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Vinício Carrilho

Criminalização da vítima e o jogo político de todo dia


Criminalização da vítima e o jogo político de todo dia - Gente de Opinião

A mulher vítima de estupro poderá receber uma pena maior do que o crime que impôs (violentamente) o objeto do seu suposto crime (aborto)? Sim, no Brasil, na passagem do século XVI ao XVII...só que estamos vivendo isso agora. Um bafo nojento do passado escabroso voltou em sua revolta contra a civilidade. Pelas mãos do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e com a assinatura de 32 outros deputados, foi proposto o projeto de lei 1904/2024, que equipara a crime o ato de cometer aborto após 22 semanas de gravidez, mesmo em caso de estupro.

De fato, nunca se imaginou que o país chegasse ao nível de não "só" punir, mas sim criminalizar a vítima: a mulher/menina estuprada. O absurdo fica ainda pior se pensarmos que esse PL não toca no agressor, criminoso. Na verdade, ao punir a mulher vitimada por esse crime bárbaro (deveria ser tratado hediondo), o PL sinaliza que o criminoso tem uma carta em branco para preencher com seus atos odiosos. Possivelmente, nenhuma teocracia (das mais boçais) chegou a esse nível de irracionalismo.

A proposta de Sóstenes (PL-RJ), figura próxima ao pastor Silas Malafaia, aparece como peça de xadrez do jogo político brasileiro atual. A existência da proposta em si já coloca pressão sobre o presidente, obrigando-o a tratar sobre um tema espinhoso na sociedade brasileira. Além disso, exige uma resposta da presidência à bancada evangélica do Congresso, algo que o próprio Sóstenes afirmou. Ou seja, é uma pauta que afeta diretamente a vida de mulheres e meninas sendo usada para criar instabilidade política.

Realmente, não sabemos se a história do direito traz algum caso legislativo em que a vítima (além do mal já recebido) ainda receberá uma punição gravíssima. A pena atribuída deverá ser de homicídio: provavelmente o aborto será qualificado como homicídio doloso, com intenção de praticar a morte. Não há lógica, não há racionalidade. Então, não procuremos entender por este viés. Fazendo uma corruptela de Gramsci, talvez um Cesarismo Legislativo regressivo, repressivo. Seria um tipo de ditadura legislativa, visando-se o retrocesso moral. Juridicamente, não encontramos algum paralelo tão irascível.

O presidente da Câmara dos Deputados Artur Lira (PP-AL) aprovou o regime de urgência para a proposta, passando por cima dos ritos previsíveis e necessários para a votação de uma pauta delicada e que muda o Código Penal Brasileiro. É preciso haver discussões em comissões específicas, as mulheres precisam ser ouvidas. Esse é o trâmite básico de temas que vão para a votação no plenário. A tentativa de Lira adiantar a pauta direto para votação no plenário demonstra sua reaproximação com o bolsonarismo da bancada evangélica como meio de garantir a eleição de seu sucessor na presidência da Câmara.

No Brasil, meninas menores de 14 anos são as principais vítimas de estupro. A estatística indica que pelo menos 38 delas engravidam diariamente. Muitas sequer sabem reconhecer que estão grávidas, além de ter dificuldade no acesso ao cuidado médico. Com o PL 1904/2024, são interesse políticos e eleitoreiros que jogam com vidas de meninas e mulheres, obrigando-as a terem filhos de seus próprios algozes. Na articulação nefasta da política que ocorre no Congresso brasileiro, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) criticou o movimento de Lira e sinalizou que o Senado deve submeter o tema às comissões próprias antes de qualquer votação.

Simone de Beauvoir já afirmava que os direitos das mulheres sempre estariam sob risco, por isso era preciso manter a eterna vigilância. Vamos combater esse PL de autoria da teologia da bíblia, hipócrita e safado (porque rico aborta em segurança, toda hora). É o Fascismo eterno fazendo eco nas cabecinhas vazias e pudicas, enquanto prende crianças pobres estupradas. Esses são os grotões grotescos do país, e que esbanjam moralismo nas medianas classes médias, apequenadas, ignorantes, toscas.

Incomoda ainda o pior dessa ignorância: o apoio dos tais "trabalhadores e trabalhadoras liberais". Mas, é claro né? Os tais liberais não se veem como classe trabalhadora. São os mesmos remediados que preferem os remédios da especulação e da exploração. Tem se tornado cada vez mais difícil, muito difícil, falar da ignorância como padrão, como nota de corte, da cultura brasileira.

PL 1904 NÃO.

CRIANÇA NÃO É MÃE.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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