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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CXLVIII - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXIV


A Terceira Margem – Parte CXLVIII - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXIV - Gente de Opinião

Bagé, 09.02.2021

 

Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXIV

 

Francisco D’Ávila e Silva V

 

Mais tarde, tendo o mesmo Prefeito notícia transmitida por Oséas Cardoso em nome do Senhor Nogueira júnior, chegado a 26 de outubro, em Cruzeiro do Sul, sede do novo Departamento, de que, aquele Comissário persistia na prática de atos hostis aos brasileiros e continuava resolvido a exigir o pagamento de impostos dos navios que subissem o Rio.

 

O Coronel Prefeito, tendo que estabelecer um Posto Fiscal na Foz do Amônea e instalar no mesmo local a sede de um juizado de paz, resolveu enviar uma força de cinquenta praças, sob o comando do Capitão Francisco de Ávila e Silva, encarregado de instituir o aludido Posto Fiscal, garantindo-lhe o livre exercício, e apoiar o Tenente Fernando Guapindaia de Sousa Bregense, Delegado Auxiliar de Polícia da Prefeitura, que ia incumbido de dar posse aos juízes de paz há pouco nomeados.

 

Esta força embarcou a bordo do vapor nacional Moa, uma das vítimas dos peruanos, em março deste ano, que saiu de Cruzeiro do Sul, a 27 de outubro, alcançando o Seringal Cachoeira, a 17 milhas abaixo da Boca do Amônea, no dia seguinte. Três testemunhas de vista depuseram sobre a movimentação da tropa que devia seguir para o Amônea, bem como acerca do combate havido neste lugar: Mário de Oliveira Lobão, Virgílio Lima do Nascimento e Alfredo Teles de Meneses.

 

O primeiro era farmacêutico do vapor “Contreiras” e foi quem dirigiu o serviço de saúde da força expedicionária; o segundo servia como escrivão do referido barco, e, representava, simultaneamente, o seu proprietário na viagem de março de 1904; e o terceiro foi um dos dirigentes de seringueiros que tomaram parte na peleja.

 

De acordo com os informes que nos deu por escrito o Senhor Alfredo Teles de Meneses e algumas notas extraídas do arquivo da Prefeitura do Alto Juruá, fizemos o relato dos fatos que cercaram a ação desenvolvida pelos brasileiros neste episódio ocorrido em a nossa fronteira, como se poderá ver no nosso trabalho intitulado “O Juruá Federal: [Território do Acre]”.

 

Agora, com os subsídios fornecidos pelas duas outras testemunhas supracitadas e algumas achegas colhidas ([1]) em jornais da época, tentaremos uma exposição mais pormenorizada.

 

Comecemos pelo mais minucioso deles, Virgílio Lima Nascimento, aliás primo do Dr. Mário Lobão, como era este conhecido no Juruá, ambos sobrinhos do Cel Hermelindo Contreiras de Oliveira, proprietário do vapor do mesmo nome, no qual, posteriormente, fiz várias viagens no Rio Juruá, todos meus conhecidos, que, ao narrar as ocorrências havidas, em março de 1904, entre peruanos e o vapor aludido, o Cel Thaumaturgo de Azevedo lhe prometera que, na próxima viagem, embarcaria o 15° Batalhão, no dito vapor, o qual saiu de Belém do Pará, no meado de setembro, aportando ao Cruzeiro do Sul, sede da nova Prefeitura, em fins de outubro, lugar em que apareceu a bordo o Tenente Sombra, com uma requisição para o embarque do referido Batalhão.

 

Presente, o proprietário do navio, respondeu que o Prefeito podia dispor do mesmo como lhe aprouvesse. Como, porém, constasse a Thaumaturgo haver nos seringais, aguardando ordens cerca de 500 voluntários, resolveu S. Exa. reservar o “Contreiras” para recebê-los, embarcando nele, somente o Capitão Ávila, chefe da Expedição, Tenente Guapindaia, Alferes Mateus, o secretário da Prefeitura Fran Pacheco e doze praças, enquanto os soldados do 15° de Infantaria, embarcariam no vapor “Moa”. Juntas saíram de Cruzeiro do Sul as duas embarcações, nas quais reinava a maior alegria, recebendo pelo caminho numerosos voluntários, até as proximidades do Amônea, quando ao passarem na praia chamada Feijão [sete milhas a jusante do Amônea] o “Contreiras”, tomando a frente, transpôs o difícil passo, numa feliz manobra, o que não aconteceu ao Moa, cujo comando adotando outro expediente, trepou sobre o lajeado existente no meio do Rio, virou de proa para baixo, ficando em grave risco de naufragar, durante três dias.

 

Enquanto isto se passava, o “Contreiras” chegava, quase ao meio dia de dois de novembro, em frente ao Posto Militar peruano, atracando 200 m a montante, no porto de Luís de Melo [Minas Gerais], onde o Alferes Ramirez penetrou a bordo, com 12 praças armadas, censurou o Comandante pela sua indelicadeza e o intimou a entregar os papéis do navio, ante o que o Tenente Guapindaia, presente ao ato, disse:

 

Eu Fernando Guapindaia, Tenente do Exército Brasileiro, Chefe de Polícia do Acre, lhe prendo, em nome do meu governo, por que exerce dentro do meu país uma profissão ([2]) não reconhecida por nós outros. Esteja preso!

 

Avançando para ele, o agarra, corre e toma-lhe a espada, sem que de severo outra frase a não ser esta fosse dita: “otra arma, no la tengo señor”; foi quando apitos e os 12 soldados peruanos foram envolvidos e revolvidos ao rancho dos marujos, guardados por 10 praças do 15° e uma turma dos voluntários e o Alferes ficou detido no camarote do imediato com duas sentinelas, recusou o almoço, aliás escolhido e a todos dizia:

 

que juzgue usted que los nuestros se entregaron cobardemente sino habría balas y muchas!

 

Não mentia. Depois deste incidente, o vapor suspendeu âncoras, e ao subir uns mil metros, fez-se ouvir a fuzilaria peruana, passando por sobre o navio “como se fossem mãos cheias atiradas de milho ou feijão”.

 

Aí, foram detonados pelo “Contreiras” dois foguetões, conforme combinação anterior, sinal a que o comando do vapor “Moa”, ao longe, correspondeu. Como as águas do Rio estivessem diminuindo, o navio teve que prosseguir a sua derrota, deixando os voluntários com o Capitão Ávila, no Seringal Minas Gerais, ficando a bordo o Tenente Guapindaia, sua guarda e os prisioneiros, sem corresponder à fuzilaria dos peruanos.

 

O “Moa” continuava encalhado, pelo que os soldados sabedores do que se passara no “Contreiras”, impacientes, desembarcaram e atravessando a floresta, vieram em socorro dos seus irmãos, e, como não o encontrassem, reuniram-se ao seu chefe e aos voluntários que aguardavam, nas proximidade do Rio Amônea, os companheiros que subiram no “Contreiras”, o qual sem água para navegar, permanecia na Boca do Rio Tejo.

 

Por isto, o Tenente Guapindaia teve que ir ao encontro do Capitão Ávila, numa baleeira do referido vapor, conduzindo os seus prisioneiros, mas, ao chegar em frente a um rancho peruano, à margem direito do Rio, um numeroso piquete de soldados inimigos tenta atacar a baleeira, à vista do que, o oficial brasileiro vira-se para o Alferes Ramirez, coloca-lhe a parabellum ([3]) na testa, e diz-lhe:

 

contenha o seu povo, do contrário você é o primeiro que morre.

 

Fazendo os nossos soldados o mesmo com as doze praças peruanas. Ramirez grita para os seus, voltem e não atirem de forma alguma, sendo atendido. Meia hora depois, chegavam ao acampamento brasileiro, onde, durante o dia três, prepararam-se para o que fosse preciso.

 

No dia 4, o Capitão Ávila já havia terminado o cerco do reduto peruano, cuja disposição era a seguinte: campos de 2 km de extensão por uns 300 m de largo, no ângulo esquerdo formado pela incidência do Rio Amônea com o Juruá, em que numa distância de 50 m do Rio, via-se uma rua composta de 25 casas de madeira, com uma isolada, bem grande, que servia de quartel e duas menores para moradia dos oficiais. Junto à margem do Amônea o terreno era elevado, tendo aí na extremidade uma grande trincheira em forma de quadrilátero, que foi o principal ponto de apoio do inimigo.

 

À margem do Juruá, 12 pequenas trincheiras completavam a defesa do porto. Atrás disso, a floresta. O cerco fora disposto de modo que a vanguarda ficou na margem direita do Rio Juruá, o flanco esquerdo, comandado pelo Tenente Guapindaia, à margem direita do Amônea e a retaguarda, o grosso da força atacante, metida na mataria. Ávila enviou um ofício, por um Sargento, ao chefe adverso, dizendo que de ordem do seu governo vinha garantir os interesses e a liberdade dos brasileiros: tendo como resposta, segundo a versão de Virgílio Lima, o seguinte:

 

Sr. Capitão Ávila e Silva, sendo o senhor Comandante de um Batalhão brasileiro, eu também sou de um outro peruano, por isso tenho muito prazer de trocar algumas balas consigo, pois que, tenho muitas. Espero de que cumpra o seu dever, garanto-lhe cumprir o meu.

 

Ao terminar a leitura o Capitão Ávila ordenou aos corneteiros que tocassem alerta e fogo, iniciando-se o combate, que durou todo o dia quatro e findou às 05h30 do dia seguinte, sem interrupção, diminuindo, apenas durante a noite, a fuzilaria: tendo concorrido muito para enfraquecer o inimigo a sede, pois, quando tentavam sair das trincheiras eram atingidos pelas balas dos brasileiros, morrendo diversos. (SOBRINHO, 1959)

 

 

Bibliografia

 

SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. Peruanos na Região Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Volume 244 – Departamento de Imprensa Nacional 1959.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Algumas achegas colhidas: alguns complementos colhidos.

[2]   Profissão: um serviço.

[3]   Parabellum: como eram conhecidas as famosas pistolas Luger P08, projetadas por George Luger.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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