Quarta-feira, 12 de novembro de 2025 - 14h06

Na volta da Bienal de Arte Moderna, em São Paulo, na minha frente vinham
um vovozinho e sua filha.
Coincidente, na chegada ao nosso destino, fui fumar no mesmo local em
que eles estavam. Aí o vovozinho (pai da senhora) disse que iria ao
banheiro. A filha apontou o caminho reto, mas ele ia se desviando.
Então falei para ela ir, que olharia suas malas. Ela demorou para
se decidir, dizendo que era teimoso, que fazia tudo sozinho. E me contou que em
dezembro será um senhor centenário (100 anos!).
É vovozinho mesmo, mas não usa nem bengala de apoio.
Passado esse tempinho, a filha foi ao seu encontro para redireciona-lo e
voltou rápido, depois, ele veio sozinho.
Lembrei dessa história espantosa porque ontem estava vendo um podcast
sobre mercado financeiro e o apresentador, falando sobre a necessidade de uma
previdência (que logo não será mais pública, por causa do golpe de 2016, do
Temer: uberização, pejotização), disse que a Humanidade chegará aos 150 anos: a
"nova" medicina fará isso. Tomou o cuidado de não dizer que será tão
rápido.
Olhando a COP30, um marco sensível neste momento de negacionismo global[1], pensei
que, para chegarmos aos supostos 150 anos, primeiro, as atuais gerações terão
que salvar o planeta do esgotamento (com muita consciência, convicção, Ciência
e tecnologia – principalmente energética) e, somente em seguida, essas gerações
futuras poderiam herdar uma Terra apta à Regeneração: porém, sendo um processo,
a práxis se inicia hoje. Ou começamos hoje ou não haverá amanhã algum para ser
regenerado. Se nada fizermos individualmente e coletivamente (organizadamente)
as provas desleixadas, inerciais pela nossa inépcia e indolência, por certo,
serão a contraprova das expiações futuras e próximas.
Essa regeneração que vislumbramos na crônica é óbvia, na forma da
sobrevivência humana, e será uma Revolução ambiental – com a diferença de que
não será nos moldes da Revolução Francesa e jacobina. Também é óbvio que “nada
muda per si”, o sistema de produção atualizado pelo fractal não é uma entidade
aleatória, metafísica, abstrata.
Por mais que o sistema produtivo hegemônico do Capitalismo digital tenha
algoritmos reconditamente fascistas[2],
fantasmagóricos, em seu funcionamento há uma lógica funcional de dupla face: a
pulsão de morte do modelo político fascista e a pulsão exploratória e
consumerista.
Ou seja, sem a ação humana, a práxis decidida (reflexão e ação) de cada
um/a o sistema, obviamente, manterá em funcionamento suas fantasmagorias. Em
suma: a regeneração humana e planetária tem data limite para iniciar e a data
no meu calendário diz que é hoje.
Essas futuras gerações, se tudo isso ocorrer, seriam muito mais
equilibradas, conscientes, menos consumistas, niilistas e hedonistas. Também
pensei que será um tipo de prelúdio socialista, se houver vida por aqui. E o
mais curioso é que será um reencontro com o "Socialismo utópico".
Na verdade, será um Socialismo Ambiental, natural, imposto pela lógica
mais simples – a lógica do "deixe viver", oposta ao sentido atual do
"deixe fazer, deixe passar". Se houver vida na Terra até lá, veremos
triunfar a real Ciência Natural, capaz de reverter o processo de destruição
planetária em curso e, ao fazer isso, anular o próprio modelo capitalista em
andamento: destrutivo, corrosivo, corrompido.
Será um Socialismo Ambiental com seu escopo numa Ciência Natural e
naturalmente humanizada em sua premissa e em seus princípios, com uma meta
clara: salvar a Humanidade enquanto regenera o planeta desgastado, abusado,
estiolado. Neste sentido, será um Bellum Organum – prontos para a guerra pela
Ética; do belo, justo e honesto – e, assim, será o oposto do sentido primário,
colonizador, destrutivo, do Novum Organun[3].
Afinal, se a metade da
população mundial (ou menos do que isso) que mais consome e polui, e contribui
com a degradação ambiental, mudar sua retina para além do hedonismo, egoísmo,
da impulsividade planejada para o consumo do aqui e agora, se menos da metade
mudar esse curso em si, é óbvio, que a quantidade estará mudando a qualidade –
a qualidade presente nas atuais relações sociais, econômicas, ambientais,
culturais.
Por fim, a viagem de volta, o vovozinho no ônibus, me remeteram ao
artigo 225 da CF88 (Constituição Federal de 1988)[4]:
essa história do Socialismo Ambiental (Estado ambiental[5])
está lá. É a própria história do planeta Terra em regeneração.
Há um pouco de idealismo
nisso, porém, é fundamental sabermos que não se trata aqui de uma mera
suposição, especulação, um desejo infundado (honesto, mas infundado em
condições reais), não é uma premissa “ideológica”, um vir-a-ser sem
possibilidades concretas.
Não, esse Socialismo Ambiental (utópico, sem dúvida) que contamos na
crônica de uma viagem de volta da Bienal de Arte Moderna, na verdade, a
seguirmos a lógica da sobrevivência (a única lógica ofertada atualmente), é a
única saída viável. Ou nos regeneramos (mudando a cada um, cada contexto cada
realidade) ou não teremos condições de alterar o sistema corrosivo vigente,
desse nível de capitalismo altamente predatório e, só mudando-o (na
transformação de nossa própria aceitação, identificação: hábitos, costumes),
nós teremos alguma chance de mudar os sinais planetários absolutamente
negativos que temos à frente.
No fluxo corrente, no nosso dia a dia, vamos do esgotamento dos recursos
naturais ao que será um insuportável aquecimento global. Então, a questão é
muito prática e urgente, sem que mudemos por exemplo a obsolescência da
mercadoria (a exemplo do crescente e incontrolado troca-troca de celulares e de
roupas e de sapatos) nós nos esgotaremos muito rapidamente: parece que dessa
vez a Humanidade se colocou um problema muito difícil de resolver.
Além do mais, isso quer dizer que o idealismo é provido de ideias, que o
idealismo provém de ideias e, se não temos ideias, o nosso problema é ainda
mais grave –, pois, o nosso problema não seria apenas o distinto e específico
problema que temos pela frente, mas, sobretudo, o fato de não termos a mínima
ideia de como enfrenta-lo.
Então, a ausência de ideias implica em derrota certa e declarada. Como ensinou Kant: “Sapere aude”. Ouse saber, procure saber, procure por ideias mais equilibradas e viáveis (do ponto de vista conceitual, lógico – eco-lógico[6]). Procuremos por ideais exequíveis, emancipatórios[7] – isso é fazer política realista, notadamente a política ambiental, social, moral.
[1] E também uma contradição ou paradoxo, porque a Petrobrás
muito em breve estará explorando óleo na Foz do rio Amazonas – o paradoxo se
acentua porque a empresa retrata um símbolo nacional e a nossa soberania
energética.
[2] https://aterraeredonda.com.br/ensaio-sobre-capitalismo-digital-e-tecnofascismo/. Acesso em 12/11/225.
[3] BACON, Francis. Novum Organum & Nova Atlântida. São Paulo: Editora
Nova Cultural, 2005.
[4] CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I -
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e
ecossistemas; (Regulamento)
II -
preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético; (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento)
III -
definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção; (Regulamento)
IV -
exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará
publicidade; (Regulamento)
V -
controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente; (Regulamento)
VI -
promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII -
proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade. (Regulamento)
VIII
- manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo
final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação
inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir
diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às
contribuições de que tratam a alínea "b" do inciso I e o inciso IV do
caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do
caput do art. 155 desta Constituição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 123, de 2022)
VIII
- manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio
de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes
tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de
garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação
às contribuições de que tratam o art. 195, I, "b", IV e V, e o art.
239 e aos impostos a que se referem os arts. 155, II, e
156-A. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
§ 2º
Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente,
na forma da lei.
§ 3º
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º
A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos
naturais. (Regulamento) (Regulamento)
§ 5º
São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º
As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em
lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
§ 7º
Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se
consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam
manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição
Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio
cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure
o bem-estar dos animais
envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017). Acesso em 12/11/2025.
[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva,
1999.
[6] GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, São Paulo: Papirus, 1991.
[7] MARTINEZ, Vinício Carrilho. *Educação e Sociedade*: Sociologia Política
da Educação. São Carlos: Amazon, 2025. Disponível em: https://www.amazon.com.br/dp/B0FXSXHN7R.
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