

Com efeito, no dia 07.01.1750, às 06h00, se principiou viagem no rumo do Sul costeando à esquerda, e logo se topou com uma restinga de pedra [relíquia ainda da Cachoeira antecedente] bastantemente custosa de passar, porém, vencida que foi, se costeou a Oeste uma dilatada enseada, que à parte direita continuava a mesma serrania, mas de menos altura que a antecedente, e seguia o mesmo rumo de Oeste.

 

Acabada a dita enseada, se entrou a costear outra no rumo do Sul, no princípio da qual da mesma parte esquerda havia na ribanceira a célebre terra, que costumam comer a aves: logo se passou a Sudoeste, e no rumo de Sueste com 10 horas de caminho portaram as canoas já de noite, e se andara 3 léguas.

 

SEXTA CACHOEIRA (Três Irmãos)

 

No dia 08.01.1750, pelas 06h00, se principiou viagem no rumo de SSE, e logo SE, e SO por duas enseadas no fim das quais se entrou uma grande Ilha ([4]), que dividia o Rio em dois canais: o da parte direita se via embaraçadíssimo com morros de pedra, por onde despedia a água com tal violência, que se encontrando com a que saída do canal da parte Oriental resultava uma rápida e furiosa correnteza, que da ponta da Ilha se dilatava Rio abaixo em bastante distância.

 

Costeando à parte esquerda, se entrou com bastante trabalho o que por ela se seguia no rumo de Susudoeste; e com 10 horas de caminho se andara duas léguas, e portaram as canoas na Ilha referida já de noite.

 

Dessa Ilha e da terra firme de uma e outra margem saem as pedras, que fazem a Cachoeira chamada Arapacoá ([5]), razão por que, no dia seguinte, que se contam 9, se continuou pelo mesmo canal no rumo de Susudoeste e Sudoeste, costeando a Ilha até chegar à última ponta, onde é o grosso da Cachoeira, em cujo lugar se repartem as águas para os dois canais referidos e, ao sair do que se navegava, se passou à Cachoeira a remo, vencendo somente as correntezas, que resultavam das pedras já cobertas de água, por cuja razão se facilitou aquele passo, sem mais trabalho que o referido de remo.

 

Desde a ponta da Ilha da parte Ocidental, corria ao longo do Rio, a mais alta serrania que até aquele lugar se havia notado. Seguiam estas serras a mesma direção que as antecedentes de Leste para Oeste, e com elas pela ribanceira da parte direita se foi costeando à esquerda no mesmo dia 09.01.1750 no rumo de Oeste, Oesnoroeste e Noroeste; e com 10 horas de caminho se andaram 2,5 léguas.

 

A 10.01.1750, se principiou viagem costeando à esquerda no rumo de Oessudoeste, continuando as serras da parte direita a direção acima mencionada. Por uma quebrada que elas faziam, corria um Ribeirão, na boca do qual se achavam seis canoinhas de casca de pau postas em resguardo, indício certo de que no interior daquele lugar havia gentio, que nas tais canoinhas navegavam o Rio, quando lhes era necessário. No mesmo lugar se lhe deixaram e continuando viagem já ao Sudoeste com 4 horas de caminho, em que se andara légua e meia, se esconderam as serras para o centro no seu rumo de Oeste.

 

Prosseguiu-se viagem a Oeste deixando no meio do Rio, depois de passadas as serras, uma grande quantidade de pedras ainda mal cobertas, que ocasionavam grande correnteza e, vencida esta, se deu princípio a passar as primeiras correntezas, que resultam da Cachoeira que se achava próxima.

 

SÉTIMA CACHOEIRA (Paredão)

 

Não foi possível naquele dia ou tarde dele avançar mais caminho do que levar as canoas à sirga por duas pontas de pedra com grande trabalho, e se portou em uma pequena enseada com dez horas de jornada, em que se andara duas léguas e meia.

 

No lugar em que se ofereceu a primeira ponta de pedra acima mencionada, na margem esquerda, sai um canal grande entre a terra firme e uma Ilha ([6]) que se prolonga ao comprimento do Rio, a qual tem por fundamento rocha viva que, lançando para um e outro canal quantidade de pedras de monstruosa grandeza, deixa o da parte Ocidental intratável à navegação, por que a Lagoa nele não tem outro desafogo mais do que precipícios em tão confusa postura, que nem a vista podia fazer exame daquele intrincado passo.

 

O canal da parte esquerda, que seguimos, o povoou de sorte sem penedos que, despedida deles a água com grande fúria, se ia encontrar com a que corria junto à ribanceira também de pedra com restingas que, do encontro destas duas furiosas correntezas, resultava uma série continuada de sumidouros, que cada instante uns em cachões, e outros sumiam ao fundo as águas, e tudo o mais que pudessem atrair.

 

Por espaço de um terço de légua, se dilatava este espantoso caminho e, passado ele, se oferecem logo três Ilhetas de rochedo, onde batem as águas precipitadas do grosso da Cachoeira chamada Paricá ([7]), e por entre as Ilhetas correm tão furiosas, que a acrescendo-lhes o encontro de umas com as outras, ocasionam terríveis correntezas e fervedouros, como os antecedentes, que já à vista dos precipícios da Cachoeira e estrondo que delas resulta, fazem mais formidável aquele fluído espetáculo.

 

Donde se remata a enseada que principia na primeira ponta de pedra acima mencionada, se levanta um promontório de agigantados penedos que, dilatando-se até meio Rio, dão lugar por algumas quebradas que a água faça precipitado caminho por elas.

 

Na mesma direção destes penedos, se segue uma Ilha de pedras lançada ao comprimento do Rio, entre a qual e os penedos, em distância de 300 braças ([8]), há o maior canal intratável já naquela ocasião em que as águas tinham crescido até quase meio barranco.

 

Entre a Ilha e a terra firme da parte dos penedos, havia outra saída às águas, porém de iguais precipícios ao canal da parte esquerda: e haverá de distância aqui de uma e outra margem 900 braças ([9]) com pouca diferença, e o seu rumo é de Leste a Oeste e neste corriam as Ilhas já mencionadas.

 

A 11.01.1750, se continuou viagem levando as canoas à sirga junto à ribanceira que, por ser de pedra, deu um trabalho incrível este passo, no qual se consumiram 6 horas até chegar junto aos penedos da parte esquerda pela qual se costeou, e se andara ½ légua de caminho. Recolhidas as canoas a um comorozinho ([10]) que saía por detrás dos penedos, se transportou a carga delas para a outra parte da Cachoeira por caminho que se fez por terra, que teria 400 braças ([11]) de distância; e este foi o serviço que se pôde fazer no resto do dia referido.

 

A 12.01.1750, estivou de madeira uma quebrada que havia nos penedos, mais próximos à terra da mesma parte Oriental, por onde corria alguma água que, por pouca, não trazia violência de consideração, que deu lugar a se puxarem as canoas, que por toda a manhã ficaram da parte de cima da Cachoeira, com assaz trabalho grande e muita vigilância para evitar algum perigo.

 

Pelas duas horas da tarde do mesmo dia, se continuou viagem no rumo de Noroeste, costeando à esquerda, e se avistou à direita uma serra ([12]) que seguia o rumo das antecedentes, ainda à vista da Cachoeira. Passou-se ao rumo de Oeste, e depois de uma grande correnteza que resultava de umas pedras que havia no meio do Rio, portaram as canoas com 3 horas de caminho, em que se andara 1,5 léguas. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)

 

 

 

 

Bibliografia

 

G. FONSECA, J.. Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Cachoeira: Jirau – 09°19’32,8” S / 64°43’52,2” O.

[2]   800 braças: 1.760 m.

[3]   4 dias: 3 a 06.01.1750.

[4]   Grande Ilha: Mutum ‒ 09°35’16,3” S / 64°54’07,6” O.

[5]   Arapacoá: Três Irmãos ‒ 09°35’22,0” S / 64°55’31,9” O.

[6]   Ilha: 09°34’58,6” S / 65°09’29,5” O.

[7]   Paricá: Paredão ‒ 09°33’50,6” S / 65°10’18,6” O.

[8]   300 braças: 660 m.

[9]   900 braças: 198 m.

[10]  Comorozinho: pequena elevação.

[11]  400 braças: 880 m.

[12]  Serra: Serra do Candomblé.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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