Quinta-feira, 10 de junho de 2021 - 08h35
Há, no Brasil, cerca de R$ 1,8 milhão de
crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos em situação de trabalho
infantil, segundo dados do IBGE de 2019 divulgados no ano passado. Desses, 706
mil (45,9%) estavam em ocupações consideradas como piores formas de trabalho
infantil. Diante desta realidade preocupante, cruel e persistente, o Ministério
Público do Trabalho (MPT), a Justiça do Trabalho, o Fórum Nacional de Prevenção
e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) lançam, nesta terça-feira (1⁰), a campanha “Precisamos agir agora para
acabar com o trabalho infantil!”. Seu objetivo é promover, por meio de ações de
comunicação nas redes sociais, a conscientização da sociedade sobre a
importância de se reforçar o combate a este problema no país e no mundo.
A coordenadora nacional de Combate à
Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT
destaca a importância de se dar visibilidade à temática, redobrando esforços a
partir deste ano. “O Estado precisa assumir e exercer, de uma vez por todas, o
seu dever de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais de
que são titulares crianças e adolescentes, garantindo-lhes uma infância justa,
digna e livre de trabalho infantil. Entre 2020 e 2021, não foi idealizada
nenhuma ação ou programa, com enfoque na infância e adolescência, voltados para
fazer frente ao aumento da pobreza trazido pela crise econômica causada pela
pandemia e respectivas medidas de enfrentamento. A educação não foi priorizada.
Crianças e adolescentes de baixa renda ficaram totalmente desamparados(as) e
desassistidos(as), sujeitos(as) a violências de todos os tipos, à fome e ao
trabalho infantil. Nem mesmo o III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho infantil foi impulsionado, encontrando-se paralisado desde 2019”,
declara a procuradora do Trabalho, Ana Maria Villa Real.
Promovidas ao longo deste mês de junho, as
mobilizações pelo “Dia Mundial contra o Trabalho Infantil” (12/06) buscam dar
ainda mais relevância ao tema em 2021, eleito pela Organização das Nações
Unidas (ONU) como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil.
Segundo a OIT, a América Latina e o Caribe conquistaram avanços relevantes nos
últimos 25 anos: 9,5 milhões de crianças e adolescentes deixaram de trabalhar,
especialmente em atividades perigosas.
No entanto, os impactos da crise provocada pela Covid-19 podem colocar em risco
esse progresso já obtido. Um estudo lançado pela OIT e a CEPAL em junho de 2020
alerta que mais de 300 mil meninos, meninas e adolescentes poderiam ser
obrigados(as) a trabalhar, somando-se aos 10,5 milhões atualmente em situação
de trabalho infantil na região da América Latina e Caribe.
“Assim, mais do que nunca, crianças e
adolescentes devem ser colocados no centro das prioridades de ação, nas agendas
políticas de reativação da economia e de atenção à população durante a crise,
sempre por meio do diálogo social e com um enfoque de saúde em todas as
políticas e ativa participação da sociedade civil. As escolhas dos governos
hoje irão determinar o caminho e as consequências da pandemia. E essas escolhas
devem incluir medidas para a prevenção e eliminação do trabalho infantil.
Experiências de crises passadas mostram que os países que colocaram as crianças
entre as suas prioridades conseguiram minimizar os efeitos da crise no longo
prazo”, disse Maria Cláudia Falcão, Coordenadora do Programa de Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho, do Escritório da OIT no Brasil.
Aprovado por unanimidade em uma resolução da
Assembleia Geral da ONU em 2019, o propósito do Ano Internacional é instar os
governos a fazerem o que for necessário para atingir a Meta 8.7 dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), que estabelece a necessidade de adoção
de medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a
escravidão moderna e o tráfico de pessoas e garantir a proibição e eliminação
das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e uso de
crianças como soldados, e, até 2025, pôr o fim ao trabalho infantil em todas as
suas formas.
“No contexto atual de agravamento da
desigualdade social e aumento da pobreza, há um risco iminente do aumento do
trabalho infantil. As mobilizações do 12 de junho ganham importância nesse
cenário como um chamamento à sociedade brasileira para fortalecer o controle
social e exigir do poder público a implementação de políticas públicas e de
ações eficazes para combater o trabalho infantil e alcançar a meta 8.7”, afirma
a secretária executiva do FNPETI, Isa Oliveira.
A Justiça do Trabalho, por meio do Programa
de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, atua na
especialização material dos magistrados para a garantia da proteção do valor
constitucional do trabalho. “A nossa responsabilidade é sensibilizar e
instrumentalizar as juízas e juízes do trabalho, as servidoras e os servidores
e toda a sociedade para reconhecer a exploração do trabalho infantil como grave
forma de violação de direitos humanos. E a responsabilidade no seu combate e
erradicação é dever de todos nós”, descreve a coordenadora do Programa,
ministra Kátia Arruda.
A campanha – Com o slogan “Precisamos agir agora para acabar com o trabalho
infantil!”, a campanha conta com materiais gráficos para divulgação nas redes
sociais, trazendo trechos da canção “Sementes”, dos rappers Emicida e Drik
Barbosa, composta para a campanha contra o Trabalho Infantil promovida pelo
MPT, FNPETI, Justiça do Trabalho e OIT no ano passado.
Ilustrações em cores vivas acompanham versos de impacto da canção, como “Se tem
muita pressão / Não desenvolve a semente / É a mesma coisa com a gente”. A
música Sementes foi regravada pelo rapper Rael e pela cantora Negra Li e será
lançada também nesta terça-feira (1⁰ de junho). Já o novo clipe tem previsão de
lançamento no início da próxima semana.
Twitaço #NãoaoTrabalhoInfantil -
No dia 11 de junho, das 10h às 13h, as instituições, em parceria com veículos
de comunicação, artistas e influenciadores(as) brasileiros(as) estarão
engajados(as) em uma ação no Twitter, com a hashtag #NãoAoTrabalhoInfantil.
O Twitaço busca chamar a atenção de milhares
de cidadãos e cidadãs para a causa. Ao longo do dia, centenas de mensagens
serão postadas nas redes. O objetivo é deixar a hashtag nos assuntos mais comentados
da rede.
Panorama – Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PnadC) divulgada em 2020 pelo IBGE, 4,6% das crianças brasileiras
encontram-se em situação de trabalho infantil no Brasil em 2019. Entre elas,
66,1% são pretas ou pardas, o que evidencia o racismo como causa estruturante
desta grave violação de direitos. Mais de 65% das crianças e adolescentes entre
5 e 13 anos estavam nas piores formas de trabalho infantil, o que exige ações
imediatas do Poder Público.
Além de serem privadas da infância e de
desenvolver suas potencialidades, as crianças submetidas ao trabalho infantil
estão sujeitas a adoecimentos e a acidentes de trabalho. Segundo dados do
Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde,
entre 2007 e 2020, ocorreram 29.785 acidentes graves de trabalho envolvendo
crianças e adolescentes, sendo que 290 foram fatais. No mesmo período, houve
49.254 notificações de agravos à saúde relacionados ao trabalho envolvendo
pessoas com idades entre 5 e 17 anos. Apesar de preocupantes, os números são
ainda maiores, pois o Ministério da Saúde admite que há subnotificação.
A subnotificação atinge também as notícias de
violações que chegam no MPT, uma vez que a instituição atua, em grande parte, a
partir de denúncias. Como muitas ilegalidades nunca são denunciadas e,
portanto, investigadas, não é possível afirmar que o universo de denúncias,
ações e termos de ajuste de conduta (TACs) representam a realidade, o que
também é motivo de preocupação. Ainda assim, apenas em 2020, o MPT recebeu
1.847 denúncias, firmou 383 TACs e moveu 145 ações relacionadas ao tema da
exploração do trabalho infantil.
A crise gerada pela Covid-19 resultou no
aumento da pobreza e da vulnerabilidade das famílias de baixa renda. Uma
pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), na
cidade de São Paulo, entre abril e julho de 2020, mostrou que houve aumento
significativo do trabalho infantil na capital paulista durante a pandemia do
novo coronavírus. Segundo o levantamento, no conjunto dos domicílios em que
mora pelo menos uma criança ou um adolescente, a incidência do trabalho
infantil era de 17,5 por 1.000 antes da pandemia, e passou a ser 21,2 por 1.000
depois da pandemia, o que representa um aumento de 21%.
A procuradora Ana Maria Villa Real descreve a
forma como o trabalho infantil afeta o bem-estar e o futuro das crianças e
adolescentes. “O trabalho infantil é uma grave violação de direitos, uma
tragédia social, uma realidade cruel e persistente que deixa sequelas
irreversíveis em suas vítimas”, declara a coordenadora nacional da
Coordinfância. “Todas as crianças e adolescentes têm direito a uma infância
digna e plena, em que os sonhos, o encanto, as brincadeiras, os estudos, o
respeito e a dignidade sejam presenças constantes em suas vidas”, completa.
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