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CHUTANDO O BALDE

CHUTANDO O BALDE: CARTINHA A PAPAI NOEL


CHUTANDO O BALDE:  CARTINHA A PAPAI NOEL - Gente de Opinião

CARTINHA A PAPAI NOEL

 

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William Haverly Martins

Os sapiens, quando iniciaram a jornada da vida, em grupos, aprenderam a usar a mentira, tornaram-se hipócritas e se iniciaram nas técnicas da dissimulação, da desfaçatez, em prol de uma convivência pacífica e necessária. Ao longo dos milênios, o trabalho da educação mudou consideravelmente o homem em relação ao meio, mas a natureza original das entranhas permanece na maioria: o descendente/homem sorri pela frente e fala mal pelas costas, é arrogante e finge simpatia até mesmo no interior das igrejas − existe momento mais hipócrita do que o “saudai-vos uns aos outros” no decorrer da missa? − Sem a hipocrisia mútua e o falso elogio nos tornaríamos intoleráveis, atormentados pelo grande fantasma existencial do conflito.  Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal, já nos ensinava Oscar Wilde.

Nesta época do ano, as mentiras se evidenciam com mais vigor: a figura do bom velhinho capitalista é usada para amenizar a consciência de quem faz caridade para chamar a atenção dos demais, escondendo, no bojo das ações temporárias, um coração impuro. É como se a parcela cristã da humanidade dedicasse apenas o mês de dezembro para o outro. Embora agnóstico/humanista, ouço as palavras de Jesus sobre essa comoção popular: − hipócritas!

Decididamente o mês de dezembro é o mais hipócrita do ano, é o mês da brincadeira mais chata do mundo, conhecida por amigo-oculto, do parente que passa 364 dias do ano sem aparecer, e, quando dá as caras, geralmente durante a ceia comemorativa pelo aniversário de Cristo, traz nas mãos uma garrafa de sidra, a qual ele batizou de champanhe. É o mês do sorriso largo e falso, dos tapinhas nas costas e das falsidades elogiosas. Por essa e por outras, os jovens preferem se dedicar com mais afinco a materialidade dos celulares do que a tangibilidade das relações.

Enquanto a sinceridade e o amor pararam no tempo, a tecnologia avançou e instituiu a era das distâncias sociais, onde as pessoas se relacionam hipocritamente pela telinha dos celulares, com emoji/emoticons, textos curtos e fakes, ainda que seja uma comunicação mais abrangente e imediatista. Seria idiota se não reconhecesse que em determinadas situações o whatsapp, o instagram, o facebook e demais mídias, representam um avanço nos relacionamentos, o que me incomoda é o relacionamento à distância, é a desumanização do ser.

O socialismo, pregado por filósofos, teóricos e religiosos, inclusive por Jesus, nasceu fadado ao insucesso, porque o homem surge para a vida sob o império do egocentrismo e da concorrência. Charles Taylor tem razão quando afirma que o “eu” impede uma identidade coletiva. Este negócio de amai-vos uns aos outros é balela de religião e de livros de autoajuda: Mateus, primeiros os meus, depois os teus! Farinha pouca, meu pirão primeiro! Venha a mim o reino e o pão de cada dia, o outro que se vire... As exceções existem e muito me alegro, quando com elas me deparo na labuta do dia-a-dia.

Se estabelecermos uma comparação midiática entre os ícones – Jesus e Noel – facilmente se perceberá que Jesus só aparece em presépios e em algumas emissoras de TV aberta, que divulgam filmes religiosos, já Papai Noel está em toda parte, invade nossa vida, com a apelação do sorriso puro de uma criança. Enquanto Jesus prega a divisão do pão e o amor ao próximo, diariamente; o outro é a cara do consumismo/capitalismo e ajuda a movimentar bilhões de dólares em torno da solidariedade singular, restrita a um único dia/mês.

Para não fugir à regra geral da incoerência, dispo-me da pele de lobo implacável, esqueço os pré-conceitos, absorvo os acordes mágicos das músicas natalinas, me visto de curupira e ando pra trás, buscando uma infância perdida no tempo, quando as cartinhas eram feitas entre os sonhos do porvir. E as palavras brotavam pintadas de emoção! Mas não consigo evitar a mescla ocorrida na memória da terceira idade, os argumentos ressurgem amarelados, persistentes, em meio ao desespero de uma espera longa e sórdida:

Papai Noel, gostaria de não ser um mandacaru o ano inteiro, gostaria de afagar/aplaudir os “poderosos”, em vez de chutar o balde, mas a vida cravou espinhos por todo o meu corpo, cansei de elogiar gente falsa, sem educação, corrupta, sem sensibilidade para enxergar o Cristo na fisionomia dos necessitados e resolvi dar meu tempo, minha atenção e meu afeto pra gente que não conheço, mas que me lê e me vê como alternativa aos que nada fazem, gente que entende as carências da minha alma, como carências sociais, gente que sabe que uso palavras duras, porque sonho derrubar os enganadores de palanque.

Ah, Papai Noel, como gostaria que você se unisse a Jesus num chute sobrenatural ao balde, instigando os corruptos do Brasil ao haraquiri, instituindo a morte matada moral e acabando de vez com a morte matada camuflada de morte morrida.

Embora cacto, ainda produzo frutos vermelhos e suculentos, e queria que você, Papai Noel, disponibilizasse simbolicamente esses frutos na ceia dos que me cercam, especialmente na mesa dos meus leitores. A cor e a doçura representam a sinceridade na rabugice, a busca insana e constante de uma felicidade distante, a verdadeira paz social: inatingível porque o silêncio da minha arte, à sombra dos ciprestes, chegará bem antes do que a almejada/sonhada democratização das letras, solução ao entendimento da dinâmica das urnas, primeiro passo na solidificação do Estado Democrático de Direito e consequente Justiça Social. 

Consciente da minha insignificância material na luta pelo fim da corrupção e das distâncias sociais, desejo um Feliz Natal a todos, principalmente às crianças, sem elas a festa poderia ser cancelada.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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