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Opinião: Saudades do Lula



Clóvis Rossi - Folha Online

Não, antilulista de plantão, não se trata de saudades da pessoa jurídica, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas da pessoa física.

Explico:

1 - Sobre a pessoa jurídica, escrevi um quilo de textos nos últimos oito anos, a grande maioria de crítica, até dura, uma ou outra impiedosa. Mas nenhuma desrespeitosa, tanto que Lula me qualificou como "amigo", já no período final de sua gestão, em entrevista para a revista Piauí.

Acho uma palavra muito forte para o relacionamento que mantivemos, mas o fato é que lido com Lula amistosamente há mais de 30 anos, já fui até testemunha de defesa dele e dos demais dirigentes sindicais do ABC, no processo pela Lei de Segurança Nacional que enfrentaram, até já dormi com Lula.

Não, não malicie. Passamos algumas horas em um quarto de hotel no aeroporto de Frankfurt, esperando um voo, junto com outros membros da comitiva de Lula, ainda dirigente partidário, sem, portanto, o esquemão que ampara presidentes.

Lula reclamou do ronco do Vicentinho, Vicente Paulo da Silva, então presidente da CUT, salvo erro de memória, Vicentinho reclamou do ronco do Lula e eu reclamei do ronco dos dois porque não dormi nada.

2 - Como presidente, é sempre bom ter alguém que te conheça desde muito antes de ser presidente. Já havia acontecido antes com Fernando Henrique Cardoso. Antiguidade, ainda mais quando há respeito mútuo, cria uma camaradagem que facilita o trabalho. Mas não poupou nem um nem o outro de críticas, que é como deve ser o relacionamento jornalista/fontes.
Para elogiar, presidentes têm sempre à mão uns 500 aspones.

Por isso, é que vou sentir saudades do Lula. Embora, nos últimos 12 meses, o relacionamento com Dilma Rousseff tenha sido bem cordial, não é a mesma coisa. Só conheci Dilma quando ela já era autoridade.

Não me sinto ainda à vontade para brincar com ela como faço com Lula. Sempre que ele chega a uma determinada cidade, há um nutrido grupo de jornalistas esperando alguma palavra dele, por mais banal que seja.

Quando vejo que ele vai passar direto, provoco: "Não vai falar hoje com a mídia golpista?".

Numa viagem à Alemanha, no fim de 2009, estávamos eu e dois companheiros aguardando Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, para uma entrevista, no hotel em que a comitiva brasileira se hospedava.

Lula chegou antes e veio bater papo. Disse que, quando sindicalista, adorava comer o sanduíche de línguiça que se vende em quioscos nas ruas de toda cidade alemã que se respeite. Por isso, quando viu uma das barraquinhas antes de chegar a um evento oficial, pediu que alguém lhe comprasse um sanduíche, que comeria quando pudesse.

Havia dado apenas uma mordidinha quando chegou ao hotel, com o então ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge (companheiro de jornalismo e amigo), segurando o lanche para o presidente.

Brinquei no ato: "Já tenho a manchete de amanhã: Miguel Jorge segura a linguiça de Lula".

O general Gonçalves Dias, chefe da segurança, se escachou de rir. Aliás, é outro de que vou sentir saudades. Nome de poeta, alma de poeta, eficiente a ponto de permitir que, a respeito de seu trabalho, se inverta a frase do Ché: o general consegue ser gentil, sem perder a segurança de vista.

Lula também não perdia chance de dar o troco, embora as limitações impostas pelo cargo impedissem excessos, mesmo a ele que não liga muito para o protocolo. Assim mesmo, antes de uma entrevista coletiva em pleno número 10 de Downing Street, residência e local de trabalho dos primeiro-ministros britânicos, em uma sala lotada de jornalistas, ele me chamou à mesa para uma "condecoração": o escudo do Corinthians, sabendo que sou palmeirense, o que equivalia a cravar uma estaca de madeira no coração.

Vou sentir saudades também de Celso Amorim, outro que conheço desde muito antes de ser "o melhor chanceler do mundo", conforme escolha de uma publicação estrangeira.
Amorim é um profissional brilhante, mas não creio que haja "melhor do mundo" no que quer que seja. Cada um tem momentos melhores e não tão bons. Mas devo a Amorim um "furo" que a Folha não aproveitou, sei lá porque.

Ele era chefe da missão brasileira em Genebra, junto às Nações Unidas, ainda no governo Collor. Passei por lá, ele me chamou para almoçar e contou, entre outras coisas, que poucos dias antes havia sido fechado o acordo de banimento de armas químicas. Era tema na moda, então, porque se suspeitava que Saddam Hussein, derrotado pouco antes na primeira Guerra do Golfo, tivesse armas químicas.

A Folha não deu mas, dois dias depois, o "International Herald Tribune", versão internacional do "New York Times", usou como manchete de capa. A fonte deles só pode ter sido o embaixador norte-americano, mas a minha era tão boa quanto, mesmo antes de o Brasil ser rotulado de "emergente".

Outro amigo que deixará saudades será o fotógrafo oficial da Presidência, Ricardo Stuckert, profissional de primeiríssima qualidade, além de grande companheiro. Só não sei se Sérgio Ferreira, tradutor oficial de Lula desde que era apenas sindicalista, fica ou sai. Sérgio me disse que sairia, mas o vi no domingo funcionando como tradutor em audiências de Dilma.

Espero que fique. É de assombrosa competência no seu ofício. Além de eticamente impecável: jamais deixou vazar o que quer que seja dos diálogos de Lula com mandatários estrangeiros de que foi testemunha privilegiada. Embora sejamos amigos há anos, eu nem tentei conseguir uma fofoca que fosse, justamente para evitar a Sérgio o constrangimento de recusar.

Menos mal que fica Marco Aurélio Garcia, aparentemente com espaço ampliado no novo governo. É outro que conheço faz mais tempo do que gostaríamos ambos de lembrar porque delata nossa idade. Uma vez, quando Evo Morales criou turbulência com o Brasil, na esteira da nacionalização do gás, Lula estava em viagem à Áustria.

Marco Aurélio me chamou para contar todo o "background" da mini-crise. No dia seguinte, Lula apareceu no lobby do hotel, diante do pelotão dos jornalistas e, ao me cumprimentar, disse: "Boa matéria a sua. Quem foi a fonte?".

Respondi: "Você, Lula, não disfarça".

Tudo somado, me divertia mas ganhava o salário honestamente, produzindo informação correta e, não raro, exclusiva sobre política externa brasileira. Prometo me esforçar para continuar assim, mas, ainda que consiga, temo que não será tão divertido.

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