Terça-feira, 16 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O pai do metafísico estava lá, em 1964


O pai do metafísico estava lá, em 1964 - Gente de Opinião

O metafísico – o jurisconsulto de Nárnia que tenta convalidar seu diploma de bacharel em Direito, no Brasil, e assessora a defesa do impronunciável – não esteve presente nos atos do dia 1º de Abril de 1964: o grande Dia da Mentira nacional. Porém, seu pai esteve, com camiseta amarela (não sei se já tinha escudo da CBF na época).

          Também não se sabe a idade correta do metafísico (que ainda tem um título nobiliárquico de Nárnia), se é longevo ou rapazote. O fato é que, adorador do mito caído, é um dos mais entusiastas do golpe de 1964. Sempre que pode ainda saúda aquele chamado de Ustra, e os delegados e policiais do DOPES.

          O que O metafísico, seguindo os preceitos do mito caído, não faz, de jeito nenhum, é comemorar a democracia, os direitos humanos, a República. Portanto, para O metafísico também não existiu um 8 de janeiro (na linha das “4 linhas” do 1º de Abril de 1964). Aliás, o mito caído (parece) será preso – o primeiro mito preso.

          Se a única leitora e o único leitor se lembrarem, o mito de Prometeu (o único decente) não foi preso – foi condenado à tortura e à barbárie intermináveis. Lembrado, um pouco, no conto A colônia Penal, por Kafka, e o regime de 1964. O metafísico não só não sabe nada disso, nem entende o escrito, para ele é só uma kafta ou afta.

          Já o pai do Metafísico é daqueles que não só têm saudades da porrada e do chumbo quente, como aplica seu remédio doente sempre que pode. O próprio metafísico (possivelmente) foi criado na porrada, ao som do hino e dos gritos de infante.

          Quanto à mãezinha do metafísico, tadinha, há dúvidas quanto ao seu comportamento: não se sabe se também levava porrada e gritos ou se replicava o remédio do mito caído no jovem metafísico (ou ambas).

          Esse metafísico, de certo modo, tem as marcas da família – no lombo ou na mente. Hoje, com certeza, os traços estão na mente, na mente vazia. Tão vazia que O metafísico sonha com outro 1964. E tem remorso, porque em 2022/2023 o sonho dele quase se tornou realidade. Quase...

          Dá para imaginar se em 2023 tivesse havido outro golpe e, por ironia do desatino, O metafísico fosse nomeado como ministro da Justiça? Se bem que tivemos alguns que estão pra lá da metafísica. Teve um, inclusive, que confundiu o livro “O avesso da pele” com o Pelé – estava indignado com a recusa do Paraná em homenagear o Pelé.

          O metafísico é dessas coisas aí, no melhor estilo para dizer que o único defeito do Pelé era a cor de sua pele. Lição que, claramente, aprendeu em casa.

          Ao contrário do metafísico e de outros – agora pelo lado do esquecimento –, nós, eu, com certeza, não quero “esquecer” 1964 e muito menos o 8 de janeiro. Queremos lembrar das atrocidades, da perversidade, do entreguismo do país aos interesses estrangeiros (EUA), de toda a má sorte que nos atormentou até a abertura democrática, até que chegasse a Constituinte de 1985.

          O metafísico não sabe nem o que é uma Constituinte. No direito-torto de Nárnia, não existem direitos humanos – só há uma excrescência que chamam de “humanos direitos”. Quer dizer, o direito pertence aos “cidadãos de bens”. O resto de nós é igual um caramelo, cachorro vira-latas.

          Por isso e muito mais, quero lembrar desde já o que foi 1964 (e o 8 de janeiro), especialmente porque é um dever lutar contra a mentira e a hipocrisia, lembrar do Mal praticado – especialmente para que não retroceda.

          Como diz o matuto de Bom Senso, caipira do interior: “empurrar a sujeira para debaixo do tapete não torna a sala limpa. Só esconde, até que alguém encontre toda a porcaria estocada”.

          E esse estoque, definitivamente, não quero saber, a não ser em memória póstuma a ser combatida em seus piores feitos e efeitos nefastos, e que perduram até hoje. É claro que não se pode cobrar essa lembrança do metafísico ou do seu pai, pois, sempre estarão hasteando a bandeira de algum pirata, sicário, torturador, matador, abusador.

          Mas, a nós, cabe lembrar, desfraldar a bandeira dos mortos, torturados, desaparecidos, vitimados, para que, por exemplo, você e eu possamos lembrar ao Metafísico o que é viver na escuridão, na dor, no “esquecimento” de tudo que se fez de pior para a humanidade.

          O metafísico esquece (se é que algum dia chegou a saber), a humanidade não. Por isso, termino essa carta ao metafísico, para afirmar que “Nunca Mais!”. Jamais esqueceremos, nunca perdoaremos.

          Para o metafísico, seu pai e o mito caído desejo toda a sorte e a lei mais dura permitida pelo Estado Democrático de Direito. Essa é a nossa diferença fundamental: o remédio que se deseja e se aplica.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 16 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Autodescrição - Manifesto Biopolítico

Autodescrição - Manifesto Biopolítico

       O que conta, efetivamente, é que foram e são momentos de afloramento da luta política, de uma Luta pelo Direito, porque invariavelmente estam

10 motivos para ser de esquerda

10 motivos para ser de esquerda

1. Porque lutamos pela Liberdade, Autonomia e Emancipação Sistêmica – com mudanças significativas, radicais, na raiz dos males sociais, econômicos,

O Homem das Cavernas

O Homem das Cavernas

Vi, ouvi, um jurista muito transtornado, absurdado, com o PL da Dosimetria ("dose = dosagem da pena") porque também seriam beneficiados os presos (i

Negação da acessibilidade - Alienação ou teorética?

Negação da acessibilidade - Alienação ou teorética?

Todos os teoréticos são infames, mas alguns são piores – porque "sabem o mínimo sobre a sua 'consciência", aquela que se pergunta: é um copo meio ch

Gente de Opinião Terça-feira, 16 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)