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Helder Caldeira

Surfistinha à Secco


 
HELDER CALDEIRA 

 

No ano 2000, quando a pretty woman Julia Roberts despiu-se dos muitos vícios que a acompanhavam ao longo da carreira e encarnou a biografia cinematográfica da norte-americana Erin Brockovich sob corajosa direção do jovem Steven Soderbergh, o impacto do filme sobre o público e a crítica nos primeiros dias foi brutal. Todos esperavam encontrar na telona a Julia de sempre: bela, mas nem tão boa atriz; limpa, mas nem sempre convincente; absoluta, mas sempre escorada em um bom elenco coadjuvante. Encontraram. Mas a bela, limpa e absoluta Julia Roberts, num excelente trabalho de composição, havia compreendido e se transformado, encarnando à minúcia a extravagante Erin Brockovich, papel que, após o choque público inicial, rendeu-lhe merecidamente o Oscar de Melhor Atriz em 2001.

A vetusta crítica brasileira – apaixonada pelos arcaísmos e artifícios de pseudopatriotismo e viciada nos retratos cinematográficos de nossa violência urbana – após uma sessão de “Bruna Surfistinha”, deixa a sala de cinema com aquele ar de espanto, estranheza e gozo. Sensações típicas do encontro visceral com um mulherão de corpo escultural e onde se esperava encontrar um misto da ingênua Carina de “A Próxima Vítima”, a espevitada Darlene de “Celebridade” e a obstinada Sol de “América”. O que se vê neste filme, baseado na história real que se tornou best seller, é uma Bruna complexa e bem realizada, que recebeu de sua intérprete a dedicação e a entrega necessárias à construção de uma grande personagem.

Ao encenar o inconformismo triste da adolescente Raquel Pacheco com seu universo familiar que a levam a ser tornar Bruna Surfistinha, a mais célebre das garotas de programa brasileiras do início do século XXI, Deborah Secco não apenas acerta em todos os quesitos. Compreende a história, encara o desafio, constrói fisicamente a protagonista e emprega-lhe alma, encarnando sem pudores todas as nuances e flutuações de uma personagem extremamente densa. A atriz, em completo domínio de seus meios, é capaz de extasiar o espectador dispondo toda gama de elementos – belos ou imperiosamente terríveis, cômicos ou assombrosamente dramáticos – numa espécie de mosaico de uma vida marginal, cruel e maravilhosamente irremediável. Não por acaso, Deborah Secco está brilhante. 

Sustentando a boa protagonista, coadjuvantes de luxo enriquecem o trabalho como uma moldura ideal é capaz de agigantar uma pintura. Drica Moraes está perfeita no papel da cafetina Larissa e Cássio Gabus Mendes, interpretando o primeiro e decisivo cliente, funciona bem ao lado de Deborah Secco, uma química já testada e aprovada no seriado “As Cariocas” e que se repete com sucesso neste filme. No elenco também se destacam Fabiula Nascimento, Cristiana Lago, Érika Puga, Simone Illiescu e Brenda Lígia como as prostitutas do “privê” de Larissa, além das boas participações de Guta Ruiz e Juliano Cazarré.

Apesar da fórmula batida, o filme não é fácil. É um longa erótico sem sê-lo. É quase pornográfico, sem sê-lo em nenhum momento. Uma história onde o sexo está presente do início ao fim – incluindo inúmeras cenas de destemida nudez – mas sem tentar conquistar por simples sensualidade. O jovem diretor Marcus Baldini tinha todos os motivos e justificativas para abraçar clichês ou cometer erros. Ao contrário, realiza com maestria seu papel de meticuloso condutor. Graças a uma inabalável coerência rítmica e a uma configuração tão arriscada como acertada, Baldini nos transmite e nos deixa convictos da sensação de que somente dessa forma – com essas cenas, esse roteiro, esses atores, essas frases e ritmos – seria possível transpor para o cinema a história real de Bruna Surfistinha. É como bem diz o mestre cineasta Martin Scorcese: “quanto mais um filme é a expressão de uma visão única, mais ele se aproxima do estatuto de obra de arte”.

Como recurso último no limiar da realidade e da ficção, o diretor Marcus Baldini coloca em cena a própria Raquel Pacheco como a hostess que atende a Bruna Surfistinha de Deborah Secco. Não por acaso, o norte-americano Steven Soderbergh utilizou o mesmo recurso em cena bastante semelhante, quando a Erin de Julia Roberts encontra a real Erin Brockovich, travestida de garçonete, em uma participação especial relâmpago. Tal qual Soderbergh, Baldini merece todos os louros por seu filme excelente e, assim como Julia, Deborah Secco rompe a fronteira dos preconceitos e consagra-se como uma das grandes atrizes de sua geração. Tudo mais são pura fantasia e fetichismo, o que também não deixa de ser um elogio, já que estamos falando de uma obra de arte cinematográfica.

*HELDER CALDEIRA é autor de “A Primeira Presidenta”, primeiro livro publicado no Brasil sobre a Presidenta Dilma Rousseff, lançado em janeiro pela Editora AlphaGrafics (www.agbook.com.br).
 

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Fonte: HELDER CALDEIRA
Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista / http://twitter.com/heldercaldeira
www.magnumpalestras.com.br
heldercaldeira@estadao.com.br

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