Sexta-feira, 10 de novembro de 2023 - 08h59
Vinício Carrilho Martinez
Professor Associado IV da
Universidade Federal de São Carlos
Tainá Reis
Doutora em sociologia pela
Universidade Federal de São Carlos
O
racismo não tem limites – além daqueles que possamos colocar com punição e
educação –, não tem fronteiras. O racismo vive aqui no Brasil, aí ao seu lado,
toda vez que abrir a janela você verá, bem como a luta de classes e a luta
antirracista. Em certos contextos, ganha dimensões épicas, entre a xenofobia e
o genocídio programado.
A
xenofobia está na Palestina, de mãos dadas com o genocídio e os crimes contra a
Humanidade – cometidos pelo Estado de Israel, nas ações absolutamente
desproporcionais e mortíferas contra a Faixa de Gaza.
O
racismo está em todo o tecido nacional, é capaz de migrar tranquilamente do
famoso “quartinho da empregada” (pensamento escravista, resquício abjeto da
Casa Grande & Senzala, na inconsciência das classes remediada) até se ocupar
em franca manifestação nas hostes de poder. Porém, também no escopo dos Grupos
Hegemônicos de Poder podemos visualizar claramente a luta contra o pensamento
escravista[1]:
esse comportamento classista, racista que procura a “naturalização” do trabalho
análogo à escravidão, a uberização, a pejotização.
Com esse espírito em mente, hoje
traremos uma resposta histórica, construída socialmente, permeando toda a
cultura (até se tornar a primeira pele), para juntos pensarmos tanto a
Palestina quanto o racismo nacional – ou racial-fascismo[2].
Trata-se do Ubuntu[3].
Ubuntu é um poderosíssimo remédio
político-jurídico: resistência, ação, luta, consciência, emancipação,
ajuizamento, consciência.
Ubuntu é super-ação: ação para a
radical mudança social, é o germe da racionalidade no âmago da inteligência
coletiva. Ubuntu é ética e práxis.
Portanto, Ubuntu para a
Palestina implica no combate ao racismo em todo e qualquer lugar. Ubuntu é
a luta acesa contra a
Xenofobia, o Fascismo, o sionismo de Estado, o antissemitismo.
Ubuntu
é a justiça histórica (emancipação e indenização) e a justiça restaurativa:
punição, ressocialização, reconciliação. Foi retomado pelos sul-africanos para
lidar com a política de apartheid no país (1948 a 1994). Esteve na Constituição
Provisória de 1993 e está na lei sobre a Promoção da Unidade Nacional e da
Reconciliação do país.
Habermas
fala algo nessa linha, como o ideal (construído) de democracia consensual,
conciliatória. O que a mais velha tradição da Teoria Política também definiria
como a Política: a Polis em que se faz política negociando, afirmando-se na
tentativa de construção de um mínimo denominador comum, um nível solo abaixo do
qual nada seria viável e possível.
Ubuntu
é "fazer-se política", como indivíduo (animal político) e grupo: o
ser social. Não se trata do individualismo ocidental, mas da unidade, do
coletivismo. Com origem nos povos sul-africanos xhosa e zulu (Cavalcante,
2020), a ética Ubuntu expressa a política como arte: a arte da sociabilidade,
da interação, da elevação dos níveis de inteligência social. Ubuntu é a negação
da "arte da guerra".
Linguisticamente,
“o termo Ubuntu deve ser tomado como uma
palavra hifenizada: Ubu-Ntu. Ubu (prefixo) diz respeito à
existência, na sua forma geral, como processo contínuo do ser que se torna
constantemente, enquanto ntu (raiz),
à existência, na sua forma concreta.” (Dju; Muraro, 2022, p. 243). Então, ubu
se trata de um constante movimento, um vir a ser, enquanto ntu é um “ter-se
tornado”.
A noção de Ubuntu considera todo ser humano como sendo valor absoluto.
Tornar-se indivíduo, tornar-se humano, só é possível em conjunto com outros.
“Isso mostra que, na constituição de relação, a identidade e a diferença
coexistem, e os outros são constituintes do indivíduo, é a comunidade na qual
se insere para se tornar humano. A comunidade e o indivíduo se constituem.”
(Dju; Muraro, 2022, p. 248).
Ubuntu é um recado claro contra todos que mitigam a
convivialidade, que agridem a humanidade. E, por isso, com a aplicação de penas
duras aos sociopatas de todo gênero, número e grau, repondo-se o "dano
social", Ubuntu foi e é o tecido da justiça política restaurativa, é um
dos sistemas operacionais mais profícuos da justiça, da democracia e da
pacificação social.
Assim
é o remédio político-jurídico ideal para todos nós que ansiamos por
razoabilidade, racionalidade, proporcionalidade, especialmente na interação
entre os jogos e os jogadores do poder.
Se
é verdade que quem cala, consente, também é fato não estamos contentes com o
antissemitismo e muito menos com o sionismo de Estado, com os crimes contra a
humanidade, com a guerra de extermínio e o genocídio promovido na Palestina.
Mas, não cremos que mais violência irá sufragar o que já existe.
Defendemos,
de outro modo, o Ubuntu.
Porque
a política se faz com negociação, conciliação, compromissando-se, e não com
mais violência. Na guerra, a única vencedora é a morte, com sua indústria
armamentista. Com Ubuntu, vencemos todos. Ubuntu é a “representatividade de um
modelo de humanidade, de cultura e da história de uma comunidade” (Cavalcante,
2020, p. 187).
Para
os casos do 8 de janeiro, no Brasil dos atentados terroristas (de
"coorte" fascista) contra o Estado Democrático de Direito, Ubuntu
também se enquadra perfeitamente. Ubuntu, como instrumento ou sistema, é um
"ideal programático". Porém, quando acionado como forma de justiça
democrática, é operacional e pragmático. "(...) os princípios fundamentais
da ética Ubuntu são norteados pela preocupação com o outro, com a solidariedade,
com a partilha e com a vida em comunidade. Assim, uma geoética e uma
geofilosofia se apresentam nos fundamentos da filosofia ubuntu, trazendo o ser
em sua existência como a essência de uma coletividade" (Cavalcante, 2020,
p. 185).
Ubuntu
funciona, porque o "fazer-se política" é um caminho inexorável do
Humano. Definitivamente, o Ocidente tem muito que aprender com as filosofias e
a práxis africana.
Referências
CAVALCANTE, K. L.
Fundamentos da filosofia Ubuntu:
afroperspectivas e o humanismo africano. Revista Semiário De Visu.
Petrolina, v. 08, n. 02, p. 184-192, 2020.
DJU, A. O.;
MURARO, D. N. Ubuntu como modo de vida:
contribuição da filosofia africana para pensar a democracia.
Tras/Form/Ação, Marília, v. 45, p. 239-264, 2022.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Fascismo Nacional – Necrofascismo.
Curitiba: Brazil Publishing, 2020.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/11/desembargadora-metade-negra-e-metade-indigena-narra-racismo-a-criancas.shtml. Acesso em 09/10/2023.
[2] Martinez, 2020.
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