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Vinício Carrilho

O pai do metafísico estava lá, em 1964


O pai do metafísico estava lá, em 1964 - Gente de Opinião

O metafísico – o jurisconsulto de Nárnia que tenta convalidar seu diploma de bacharel em Direito, no Brasil, e assessora a defesa do impronunciável – não esteve presente nos atos do dia 1º de Abril de 1964: o grande Dia da Mentira nacional. Porém, seu pai esteve, com camiseta amarela (não sei se já tinha escudo da CBF na época).

          Também não se sabe a idade correta do metafísico (que ainda tem um título nobiliárquico de Nárnia), se é longevo ou rapazote. O fato é que, adorador do mito caído, é um dos mais entusiastas do golpe de 1964. Sempre que pode ainda saúda aquele chamado de Ustra, e os delegados e policiais do DOPES.

          O que O metafísico, seguindo os preceitos do mito caído, não faz, de jeito nenhum, é comemorar a democracia, os direitos humanos, a República. Portanto, para O metafísico também não existiu um 8 de janeiro (na linha das “4 linhas” do 1º de Abril de 1964). Aliás, o mito caído (parece) será preso – o primeiro mito preso.

          Se a única leitora e o único leitor se lembrarem, o mito de Prometeu (o único decente) não foi preso – foi condenado à tortura e à barbárie intermináveis. Lembrado, um pouco, no conto A colônia Penal, por Kafka, e o regime de 1964. O metafísico não só não sabe nada disso, nem entende o escrito, para ele é só uma kafta ou afta.

          Já o pai do Metafísico é daqueles que não só têm saudades da porrada e do chumbo quente, como aplica seu remédio doente sempre que pode. O próprio metafísico (possivelmente) foi criado na porrada, ao som do hino e dos gritos de infante.

          Quanto à mãezinha do metafísico, tadinha, há dúvidas quanto ao seu comportamento: não se sabe se também levava porrada e gritos ou se replicava o remédio do mito caído no jovem metafísico (ou ambas).

          Esse metafísico, de certo modo, tem as marcas da família – no lombo ou na mente. Hoje, com certeza, os traços estão na mente, na mente vazia. Tão vazia que O metafísico sonha com outro 1964. E tem remorso, porque em 2022/2023 o sonho dele quase se tornou realidade. Quase...

          Dá para imaginar se em 2023 tivesse havido outro golpe e, por ironia do desatino, O metafísico fosse nomeado como ministro da Justiça? Se bem que tivemos alguns que estão pra lá da metafísica. Teve um, inclusive, que confundiu o livro “O avesso da pele” com o Pelé – estava indignado com a recusa do Paraná em homenagear o Pelé.

          O metafísico é dessas coisas aí, no melhor estilo para dizer que o único defeito do Pelé era a cor de sua pele. Lição que, claramente, aprendeu em casa.

          Ao contrário do metafísico e de outros – agora pelo lado do esquecimento –, nós, eu, com certeza, não quero “esquecer” 1964 e muito menos o 8 de janeiro. Queremos lembrar das atrocidades, da perversidade, do entreguismo do país aos interesses estrangeiros (EUA), de toda a má sorte que nos atormentou até a abertura democrática, até que chegasse a Constituinte de 1985.

          O metafísico não sabe nem o que é uma Constituinte. No direito-torto de Nárnia, não existem direitos humanos – só há uma excrescência que chamam de “humanos direitos”. Quer dizer, o direito pertence aos “cidadãos de bens”. O resto de nós é igual um caramelo, cachorro vira-latas.

          Por isso e muito mais, quero lembrar desde já o que foi 1964 (e o 8 de janeiro), especialmente porque é um dever lutar contra a mentira e a hipocrisia, lembrar do Mal praticado – especialmente para que não retroceda.

          Como diz o matuto de Bom Senso, caipira do interior: “empurrar a sujeira para debaixo do tapete não torna a sala limpa. Só esconde, até que alguém encontre toda a porcaria estocada”.

          E esse estoque, definitivamente, não quero saber, a não ser em memória póstuma a ser combatida em seus piores feitos e efeitos nefastos, e que perduram até hoje. É claro que não se pode cobrar essa lembrança do metafísico ou do seu pai, pois, sempre estarão hasteando a bandeira de algum pirata, sicário, torturador, matador, abusador.

          Mas, a nós, cabe lembrar, desfraldar a bandeira dos mortos, torturados, desaparecidos, vitimados, para que, por exemplo, você e eu possamos lembrar ao Metafísico o que é viver na escuridão, na dor, no “esquecimento” de tudo que se fez de pior para a humanidade.

          O metafísico esquece (se é que algum dia chegou a saber), a humanidade não. Por isso, termino essa carta ao metafísico, para afirmar que “Nunca Mais!”. Jamais esqueceremos, nunca perdoaremos.

          Para o metafísico, seu pai e o mito caído desejo toda a sorte e a lei mais dura permitida pelo Estado Democrático de Direito. Essa é a nossa diferença fundamental: o remédio que se deseja e se aplica.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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